sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

OS POLIDORES DE ESQUINAS

OS POLIDORES DE ESQUINAS
(RISÍVEL, CÁUSTICO MAS JOVIAL!?)


Os polidores de esquinas!... Proxenetas exploradores da mandriice por conta própria, e muitos deles, sanguessugas do nosso suor, por conta da protecção governamental.
Nesta análise não estão incluídos reformados, aposentados, desempregados compulsivos, decorrentes da miséria portucalense, ou inválidos por deficiência física ou psíquica.
Não!... Os polidores de esquinas são uma classe à parte onde os dias não têm horas e o tempo vai passando sem solavancos, no vazio de um débil marasmo.
Ainda que com o mesmo objectivo, o de não fazer a ponta de um corno, todos têm características diferenciadas.
Uma grande parte deles, dependurados numa beata de cigarro acesa onde a cinza tem o dobro do tamanho, encostados às paredes com os olhos a meia haste, meditando sem cérebro no vazio da preguiça, sua preocupação de sempre. De vez em quando lá mandam uma catarrótica tossidela para expulsar parte da nicotina e advertir quem passa, de que ainda estão vivos.
Há outros que depois de extenuados por um dia de trabalho sem fazer nada, levantam-se às onze ou duas da tarde, miram-se num caco de espelho sujo com algumas cagadelas de mosca, dependurado num ferrugento prego na parede da “latrina”, passam as costas das surradas manápulas pelos olhos, fazem uma mija, vestem uma T-shirt e umas calças de ganga que raramente vêm sabão, enfiam os cascos numas sapatilhas já puídas, besuntam a guedelha com um bocado de gel sem se pentearem, pois agora é moda, enfiam nos queixos um cigarrito que é adquirido com o rendimento mínimo garantido, que a Segurança Social na sua “Divina” bondade se encarrega de fornecer, e lá se dirigem à tasca do costume para encetarem o dia com um favaios, um porto, um bagaço ou mesmo um copo de zurrapa tinto. Aparecem os amigos da mesma laia e entabulam uma conversa “científica” de deitar fora. Entre os diálogos e as pausas, enquanto a barba por rapar vai crescendo mais, vão penetrando umas sardinhitas ou uns mal curtidos tremoços, e assim passa mais um dia, que culmina com um pifão dos diabos, para eles única prova evidente de que a terra roda e se não se segurarem às paredes estão sujeitos a dormirem numa valeta até que a “cabra” passe. Quando passa!? Porque alguns dão continuação.
Outros ainda, acordam a vagir, a contorcerem-se como verdadeiros praticantes de ioga, agarrados aos músculos e ao estômago, maldizendo a vida que por opção escolheram. Esses não chegaram sequer a despir-se. Espremidos pela ressaca do “pó” e da bebida, saem esbaforidos para garimparem algumas moedas num peditório disfarçado “arrumando” carros, ou até mesmo solicitando cinquenta cêntimos que lhe “faltam” para o bilhete de regresso a Lisboa, com o fim de custearem a próxima “batidela”, o próximo chuto, porque o “fornecedor” não fia. Quando o conseguem, safam-se sorrateiramente para um canto qualquer e com ansiosas ganas, enfiam a endovenosa a leste de qualquer desinfecção, seguido de um extasiado arregalar de olhos e um abafado suspiro de alívio, aaaaaaah!!! Já está. O trabalho do dia está feito. Mas se for necessário porque exista má índole ou premente necessidade, também irá trabalhar umas horas em part-time durante a noite. Há muitas montras para partir, muitas portas para arrombar, o policiamento é também muito incapacitado e a lei branda demais; mas estes têm que ser suportados porque alimentam muitos postos de trabalho, sendo por isso um mal necessário.
Mas não é surpresa para nós a proliferação de outros com qualidades diferentes; muito educados e muito limpinhos, que não têm nada a ver com o resto da cambada, só que nasceram com um espírito filosoficamente existencialista, onde o gosto pelo trabalho morreu à nascença, e vivem os dias com uma sabedoria biblicamente certa: “vede as aves do céu que não semeiam e têm sempre que comer”! Certo!... Só que Deus esqueceu-se de dizer que alguém semeava por elas.
O gosto pela ociosidade e pela despreocupação transformou-se num desgosto pelo trabalho, não deixando porém de se lamentarem da puta da vida, que os não ajuda. “Criam-lhes” uma chaticezita aqui, outra ali, mas a culpa é sempre dos outros. Isto é como nós acidentalmente darmos uma topada numa pedra e a culpa ser da pedra. Esses que estão no topo da fasquia, analogicamente em relação aos restantes, nem são carne nem são peixe; lá vão vivendo, com um lamento aqui, uma risada acolá, mesmo sem a garantia do rendimento mínimo garantido, com algum penoso sacrifício e a muito custo, lá vão arranjando para a bica ou a cervejita.Com uma resignação fora do comum, vão alegremente levando a cruz ao Calvário, o que, para quem não gosta de trabalhar, não por falta de força física mas por falta de força de vontade, já não é nada mau!
Resignação acima de tudo!


António Figueiredo e Silva



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A MOSCA

A MOSCA

- Onde fica um restaurante que me poderá servir um cozido à portuguesa? – Perguntei.
Chega ali à rotunda, sobe aquela rua de pedra, sempre, sempre, até começar a descer e lá no fundo existe um. Chama-se “X”.
Seguindo as indicações para lá me dirigi encontrando de facto um restaurante que pela aparência exterior me pareceu uma espelunca. Ficámos um pouco indecisos mas resolvemos entrar tendo o caso mudado de figura e o meu apetite aguçou de novo. Duas salas contíguas bastante grandes, decoradas rusticamente, tudo muito limpinho, uma grande cozinha asseada também, donde podíamos ver tudo o que nela faziam.
- Boa tarde, -diz o empregado simpaticamente. Temos cordeiro assado com batatinha no forno, vitela assada com arroz...
- Não diga mais. Vitela assada no forno se faz favor – disse eu.
Comecei por examinar os talheres, como é meu costume e encontrei um garfo com restos de comida agarrados. Nada mau – pensei. Discretamente chamei o empregado e solicitei-lhe que me trocasse o garfo em causa por outro, o que ele solicitamente fez.
Os minutos foram passando enquanto me ia entretendo a malhar nas entradas, até que chega a vitela – lombo por sinal - com boa aparência, bem apresentada e com soberbo cheirinho.
Com todo o cavalheirismo que me é peculiar quando estou bem-disposto, servi a minha mulher e a mim, dando de seguida, início ao exercício da mastigação com as glândulas salivares no seu máximo de produção. Tagarelando e comendo, lá íamos dando cabo do apetitoso lombo. Já havíamos passado de metade, quando a minha mulher me chama à atenção para a travessa das batatas.
Olha ali – diz baixinho.
Reparo e vejo um animal alado, de cor azul pavão, com repugnante aspecto, entalado nas apetitosas batatas. Uma mosca varejeira?! O pensamento começou a fervilhar e o estômago a fechar-se. Talvez este animal tivesse sido gerado nalgum cão raivoso ou gato mortos há dias; ou tivesse estado a pôr a sua criação vivípara nalguma ratazana já suculenta de podre. Formou-se uma invasão de pensamentos que me cortaram completamente o apetite provocado pela galga que dantes sentia. Mas donde raio teria vindo aquela mosca?... Se calhar foi fantasma de algum cagalhão mal assombrado, quem sabe.
Fiz sinal ao empregado para se aproximar e disse-lhe num sussurro:
- Por favor retire esta travessa daqui e verifique o que ela tem a enfeitar as batatas.
O homenzinho ficou para morrer mas manteve o silêncio aliado a uma expressão de vítima. Mas as coisas acontecem. Por mim eu perdoava, mas o meu estômago não.
Pedi a conta e paguei não antes de lhe segredar por entre os dentes, mas em tom de brincadeira:
- Não se aborreça com o que se passou e guarde a mosca para amanhã. Que nunca mais chegou, claro.
Puta que pariu a mosca. E neste país há tantas!... Não sei se por causa do cheiro a podre, ou da muita merda que cá por existe.

António Figueiredo e Silva