sábado, 24 de abril de 2021

ZURRAR

 

“O mal da inteligência, é tentar convencer-se sobre

a necessidade de tolerância com a burrice.

Os burros não querem tolerância, querem feno.”

(Alexandre Coslei)

 

 

ZURRAR

 


É uma das características que distingue muitos seres humanos dos burros, se bem que alguns, nem zurros saibam articular.

Fico na confiante de que os burros não se sintam revoltados belicosos e lhes não dê na “moleirinha” para organizarem em alguma manifestação ou entrarem em greve (realidades que agora estão na berra), e se recusem a acatar as ordens do almocreve, para encetarem a distribuir parelhas de coices por tudo quanto é sítio, sem olhar a quem.

Agora que este animal criou estatuto social e passou a estar sob tutela, não vejo outra razão, a não ser esta, que justifique o aumento do seu número no nosso país. Não digo que está abarrotado deles, mas de futuro não sei!? Já vai em duzentos e tais! Talvez até seja por isso que a sua maneira de escoicinhar e formato de comunicação, se tenham espalhado com tanta celeridade nas “derradeiras” quatro décadas, na tradição das persistentes lavagens aos miolos da burricada nacional.

Muito se tem zurrado e continua a zurrar neste país! É uma zurraria infernal. Zurra o burro que é burro, e zurra o “burro”, que cisma que é inteligente.

A atestar a minha dissertação, temos muita nata da aristocracia fracassada, que deixou de saber “tagarelar”, articulando vocábulos decentes e credíveis e optou pela comunicação zurrante e dessincronizada, podendo ser essa a razão da nossa incompreensibilidade para justificar toda as burricadas que até agora têm feitas.

Bem, por aquilo que tenho compreendido, creio que eles também não se entendem lá muito bem entre si, mesmo com a pança cheia e a manjedoura semicircular repleta de palha. Alguns procuram zurrar sem emitirem uma sonância clara, talvez porque achem que zurram mal, deixando, no entanto, transparecer os desabafos do que zurraram, a ver pelos movimentos denunciadores que fazem com as beiças, de onde saem alguns sons timbrados de complicada tartamudez, de compreensão e audição difíceis.

Penso que, se em vez de utilizarem a linguagem burrical, empregassem também a massa encefálica do burro, era bem possível que o entendimento entre eles se tornasse mais harmonioso e todos nós naturalmente beneficiaríamos mais com isso.

Era plausível que a crise não se tivesse entranhado com a sufocadora, porém de certificável intensidade no nosso país, e quiçá, no mundo, onde ouvimos zurrar por um lado e gemer por outro.

Permanece realmente uma distinção de fio de navalha entre o zurro e o gemido. Enquanto o primeiro pode ser uma manifestação de grandeza, de poder, despotismo, de satisfação e de oportunismo, o gemer já não é assim, uma vez que só o gemido é indubitavelmente uma manifestação de dor e de sofrimento.

São estas exteriorizações dolorosas que a cada momento aumentam o número de pacientes, e, acima de tudo, “burros” padecentes, que já não têm forças para se equilibrar nas patas, nem nas decisões, mas… teimam em sufragar.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 21/01/2021

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

 

 

 

 

  

quinta-feira, 22 de abril de 2021

DETA (Linhas Aéreas de Moçambique)

DETA

(Linhas Aéreas de Moçambique)

 


Tenho a certeza de que, quando os “filmes de longa metragem” gravados num passado já distante começam a projectar a sua virtualidade na tela real do nosso pensamento, temos que legitimar que é sinónimo de velhice. Mesmo admitindo que é impossível, alimentamos a ânsia de querer agarrar o passado com ambas as mãos, movidas pelas derradeiras e débeis forças que, a muito custo, ainda subsistem e nos estimulam a réstia de esperança que ainda em nós flameja.

Hoje deu-me na pachorra escrever algo sobre a empresa onde dei por bem empregue os anos que por lá passei a “conquistar” os meios materiais que na altura permitiram a minha subsistência.

Vou divagar sobre DETA (Direcção de Exploração dos Transportes Aéreos), Linhas Aéreas de Moçambique, onde obtive o meu primeiro emprego após ter saído da Força Aérea Portuguesa, a minha primeira e grande escola, que ainda hoje recordo com saudade, porque foi lá que aprendi o “abecedário aeronáutico e alguma escrita” que me permitiram singrar nesta empresa, até ter que zarpar para um país vizinho.

Até hoje, nunca mais pus os pés naquela terra, naquele aeroporto, naqueles hangares; nunca mais toquei em nenhuma daquelas aeronaves, às quais a minha cabeça tanta mioleira dedicou, para no fim, servir de repasto ao olvido.

Um esquecimento compulsivo do qual ainda tenho marcas remanescentes, que, em noites de maior vigília, povoam o meu onirismo e fazem germinar muitas lembranças em forma de peroladas gotas de emoção.

Aprendi e apreendi muito naquela empresa; aproveitei bem os cursos e recursos com que ela me subsidiou, mas sempre pugnei para que as chefias nunca se houvessem arrependido pelas oportunidades que, passo a passo, me iam concedendo. Fiz tudo por isso e consegui-o. Por onde passei, não deixei má imagem da DETA

 Foi naquela companhia, que, com vinte e nove anos já detinha as Licenças Aeronáuticas, sob o nº 129, (“toucinho” que muitos queriam poder rilhar, ficando-lhes apenas o apetite temperado pela fantasia, com sabor a inaptidão – suponho), “licenciado” em Fokker F27 Friendship, e Boeing 737, a máquina voadora mais recente e mais sofisticada da DETA; para quem conhece, sabe que foi uma obra prima dedicada à aviação comercial.

Foi subsidiado pela DETA que me desloquei a Salisbury (Rodésia), a fim de frequentar um treino no, na altura velho, Boeing 720; foi a DETA que me enviou à TAP, para conseguir o Curso do Boeing 707, que consegui, sem deixar mal vistas as chefias que em mim haviam confiado, como o Eng. Rebelo e o Eng. Carmelo (óptimas pessoas).

A provar a sua confiança, optaram por me “expedir” novamente à TAP, com o objectivo de adquirir o Curso do Boeing 747 - Jumbo, que à época eu considerei a “besta” aeronáutica para transporte de passageiros. Com muito estudo e algumas dores de cabeça, mais uma vez consegui obter a qualificação, que não ousou encavacar aqueles que em mim depositaram a seu crédito. Se ainda existirem, quero que saibam que nunca os arrumei a um canto, nas poeirentas prateleiras do esquecimento.

Como tantos outros, baptizado com “pomposo” título de Técnico de Manutenção de Aviões, por ali fui ambulando entre os hangares e a gare do aeroporto Gago Coutinho; ora executando inspeccões às aeronaves da companhia, ora prestando assistência ao avião Boeing 720, da Air Rodesia ou aos aviões da TAP, nos quais era cursado.

Foi a DETA que me forneceu um Passaporte Oficial para todos os países com quem Portugal mantinha relações diplomáticas. Que eu saiba, de todos os Técnicos de Manutenção, era eu o único que possuía essa “benesse”; isto porque, por vezes surgia a necessidade de verificação e ajustamento de determinados componentes dos reactores que equipavam os Boeings 737, cujos instrumentos de análise e ferramentas específicas, para verificação e consequentes ajustes pretendidos, nós não possuíamos; tornando-se por isso, imperativo, recorrer aos “laboratórios” da South African Airways – e não havia tempo para desperdiçar com as entidades policiais ou aduaneiras.

A título de apêndice: uma das vezes que para lá nos deslocámos – ainda me recordo bem – no regresso, eram cerca das 22:45 da noite, o aeroporto estava a “dormir” sob a meiguice do calor tropical! A torre de controlo, aos mosquitos e a iluminação da pista de aterragem extinta. Os pilotos tiveram que andar por ali às voltas até que, o já falecido Adelino Martins, (na altura Chefe de Inpecções), que mora ali pertinho, deu conta de que o avião andava por ali a “pastar” na “cálida” atmosfera africana e de imediato alertou todos os sectores necessários para a aterragem – parece galga, mas foi verdade.

Continuando:

  Já estava a “voar alto” quando, passado algum tempo e após infernal burburinho, a determinada altura ouvi, através de uma emissão da estação Rádio Club de Moçambique, as palavras que iriam modificar o meu azimute e na vida (e na vida  de muitos mais), e rumar para o país vizinho, África do Sul, para safar a minha pele e a dos meus, após o pouco “glorioso” o sete de Setembro – o tempo assim o provou; palavras essas, que ainda trovejam dentro de mim aficam em alimentar uma aura de revolta, mas, ao mesmo tempo, fazem abrolhar a saudade! *“Galo, galo, amanheceu”; galo, galo, amanheceu”.

Por aquela nação, (também agora economicamente enfraquecida e insegura, continuei cerca de dois anos integrado no sector da aeronáutica, onde ao fim de um ano fui promovido a assistente chefe de equipa.

Passado mais um ano, por causa da promulgação de uma nova lei, “cheirou-me” que algo de bom não iria acontecer (como se pode actualmente se constatar), regressei ao meu país e jurei que nunca mais sairia de Portugal.

Apesar de algumas oportunidades que me surgiram devido à minha ficha curricular, abdiquei de todas. Só valoriza a cidadania, quem já viveu noutro país.

 Mas, movido por inveterado vício aeronáutico e com o bichinho a morder-me o miolo, sem saber da poda, enveredei por ser “aviador” de balcão, sem carecer de qualquer cursozeco preliminar; eu como comissário e a minha esposa como assistente de bordo. Fácil!? Em vez de repetirmos a cerimoniosa e protocolar pergunta, “chá, café ou laranjada”, acrescentávamos ainda, “uma cerveja, um bolinho ou uma bifana?!” Tomei de trespasse um café. O café mais velho de Coimbra (tem a minha idade; setenta e sete verões e ainda está a bulir como eu), do qual guardo memórias de tempos passados nesta bela cidade de Coimbra, terra abençoada, onde formei as minhas filhas e que considero a minha segunda terra de “nascença”.

Apesar de tudo, fiquei sempre muito grato à DETA - Linhas aéreas de Moçambique, porque considero que foi aquela companhia que realmente me abriu as portas para o meu ganha-pão e me proporcionou as várias defesas de tese para o meu “Mestrado” em técnica da aviação, para a qual é indispensável, dedicação, estudo, senso de responsabilidade e perícia neuronal, para resolução dos problemas no imediato.

Seja qual for a espacialidade de um técnico (que se preze) em máquinas voadoras, ele continua a estudar pela vida fora; a evolução da tecnologia a isso o obriga. Não se faz um mecânico de aviação, com um treino de trinta horas, para depois continuar a “voar eternamente” na mesma atonia. Não. Diariamente se depara com problemas diferenciados que ele tem de resolver com a maior brevidade e segurança; é coagido a instruir-se para quebrar a barreira da ignorância que nunca o largará, por esta se mover a par com o avanço tecnológico. Se assim não for, não irá a lado algum. Mas é lindo, gratificante, e, acima de tudo, viciante! É um mundo à parte, onde a surpresa está sempre presente.   

Ainda hoje estou grato a alguns elementos da chefia daquela época (aqueles que faleceram, paz a sua alma!) por terem depositado em mim, a sua confiança.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 22/04/2021

 

https://antoniofsilva.blogspot.com/2021/04/deta-linhas-aereas-de-mocambique.html

                         Ou

http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

 

Faço por não usar o AO90

 

*Para aqueles que desconhecem,

 foram as palavras emitidas pela FRELIMO, através da rádio,

como grito de vitória, anunciando a capitulação de Portugal.

 

 

 

 

 

terça-feira, 20 de abril de 2021

À FORÇA AÉREA PORTUGUESA

 

As pessoas felizes lembram o passado

 com gratidão, alegram-se com o presente

 e encaram o futuro sem medo.

(Epicuro)

 

 

À FORÇA AÉREA PORTUGUESA

 

Apesar de alguns obstáculos que inevitavelmente fui obrigado a transpor, ainda hoje bem-digo a hora em que voluntariamente ingressei naquele ramo das Forças Armadas Portuguesas.



Não foi um céu aberto, porém, também não foi um constrangido inferno; acima de tudo, foi uma escola que me deu asas para voar no universo do conhecimento; um saber que eu nunca deixei fermentar e até aos dias de hoje, sempre pugnei por ampliar.

Não somente me concedeu uma vasta erudição sobre a técnica aeronáutica, como identicamente me insuflou uma ânsia diversificada nessa sabedoria, que teve um importante papel nas minhas modestas acções “investigatórias”, com as quais sempre fui colmatando a minha congénita curiosidade, que até aos dias de hoje não consegui saciar.

Foi graças àquela escola que eu talhei o rumo da minha vida na aviação, até ter sofrido alguns acidentes de percurso, resultantes da política adotada a seguir ao 25 de Abril, dos quais ainda hoje alimento algumas mazelas - como tantos outros.

Mas, adiante.

Para mim, na minha modesta apreciação, a FAP foi uma escola de elite, por todos os ensinamentos lá ministrados, além daqueles que propriamente me diziam respeito, para ser um futuro Mecânico de Material Aéreo.

Nesses preceitos, estavam envolvidos a ética, moral, camaradagem, respeito, obediência e senso de responsabilidade. Na FAP, a palavra militarismo, no que concerne aos elementos Especialistas, nunca usufruiu do relevo que é atribuído pelos ditos “chicos”. Era mais uma irmandade do que uma tropa fandanga militarizada.

Tudo isso, só não aprendeu quem não quis, não se aplicou ou era calaceiro – porque também havia de tudo.

Foi naquele mundo novo que eu encontrei as cobaias certas para aprimorar o meu nato e inveterado vício, direcçionado ao estudo e aplicação da psicologia humana. Naquela “universidade”, abastada em cobaias das mais diversas raízes e recantos, das maiores metrópoles às mais recônditas parvónias, pude praticar através da minha observação e análise, as facetas mais díspares do comportamento humano e as reacções delas consequentes. Concluindo que, não existem pulsões sem causa. As razões existem dentro de cada ser, contudo, as manifestações podem ser diferentes para uma mesma razão. Mas ninguém faz nada ao acaso.

A razão para o facto cometido, benévolo ou maldoso, existe. É evidente que muitas vezes não é desculpável. Se assim não fosse, cada um fazia o que lhe desse na real gana e a harmonia derreter-se-ia no fundo da desobediente caçarola da anarquia. Coisa que não deve acontecer numa comunidade, seja ela civil ou militarizada.

Continuando.

Gradualmente, através de fases diversas passei de um jovem merdoso, imberbe, irrefletido, e com o cérebro por lapidar, a ser um homem, de encéfalo limado e polido, de barba dura, responsável pelos seus actos e consciente dos seus deveres – modéstia à parte.

Foram estes os ensinamentos que me acompanharam durante a minha vida.

Agora, eis-me aqui, com a vitalidade de setenta e sete anos, para consagrar a esse ramo das Forças Armadas Portuguesas os mais justos encómios que dentro de mim fervilham, antes que, nas acrobacias da vida, algum voo picado me faça entrar em viril e perder os sentidos “ad aeternum”.

À Força Aérea Portuguesa quero manifestar a minha mais lhana gratidão.

 

OBRIGADO POR TUDO.

 

António Figueiredo e Silva

(Ex-Especialista de 1961)

Coimbra, 20/04/2021

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

 

Faço por não usar o AO90

domingo, 18 de abril de 2021

A MINHA RIQUEZA

 

Sonhar também é uma forma de viver.

(A. Figueiredo)

 

A MINHA RIQUEZA

(Ilusão)

 


Não, não são do Sócrates. Os Títulos do Tesouro, e o tesouro em si, são meus. E ninguém toca. Era o que faltava!?

Eu sou descendente de uma famelga “abastada”, cuja herança foi transmitida, pela parte da minha mãe, ao meu pai, por óbito dela – que nenhum deles já neste mundo de vigaristas se encontra.

Todavia, como os meus pais casaram com Comunhão Geral de bens, e é de lei, a fortuna passou a pertencer ao casal, em partes iguais, da qual a minha mãe me autorizou a fruir. Ah, ainda para aumentar a minha for

tuna, já de si bem abonada, veio a herança de um tio, que nem se quer conheci – paz à sua alma, e obrigado tio!

Ora bem, nasci “marquês proletário”, mas, protegido pela sorte, banhado pela astúcia, opulento em “parlapié” e um buraco camuflado num velho muro, cheguei à invejável posição que se pode ver.

Muito, mas muito mais do que isto encontrei eu no “cofre-forte”; além de uns Títulos do Tesouro (alguns dos quais aqui reproduzo), um alqueire e meio de libras esterlinas em ouro, e um saromil (na gíria da minha terra, que equivale a um oitavo de alqueire), repleto de morabintinos caldeados com umas patacas e mais umas moedas que não conhecia. Por dentro, colada à tampa, tinha a uma amarelecida fotografia com o busto de um barbaças que eu não conhecia de lado nenhum, até ser elucidado por um amigo meu, douto na matéria. Era do busto de Sócrates, filósofo ateniense, da Grécia antiga.

Mas o que ali encontrei não lhe pertence, tenho a certeza.

Todo este tesouro encafuado num rústico, mas bem cavacado cofre em pau-santo (provavelmente trazido do Brasil pelo meu bisavô), oculto no buraco de uma parede e bem embuçado por uns seixos de xisto betuminoso, atafulhados de saibro amarelo misturado com barro e selados com musgo; substâncias abundantes no “Condado” Loureirense, terra onde nasci há setenta e sete invernos. Carago, que já passou muito tempo!

Dada a minha linhagem de sangue perro, mas de robusta persistência e caturrice, sempre acreditei vir a ser possuidor de uma fortuna escondida ou pirateada - pelo menos na minha fantástica e criativa imaginação.   

De vez em quando assomava-se dentro de mim um palpite e ao mesmo tempo uma ânsia, de que havia de ser rico; por sorte ou com recurso a “negócios” menos legítimos, tais como interveniência pouco lisa em vendas de imóveis urbanos, compras de herdades ou presentes em “cacau”, feitas por alguns amigos do ”coração”. Qualquer coisa serviria para esse fim. Esta vesânia assolapou-se na minha abóbora como um mexilhão se agarra à pedra.  Não me dava um minuto de refrigério.

Há poucos anos, com a cooperação de moderna tecnologia e para dar termo ao meu padecimento, arvorei-me, sem perceber patavina do assunto, em pesquisador de metais “raros” que podiam estar enterrados lá pela antiquada “fortaleza” dos meus falecidos progenitores, habitação essa, que me tocou por herança.

Com infinita paciência, por lá fui vasculhando, quase milímetro a milímetro, toda aquela área, encontrando uns pregos ferrugentos, umas ferraduras já desgastadas pelos muares e asinos que as “calçaram” e pela corrosão (não confundir com corrupção) do tempo; umas fivelas velhas, cardas de chancas, um prego de uma galiota ( que no calão lá do ”burgo” quer dizer caibrar), e três ferraduras de boi  - esta parte me leva a crer que houve um boi sem uma pata, a puxar a carripana.

Já bastante desmoralizado, estava tentado a desistir, mas a mania impinge-nos uma força incrível. Lembrei-me de escoldrinhar nos muros de noventa centímetros de espessura que vedavam o “castelo”.

Devagarinho, furco a furco, palmo a palmo, por ali fui arrastando a sonda rente ao muro. A dado momento oiço em reduzida intensidade um piriri, piriri!? Fiquei com os cabelos de pé. À medida que ia avançando, a intensidade dos piris aumentava. Ó diabo, aqui há mistério!?

Passando a sonda para um lado e para outro, fixei a minha atenção no sítio muro onde a intensidade dos piriris atingia o máximo de volume.

A minha adrenalina e a minha pulsação aumentaram na razão directa da minha euforia. Entrei em incontida ebulição emocional.

Fui buscar uma marreta e toca a escavacar. As minhas glândulas sudoríparas laboraram como leoas esfomeadas, para manterem a minha temperatura corporal na bitola certa, que por sua vez, caucionava minha presença neste mundo.

Quando, após ter removido um monte pedras, deparei com um artefacto talhado em madeira, fiquei perplexo, radiante e cheio de curiosidade!

 Ao abrir aquela encomenda, que estava atada por umas tiras de couro cru, ia desmaiando de contentamento – felizmente não aconteceu.

Olhei extasiado! Estava rico! – O sonho de qualquer bardamerda, que se preze de sê-lo.

Restava agora outro problema, que era, como justificar à sociedade (e ao Fisco) o opíparo estilo de vida que tencionava levar, sem olhar a custos.

Dada a “olhometria” apurada dos colaboradores invejosos, não seria nada fácil. Mas, como “matéria atrai matéria na razão directa das massas…”, a minha “massa” atraiu muitos “amigos” influentes e “caridosos”, e pensei que com a sua “desinteressada” colaboração que me iria safar do busílis

Ao mesmo tempo, em cauteloso solilóquio, ia dizendo para mim: “não te chateies que isso é um problemazeco que só agora começou; vais ter muito tempo para o resolveres e te safares das garras desses falcões” de meia-tijela. Ó pacóvio, lembra-te que a narta merca tudo. - Retorquiu o meu EU. “Vai até Roma, Paris ou a outro lado qualquer, dar uma voltita. Goza a vida e caga na sociedade, nos seus princípios e na sua magistratura. São todos uns lambões e uns trauliteiros.

Pois caros leitores, é isso que tenho feito e continuarei a fazer, porque a fortuna não é pertença do Sócrates, nem tenho nada a declarar ao Fisco – até ver.

É minha e ninguém tem nada a ver com isso.

Se tenho cabras ou não, é cá comigo.

Só sei que actualmente, apesar de não ser um rico homem, sou um homem rico. E o dinheiro tem poder!?

Isso satisfaz-me.

P´ró resto, caguei.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 18/04/2021

 

  http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

Faço por não usar o AO90.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

FADÁRIO

 

Quando caligrafei estas linhas

(que foram publicadas em alguns periódicos),

até comentei com a minha esposa um vaticínio meu,

que de facto veio a consumar-se;

a pessoa que muito desabafou comigo,

num período em que eu não me encontrava em Coimbra,

suicidou-se.

 

FADÁRIO

(*Uma história verdadeira)

 


O tempo passa, mas os estigmas gritantes consequentes de uma sociedade podre, sem moral nem compreensão, permanecem gravados na memória de quem, sem culpa de ter nascido, sofreu no corpo e na alma as chicotadas dessa mesma sociedade.

Hoje todos são obrigados a ter um pai, nem que seja emprestado. Mas têm-no. E o nosso quem é?... Um traste qualquer? Um alcoólico? Um ricaço sem vergonha? Um trafulha sem escrúpulos? Sabemos que pode ser tudo, menos um homem com carácter e banhado pela consciência.

Aquela mulher, que em nova era bonita, num momento de fraqueza aliada à falta de conhecimento, “perdeu a cabeça”, e, na sua inocência, e num momento de “loucura” dissipou a virtude mais bela que a natureza lhe deu. A pureza. 

Foi numa pequenina aldeia, nos arredores de Coimbra, que aquela mulher, pobre como Jó, um belo dia deu à luz um par de gémeos, para alegria dos seus olhos e cruz da sua vida. Tratou de os criar da melhor maneira que pode, mas sempre num estilo de vida de supliciante sacrifício. Ninguém ajudava. Até o padre, pela Páscoa, não visitava o pardieiro onde morávamos, por aquela mulher ser mãe solteira. Nunca a igreja nos ajudou em nada, a não ser tentar retira-nos a fé, amesquinhando-nos perante os outros. Apesar de felizmente nos encontrarmos bem de vida, estas são amargas recordações que ainda não morreram e foram sempre a persistente força impulsionadora que nos ajudou a sulcar na vida, fazendo de nós aquilo que hoje somos. Não foi fácil!?

Ainda me recordo! Vivíamos num pequeno casebre sem divisões, onde a terra depois de varrida - quando era - servia de soalho. Quatro paredes esboroadas pelo tempo suportavam uma viga e meia dúzia de caibros onde dormiam dia e noite umas dezenas ou talvez centenas de telhas podres, que no verão serviam para arrefecer o velho pardieiro e no Inverno para o enregelar. A nossa lareira era encovada no chão, como uma lareira celta; não tínhamos bancos onde confortavelmente pudéssemos descansar; para isso serviam uns duros tijolos que nos calejavam o traseiro e nos incutiam a noção de quão difícil era viver. Quando havia sol, entravam os raios pelas frinchas das telhas partidas e faziam umas bonitas réstias de luz tingidas pelo fumo, ou pelas partículas de pó que pairavam em suspensão tangueando com os movimentos do ar. Se chovia, nem era preciso colocar bacias para aparar as gotas, primeiro porque não as possuíamos porque eram caras e segundo porque os pingos caíam directamente para o chão de terra batida, infiltrando-se de seguida. Como beduínos naquele minúsculo “deserto”, íamos arredando as nossas enxergas e os poucos farrapos em que nos enroscávamos tremendo de frio, para um lugar onde pingasse menos. Lá íamos sobrevivendo naquela triste enxovia sem que ninguém se compadecesse de nós.

Pequeninos ainda, andámos na mendicidade. Não me envergonho de dizê-lo. Descalços e a tiritar de frio, fomos pastores de ovelhas, por um salário de um prato de sopa, às vezes mal cheio, e um côdea de broa por vezes dura como cornos. Ainda me lembro como se fosse hoje! Naquele tempo aquela mulher corajosa, desprezada pela mentalidade atrasada da sociedade, fazia o que podia para nos manter vivos, nunca nos faltando com a educação, que ainda hoje mantemos, por dever moral e cívico, e em sua pesarosa memória.

Fizemos o ensino obrigatório, e seguidamente fomos colocados num colégio albergue para crianças. Tínhamos nessa altura onze anos. Foi aí que pela primeira vez, eu e o meu irmão sentimos os nossos pés quentinhos, porque nos deram uns bonitos sapatos pretos com solas de madeira, a que chamavam chancas, confeccionadas por um habilidoso artesão. Nós olhávamos para aquilo com uma adoração e um carinho que hoje não me merecem os melhores sapatos. Dávamos valor a tudo; hoje ninguém dá importância a nada.

Fomos crescendo e afinando o tino. Com isto também crescia em nós a vontade de libertação absoluta que quando atingiu o seu patamar ideal, largamos para a vida como pássaros saídos do ninho que mal sabem voar. Entre surpresas boas e más, desgastes físicos e psicológicos, pontapés e louvores, e à custa de muitos sacrifícios conseguimos afinal, construir uma vida condigna e da qual nos orgulhamos.

Eu sou cabeleireiro de senhoras, arte que sempre adorei, e o meu irmão enveredou pela construção civil.

Dois gémeos e duas vidas; dois caminhos e dois destinos; dois meninos, hoje dois homens, que souberam remar contra as agruras da vida, e que, graças à sua persistência e vontade de vencer, venceram mesmo!...

Estas são apenas vagas, mas ardentes lembranças de realidades que não gostaríamos de voltar a passar.

   “E aquela mulher, que em nova era bonita e teve um momento de “fraqueza” que a sociedade nunca perdoou, foi a minha (nossa) mãe!

Que pelo sacrifício e amor que nos dedicou dentro das suas parcas posses, ainda hoje eu a venero!

 

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra

17/11/2005

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

*Esta história de uma realidade sem precedentes,

foi-me corajosamente contada na primeira pessoa,

com alguma comoção, talvez como um desabafo há muito

reprimido, para que eu a escriturasse e a mandasse publicar,

com o desígnio de beliscar algumas consciências abastadas,

            que não sabem o que significa viver na pobreza.

 

 

 

 

 

sábado, 10 de abril de 2021

A DECISÃO

                                                              O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça,

mas para julgar segundo as leis.

(Platão)

Justiça injusta, não é justiça, mas vingança.

(António Figueiredo)

 

A DECISÃO

РЕШЕНИЕ

DIE ENTSCHEIDUNG

ההחלטה

 


Ao que parece, o crime compensa.

Não é só pelas lusas terras que a injustiças multiplicam. É a maior e mais temerária pandemia que alastra e faz vítimas por todo o planeta.

Em princípio, apesar da sua criação tender a ser bem determinada e bem intencionada, existe sempre uma faceta material ou afectiva a induzir o abalroamento da limpidez decisória, manipulando-a por interesses duvidosos subjacentes. Esta puridade só existe, se for patenteada por aqueles que possuem um carácter incorruptível e se mantêm a favor da lei, do dever, da razão, da integridade e da justiça.

Isto porque os princípios constituem os fundamentos que são as bases para a edificação de uma sociedade; porém, esta deve ser suportada pelo intransigente empenho na diligência e tutela os direitos e deveres dos cidadãos, com vendada imparcialidade, no sentido de criar uma comunidade mais equilibrada e mais equitativa; logo, mais humana e mais fraterna.

Pelos que me tem sido dado observar, existe uma dualidade de critérios, não no espírito da justiça, porém, na sua aplicação; o que me leva a acreditar, que existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Uma magistratura que suplicia inocentes e inocenta criminosos. Uma Justiça que se subjuga à lei do mais forte.

Partindo deste princípio, deparam-se ocasiões em que o ser humano não consegue evitar a injustiça, porque a opinião do homem é permeável à manipulação por forças exógenas que modificam o sentido do seu decoro, arrastando-o para o campo indomesticado, que é domínio da sem-razão.

Contudo, isso não invalida o nosso direito ao protesto, que devemos aproveitar para manifestar, e dar voz aos nosso queixumes e sentimentos na tentativa de nos libertarmos de poderes místicos e ocultos causadores de desgraças inevitáveis, com vista a minimizar a discrepância entre o certo e o errado, o que é justo e o que é injusto; mesmo sabendo que lutamos contra a corrente porcelosa do colarinho-branco, por nada devemos abdicar desse direito à sublevação e à consequente manifestação do nosso desagrado, nosso repúdio, que nos fazem escumar de cólera.

Mas, começo a pensar… quando sei que, naquele tempo, Judas se deixou vender por trinta dinheiros para deixar o seu Amigo ser conduzido à “Justiça”, apesar de saber que Ele seria injustamente condenado, já não me causa admiração que isso actualmente possa acontecer no território da justiça dos homens.

O que mudou, simplesmente, foi o espaço temporal e o nome da moeda. O resto tem-se mantido inalterável.

Não é pago em Dinheiros, e depositado nas mãos de um Fariseu qualquer, mas sê-lo-á em Euros, ou outra moeda existente ao cimo da terra, através de prévios ou subsequentes depósitos e transferências para qualquer país onde o sigilo bancário é alma do negócio e fonte rendimento.

Contudo, é nosso Direito, e acima de tudo um Dever, lutar para que isso não possa acontecer.

Concluindo: enquanto houver uma justiça para ricos e uma justiça para pobres, o crime compensa, sempre com sustentáculo numa ritualizada ocorrência final - involuntária ou deliberadamente patenteada:

A DECISÃO JUDICIAL.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, Sexta-feira, 9/04/2021

 

António Figueiredo e Silva

 

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 9 de abril de 2021

COISAS QUE NEM O DIABO SONHA


 “Há momentos na vida em que se deveria calar


e deixar que o silêncio falasse ao coração, pois

 há emoções que as palavras não sabem traduzir!”

(Jacques Prévert)

 

COISAS QUE NEM O DIABO SONHA!

 

Isto são factos que não lembram ao Diabo, mas, não é por isso que não deixam de integrar verdades; contudo, só “acredita” ou aceita, quem quer.

Acompanhada de uma foto, com as fuças ainda por lavar e o plantio capilar ainda desgrenhado, lá vem o comentário noticioso matinal: aiii! hoje acordei tão nervosa que nem consegui defecar. Será do sarampo, ou da feijoada de ontem?!

Uui! Que hoje também não preguei olho, porque o cão do vizinho, que anda com uma paixão assolapada pela minha cadela, tadinho!... não parou de uivar toda a noite.

Comentários (desabafos) destes, há aos montes!

Suponho que com expressiva e extasiante satisfação, aparece sempre quem retrate um prego no prato com um ovo-a-cavalo e batas fritas, uns carapaus de escabeche ou umas papas laberças e publique fotos dessas “iguarias”, com um epíteto de “bom apetite”, ensolarado por uma galhardia porosa (e pirosa), só para irritar a fome daqueles que no momento nada têm para manducar, meter inveja aos que não poderão fazer o mesmo, ou exibirem que “vivem à grande e à francesa” – muitas vezes só sabe Deus como!?

Se uma vez por outra, não sem antes andarem a queixar-se de que a vida está pela hora-da-morte, vão a uma marisqueira - ou arremedo a ela – batem logo umas fotos a meia dúzia de “iguarias” de viveiro – às naturais não lhe chegam – que, divididas pelos intervenientes, não vão além de uma pitada a cada um, onde consomem a maior parte do tempo a xuxar, a lambuzar-se e a derreter guardanapos de papel, salteando o momento  com umas tagarelices sem conteúdo consistente, que  nos intervalos vai sendo irrigada com uns copitos de cerveja ou uma zurrapa de branco fresco, para os de “bom gosto”, que têm preferência por uma vinhaça proveniente de videiras “ naturalmente alimentadas” com ácido carbónico; o frisante.

É popular também, o aparecimento de postagens de lorpas, que na hora exata declaram o sítio onde a famelga se encontra a veranear ou a dar corda às sapatilhas, para fazerem saber aos profissionais na subtracção dos bens alheios, que têm o carreiro desimpedido, podem entrar dentro das habitações e larapiar à vontade – depois queixam-se.

E então, sobre os aniversários, casamentos, baptizados e idade do cão ou a primeira palavra feia do papagaio, nem se fala!? Até as pombas arrulham! Chovem bátegas e trovoadas de “sinceras” parabenizações, a grande maioria declaradas, porque sim, e nada mais do que isso. Estes gestos ficam sempre bem a quem os despacha, e consolam quem os arrecada – aliviam de um lado e fazem inchar do outro. Nestes acontecimentos, se não fosse a precisa e atempada “lembradura” do Facebook, estou convencido de que quase ninguém se recordaria dessas e de outras efemérides, tão apreciadas pelos coleccionadores de emoções “robustas”, capazes de “comover” os espíritos mais fracotes.

Também é de elevado relevo a sapidez combalida pela falsa ostentação, que gravita na tineta dos marrecos do juízo, só para expor uma aparente cagança vocacionada a erguer cobiça a quem não pode, por não ter as mesmas possibilidades ou a sua humildade congénita não lhes aprova a prática de actos que possam atingir a franjas do caricato. E pior do que isso; para exibirem que são mais, do que a realidade implicitamente documenta.   

Neste cosmos de diversidade existencial, onde os buracos negros são compostos por aglomerados de pobres de espírito, o Facebook tem servido de céu de desabafos, purgatório de contrições, inferno de suplícios, alvalade de pelejas, ânfora de incertezas, estrumeira de insultos e universo de frugais lisonjas ou azedas críticas.

Também serve de cartilha de ensinamentos de “bom comportamento”, ministrados por “professores/as” de comportamento duvidoso, todavia, que se têm como distintos exemplares no que concerne à postura social, familiar e individual. Diz respeito àquelas que apreciavam que todo o mundo passasse por cima das suas “máculas” e visse nelas, (imaculadas, tá quieto ó Xico!), um exemplo de perfeição Divina a plagiar. Enfim, apanágio das convencidas!

Se tivermos paciência de Jó e perspicácia apurada para escoldrinhar nas manifestações grafadas que dão corpo aos comentários inseridos, podemos estudar, com laminar pormenor, as características que individualizam (muita gente, muita gentinha e muita gentalha), e até, caminhar nos labirintos do seu pensamento; sentir as suas convicções, os seus desagrados, a sua ira, a sua alegria, as suas desilusões, o seu estado de espírito, as suas pulsões, os seus caprichos e até os seus mais intrincados recalcamentos; inclusive, a fundura e a intensidade dos mesmos.

Coisa que muitos desconhecem; o Facebook, não é somente uma rede de comunicação virtualizada; é um “cordão” que estabelece a ligação entre a aparência e a realidade, sem se dar por isso. Esta “armadilha”, comporta um manancial de informações, que permitem trazer-nos à superfície da profunda transcendência, o conhecimento do mundo que nos rodeia.

É um confessionário físico-virtual onde a fraqueza e a firmeza se revelam; um campo de batalha, onde, em renhida luta, se enfrentam a ignorância e o saber, numa permanente tentativa de separar a verdade da dúvida; um limbo, onde são despejadas as incertezas e as derrotas em constrita penitência, até desponte uma causa que as justifique, releve e absolva.

Isto acontece porque uma grande maioria dos seres (in) pensantes (sem pensarem), vomitam toda a mistela que os perturba ou acarinha emocionalmente, julgando ter como única companhia a tela da sua “artilhada” rede electrónica; contudo, esquecem que o que expuserem nesse quadro luminescente, dá, de certeza, a volta ao mundo e o seu feedback não se fará esperar. E, como não podia deixar de ser, acompanhado dos respectivos corolários, que podem ser diversos, segundo a educação, a sensibilidade e erudição das canholas que os compreenderam – ou não.

As redes sociais como o facebook e semelhantes, a meu ver, são verdadeiras bíblias no que diz respeito aos ensinamentos e estudo do Comportamento Humano.

Pelo que tenho notado, contêm os aperfeiçoados tratados teóricos e práticos sobre esta tão complexa, e por vezes transcendente matéria. Isto não é mentira. Por isso… temos que ter muita cautela com os desabafos e/ou confissões que “vagabundeiam” em turbilhão na aragem privada da nossa emoção, e não só, porque a nossa exposição demasiadamente aberta ao mundo, tanto pode proporcionar-nos sublimes e agradáveis encómios, como sisudos e espinhosos dilemas.

 Será que me fiz entender?!

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 08/04/2021

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

 

 

 

sexta-feira, 2 de abril de 2021

EX-COMBATENTES DO ULTRAMAR

 

“A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem

e não se odeiam, matam-se entre si,

por decisão de velhos que se conhecem,

odeiam-se, mas não se matam.”

(Erich Hartmann)

 

 

EX-COMBATENTES DO ULTRAMAR

 


Já foi tempo em que a jactância da juvenilidade teve um peso assaz persistente sobre no dorso da minha maneira de sentir – como de tantos outros da minha idade. Com o andarilhar do tempo, a causticidade da vida trouxe à tona o conhecimento da realidade e a inevitável redução dos níveis de adrenalina e dopamina, que tiveram grande impacto na minha forma de reflectir, conferindo-me uma visão mais realista do aproveitamento que fizeram das minhas características físicas e intelectuais, ainda em estado de maturação.

Foi a época sazonal própria para a lavagem cerebral, onde a loucura e a sensatez se digladiavam por não terem uma medida calibrada. Não chegarem a mútuo consenso.

É lógico que agora, já bem calcetado com as pedras causticadas pelo conhecimento, a configuração de pensar, forçosamente, terá que diferente; objectivamente mais realista e mais ponderada. As copiosas chuvaradas do percurso transcorrido, limparam quase toda a saponária dos olhos, dando-me a oportunidade de ver com melhor clareza, quão grande foi a minha “inocente” burrice.

Visto assim e agora (que já é tarde), o que me importa ser possuidor de uma medalha ou um cartão de ex-Combatente do Ultramar?

Não contemplo razões para tanta polémica à volta de uma ilusão que em nada se traduz.

Fundamentalmente a nossa missão, (além de outras, como é inteligível), foi arriscar o nosso canastro para ganhar insígnias para outros; para aqueles que foram os embriões plantados brotados e vicejados na Academia.

Rapaziada… já tivemos o nosso valor, o nosso tempo; já fomos carne-p’ra-canhão; já conquistámos muitas medalhas que estão, com descabida vaidade, dependuradas no pau do “fumeiro”, daqueles que nunca deram um filho-da-puta de um tiro; nunca o fumo da pólvora lhes trepou pelas narinas; nunca cheiraram carne queimada, a não ser a frango-à-cafreal; nunca choraram de raiva; nunca dormiram com um ôlho aberto e outro fechado enquanto os ouvidos detectavam o quebrar do mais pequeno graveto sob as patas de alguma quizumba mais afoita na sua “digressão” noctívaga, em busca de carniça para nutrificar a sua prole; nunca tiveram necessidade de passarem-pelas-brasas em chão húmido e sem enxerga; nunca passaram pelo suplício de Tântalo; nuca comeram o pão que o Diabo amassou; nunca passaram por ciliciantes mínguas azêdas; tão azêdas, que nem vale a pena falar.

O seu principal papel foi sempre o de receberem agraciamentos, condecorações, numismas e subir de posição.

Companheiros, vós sabeis disso. Aliás, todos temos essa noção, que não é apenas percepção; é realidade.

Agora o que podemos esperar, se somos considerados como uma velha tralha, arrumada a um canto, neste mundo de sucata?

Não vejo razões para tanto burburinho; só serve para nos irritar e não vai levar a caminho algum.

As medalhas, os cartões e os louvores, não dão comida nem conferem estatuto, se forem colocadas a secar ao peito daqueles que realmente lutaram; ao peito daqueles que as conquistaram. Somente produzem efeito, quando o “terreno” é propício para a sua cultura e germinação; de resto, não tenham ilusões, porra! Façam uma trepanação o coloquem o cérebro ao léu.

Aqueles que ostentam todas essas benesses e que usufruem dos benefícios decorrentes dessas honrarias, ainda se riem de nós.

Lembrem-se de que os “heróis são eles”.

Tantas vezes tenho dito; “mandavam-nos pr’áli, somente com duas escolhas; ou matas e salvas o teu cabedal, ou morres e salvas o coirato do teu suposto “inimigo”. De uma forma ou de outra, isto é, vivo ou morto, defendes a Pátria.

É paradoxal, não é?! Mas a realidade é essa.

Meus “meninos”; numa guerra, não há escolha. A candeia de Diógenes não pode ser pendurada na ponta do cano de uma arma; não se pergunta ao “inimigo”, sem o conhecer de lado algum, se ele é amigo ou não; se optar por fazê-lo, jamais terá tempo para ouvir a resposta.

E agora, que a guerra já passou, não vejo o que possamos vir a lucrar com toda a algazarra que até agora tem sido feita? Algum elogio a título “póstumo” (para alguns), ás tantas, nem isso.

A única coisa que me revolta, é sermos evocados como ”vilões e criminosos” por um paupérrimo contador d‘estórias. Isso sim, chateia-me muito!

No entanto, ao que parece, o **Estado Português não desistiu de enviar mais alguns “vilões e criminosos” para aquelas bandas equatoriais onde o genocídio tem sido uma constante. Não contesto essa tomada de posição, todavia, não vou catalogar os que vão, de “vilões e criminosos”, como ousou fazer o português, “primo afastado” dos irmãos Grimm.

Muito gostava de ouvir agora, a opinião do tal “primo”, também, contador d’estórias, que não tem nenhuma noção do que é guerra. Talvez que, se tivesse provado do seu sabor, poderia não ter a sorte de estar cá para ‘storiar tais bosteiradas.

É tempo de pensarmos que nenhum de nós tem pretensões de chegar a general.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 02/04/2021

 

*Hiena em shimakonde.

 

**Excerto retirado do:

 JORNAL EXPRESSO

O Governo português vai enviar cerca de 60 militares para reforçar a ajuda na formação das forças especiais moçambicanas. A informação foi confirmada ao Expresso pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros esta segunda-feira, dias após o ataque à vila de Palma, no extremo norte de Moçambique, em que dezenas de pessoas morreram e um português ficou ferido.