sexta-feira, 9 de abril de 2021

COISAS QUE NEM O DIABO SONHA


 “Há momentos na vida em que se deveria calar


e deixar que o silêncio falasse ao coração, pois

 há emoções que as palavras não sabem traduzir!”

(Jacques Prévert)

 

COISAS QUE NEM O DIABO SONHA!

 

Isto são factos que não lembram ao Diabo, mas, não é por isso que não deixam de integrar verdades; contudo, só “acredita” ou aceita, quem quer.

Acompanhada de uma foto, com as fuças ainda por lavar e o plantio capilar ainda desgrenhado, lá vem o comentário noticioso matinal: aiii! hoje acordei tão nervosa que nem consegui defecar. Será do sarampo, ou da feijoada de ontem?!

Uui! Que hoje também não preguei olho, porque o cão do vizinho, que anda com uma paixão assolapada pela minha cadela, tadinho!... não parou de uivar toda a noite.

Comentários (desabafos) destes, há aos montes!

Suponho que com expressiva e extasiante satisfação, aparece sempre quem retrate um prego no prato com um ovo-a-cavalo e batas fritas, uns carapaus de escabeche ou umas papas laberças e publique fotos dessas “iguarias”, com um epíteto de “bom apetite”, ensolarado por uma galhardia porosa (e pirosa), só para irritar a fome daqueles que no momento nada têm para manducar, meter inveja aos que não poderão fazer o mesmo, ou exibirem que “vivem à grande e à francesa” – muitas vezes só sabe Deus como!?

Se uma vez por outra, não sem antes andarem a queixar-se de que a vida está pela hora-da-morte, vão a uma marisqueira - ou arremedo a ela – batem logo umas fotos a meia dúzia de “iguarias” de viveiro – às naturais não lhe chegam – que, divididas pelos intervenientes, não vão além de uma pitada a cada um, onde consomem a maior parte do tempo a xuxar, a lambuzar-se e a derreter guardanapos de papel, salteando o momento  com umas tagarelices sem conteúdo consistente, que  nos intervalos vai sendo irrigada com uns copitos de cerveja ou uma zurrapa de branco fresco, para os de “bom gosto”, que têm preferência por uma vinhaça proveniente de videiras “ naturalmente alimentadas” com ácido carbónico; o frisante.

É popular também, o aparecimento de postagens de lorpas, que na hora exata declaram o sítio onde a famelga se encontra a veranear ou a dar corda às sapatilhas, para fazerem saber aos profissionais na subtracção dos bens alheios, que têm o carreiro desimpedido, podem entrar dentro das habitações e larapiar à vontade – depois queixam-se.

E então, sobre os aniversários, casamentos, baptizados e idade do cão ou a primeira palavra feia do papagaio, nem se fala!? Até as pombas arrulham! Chovem bátegas e trovoadas de “sinceras” parabenizações, a grande maioria declaradas, porque sim, e nada mais do que isso. Estes gestos ficam sempre bem a quem os despacha, e consolam quem os arrecada – aliviam de um lado e fazem inchar do outro. Nestes acontecimentos, se não fosse a precisa e atempada “lembradura” do Facebook, estou convencido de que quase ninguém se recordaria dessas e de outras efemérides, tão apreciadas pelos coleccionadores de emoções “robustas”, capazes de “comover” os espíritos mais fracotes.

Também é de elevado relevo a sapidez combalida pela falsa ostentação, que gravita na tineta dos marrecos do juízo, só para expor uma aparente cagança vocacionada a erguer cobiça a quem não pode, por não ter as mesmas possibilidades ou a sua humildade congénita não lhes aprova a prática de actos que possam atingir a franjas do caricato. E pior do que isso; para exibirem que são mais, do que a realidade implicitamente documenta.   

Neste cosmos de diversidade existencial, onde os buracos negros são compostos por aglomerados de pobres de espírito, o Facebook tem servido de céu de desabafos, purgatório de contrições, inferno de suplícios, alvalade de pelejas, ânfora de incertezas, estrumeira de insultos e universo de frugais lisonjas ou azedas críticas.

Também serve de cartilha de ensinamentos de “bom comportamento”, ministrados por “professores/as” de comportamento duvidoso, todavia, que se têm como distintos exemplares no que concerne à postura social, familiar e individual. Diz respeito àquelas que apreciavam que todo o mundo passasse por cima das suas “máculas” e visse nelas, (imaculadas, tá quieto ó Xico!), um exemplo de perfeição Divina a plagiar. Enfim, apanágio das convencidas!

Se tivermos paciência de Jó e perspicácia apurada para escoldrinhar nas manifestações grafadas que dão corpo aos comentários inseridos, podemos estudar, com laminar pormenor, as características que individualizam (muita gente, muita gentinha e muita gentalha), e até, caminhar nos labirintos do seu pensamento; sentir as suas convicções, os seus desagrados, a sua ira, a sua alegria, as suas desilusões, o seu estado de espírito, as suas pulsões, os seus caprichos e até os seus mais intrincados recalcamentos; inclusive, a fundura e a intensidade dos mesmos.

Coisa que muitos desconhecem; o Facebook, não é somente uma rede de comunicação virtualizada; é um “cordão” que estabelece a ligação entre a aparência e a realidade, sem se dar por isso. Esta “armadilha”, comporta um manancial de informações, que permitem trazer-nos à superfície da profunda transcendência, o conhecimento do mundo que nos rodeia.

É um confessionário físico-virtual onde a fraqueza e a firmeza se revelam; um campo de batalha, onde, em renhida luta, se enfrentam a ignorância e o saber, numa permanente tentativa de separar a verdade da dúvida; um limbo, onde são despejadas as incertezas e as derrotas em constrita penitência, até desponte uma causa que as justifique, releve e absolva.

Isto acontece porque uma grande maioria dos seres (in) pensantes (sem pensarem), vomitam toda a mistela que os perturba ou acarinha emocionalmente, julgando ter como única companhia a tela da sua “artilhada” rede electrónica; contudo, esquecem que o que expuserem nesse quadro luminescente, dá, de certeza, a volta ao mundo e o seu feedback não se fará esperar. E, como não podia deixar de ser, acompanhado dos respectivos corolários, que podem ser diversos, segundo a educação, a sensibilidade e erudição das canholas que os compreenderam – ou não.

As redes sociais como o facebook e semelhantes, a meu ver, são verdadeiras bíblias no que diz respeito aos ensinamentos e estudo do Comportamento Humano.

Pelo que tenho notado, contêm os aperfeiçoados tratados teóricos e práticos sobre esta tão complexa, e por vezes transcendente matéria. Isto não é mentira. Por isso… temos que ter muita cautela com os desabafos e/ou confissões que “vagabundeiam” em turbilhão na aragem privada da nossa emoção, e não só, porque a nossa exposição demasiadamente aberta ao mundo, tanto pode proporcionar-nos sublimes e agradáveis encómios, como sisudos e espinhosos dilemas.

 Será que me fiz entender?!

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 08/04/2021

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

 

 

 

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