sábado, 28 de maio de 2022

A VELHICE

 

Não corro como corria

Nem salto como saltava

Mas vejo mais do que via

E sonho mais do que sonhava.

(Agostinho da Silva)

 

A VELHICE

 


    Esta ode, criação de Agostinho da Silva, é um cântico iluminado à realidade! Uma verdade transitória que todos temos de aceitar sem impugnar. É um acontecimento temporário que, à medida que o vigor se esvai, a fantasia apropria-se de nós e medra desmesuradamente, conduzindo-nos a uma reflecção compulsiva (se soubesse o que sei hoje, muitas coisas eu teria feito de maneira diferente). Pois é!? As lições de vida que adquirimos à custa dos nossos erros ou descuidos, ficaram tão caras que nos balizaram a memoração.

Que é bom chegar a velho, não o nego. A complexidade reside em sê-lo e aceitá-lo, coisa que não é simples; porque surge toda a espécie de “achaques” que debilitam as nossas capacidades físicas e emocionais. Como se não nos bastasse o estado crítico imposto pela velhice, ainda surge uma casta d’animais” de consciência rasa, com o um apurado farejar direccionado ao flanco material; caçadores de níqueis, vigaristas pouco ou nada escrupulosos, (como todos são), “sanguessugas”, parasitas, ácaros, oportunistas e outra animalada mais manhosa, pertencente ao nosso zoo aristocrático, que  tentam aproveitar-se das características dessa debilidade para obtenção “menos lícita” em proveito próprio, com vista a um enriquecimento rápido que nunca levarão consigo.

A vitalidade, quando atinge o Solstício de Inverno, começa a murchar; as “molas” das articulações dos membros, deixam de galgar porque pasmaram; as juntas, por falta de untadura, que foi substituída por artroses, dão origem a resignados gemidos, sinal de reclamação por repouso; cabriolar foi coisa de novo, que o tempo aos poucos se encarregou de fazer desaparecer; a mouquice e a visão também não ficaram impunes à implacável erosão do temporal.

Mas nem tudo é mau!?

É prática da Natureza dar uma “recompensa” para as carências, quando não se esquece de o fazer ou o estado lastimável da cachimónia esteja tão agudizado, que não tenha capacidade para receber essa Divina dádiva. Aqui não há nada a fazer a não ser esperar sentado ou acamado, em silêncio absoluto, a “dormitar” ou de boca aberta, covil de moscas outros insectos voadores, a olhar para um ponto imaginário situado no infinito, à espera do embarque para esse lugar distante.

No entanto, se o tino estiver afinado, estamos aptos a receber a dita recompensa, com a “ampliação” das lentes da sensibilidade, da intuição e do saber, que são o conjunto de virtudes que a Natureza refinou ao longo do tempo para nos oferecer, quando se apercebe de que elas já quase não nos fazem falta. É certo passamos a ver a uma distância maior e com mais amplitude, mas de pouco ou nada nos vai servir, porque já não temos forças para agarrar o passado situado no infindável horizonte; ele escorrega-nos das mãos trémulas e mal agasalhadas por uma pele encarquilhada; os tolos não aceitam nem acreditam nas nossas lições e presságios. Como os tolos não gostam, e até depreciam as lecçionações idosas, a melhor lição a dar-lhes é deixar que o “barrote” lhes caia a riba do capacete, para chocalhar-lhes os miolos e avivar-lhes o tino.

Depois, enquanto eles arranham a moleirinha, polida ou cabeluda, piolhosa ou sebenta, nós, embalados por uma letargia indescritível, sonhamos, como porcos no verão à sombra da azinheira. Idealizamos muito mais do que realmente sonhávamos há muitos anos volvidos, porque nessa altura não tínhamos tempo para isso; era comido pelo trabalho e pela preocupação; agora temos tempo para tudo, até que o revisor apareça – mas já não vale a pena lacrimejar sobre o leite derramando.

É verdade que Deus é pródigo ao escancarar as portas de intuição e do saber à velhice; mas o certo é que não evita que iremos findar com a sabedoria extorquida. Paradoxal, não é?!

Quer concordemos quer não, esta é a verdade Universal da Vida, com a qual temos de compactuar, mesmo que melancolia se nos atravesse na fronte. Não temos outro remédio senão seguir em frente – para baixo. 

Por isso, àqueles que o podem receber, dou este conselho: gozem (os mais “sortudos”), os bons momentos enquanto podem, que depois ainda terão tempo de sobra para se debaterem com os maus instantes; porque eles, pela sorrelfa, surgem espontaneamente e em matilha, para vos dar cabo do canastro e da paciência que ainda vos possa restar.

Saibam envelhecer com contentamento e resignação, mesmo que estes atributos sejam aparentes, mas… tomem atenção a este mas: quando na célere passagem pela vossa juventude, honrem e enalteçam a velhice; se tiverdes sorte, ela será a última manta de retalhos que amanhã vos irá "agasalhar".

Agostinho da Silva tinha razão.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 26/05/2022

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

 

 

 

sexta-feira, 20 de maio de 2022

ÉTICA E DEONTOLOGIA

 

A consciência é o melhor livro de moral,

 e o que menos se consulta.

(Blaise Pascal)

 

ÉTICA E DEONTOLOGIA

(“Palha sêca”)

 

É natural que eu, de quando em vez, use de maneiras pouco agradáveis ou menos cavalheirescas nos meus escritos, mas o fingimento sempre foi uma condicionante que nunca se deu bem com o meu “mau feito”. Esta minha insolência nata, dedicada a atirar cá para fora o que sinto no âmago do meu ser, por vezes tem-me acarretado alguns dissabores que depois a verdade se tem encarregado de os fazer abortar e dissolver, antes que de atingirem a madureza completa. Quanto a isso, a minha sina me tem protegido.

Então, cá vou eu presentear aqueles, cuja assimetria mental fez deles escórias solene e legalmente “certificadas”, que vão gravitando entrosadas, conquanto que “embuçadas”, no meio social, onde por deferência indevida, lhes é prestada vassalagem insonsa, sem merecimento algum, que na sua pobreza de espírito os faz inchar o peito de empáfia apodrecida e interiorizar uma relevância que sabem não possuir. São os cábulas, os incompetentes, os “iletrados”, os convencidos e todos os falsos juradores, apostados na defesa da honra e do prestígio, no restabelecimento do corpo e do espírito, que, de um modo ou de outro, pouco ou nada fazem para a protecção desses mesmos valores. Pertencem à cambada tida como concernente à “fina flor” (murcha) social, e catalogados em cáusticos, porém reservados murmúrios, como sendo as “pérolas” artificiais do nosso tempo.

Ora bem.

 À aliança concebida sob o halo luminoso da razão, da lógica e da moral (Ética), chama-se Deontologia. Não mais representa do que o saber cumprir uma missão para a qual nos propomos ou dela fomos incumbidos, com competência, dedicação e humanismo, tendo sempre em mente, o bem-estar do ser humano, como humano, em toda a sua pluralidade, e não como animal irracional ou como desprezível farrapo. Não, não é ficção; é do conhecimento geral, que isto acontece.

Até parece simples!… mas se calhar, não é!? E não é, porque espalhados por este mundo fora, lamentavelmente existem marmanjos, crápulas e filhos-da-mãe, que para satisfação dos seus desejos pessoais, sacodem sem contemplação alguma, os cânones dimanados desta filosofia tão actual, que é a Deontologia. Utilizam-na preferencialmente para se protegerem entre si (grupo), escondendo deliberada e hipocritamente os defeitos existentes nos seus congéneres de profissão, não comentando, nem aceitando, ou simplesmente encolhendo os ombros, quando surgem comentários de quem quer que seja, sempre que estes desfraldem o estandarte de uma erudição esfiapada e rafeira da incompetência, da prepotência ou da inabilidade. Logo, todos têm de ser bons em tudo. É errado. Contudo, foi nesse engano - propositado - que se tornou mais comum o recurso da Deontologia, como a forma mais pretensiosa e nociva, porém enganadora, de manter determinadas camadas pertencentes à “távola da doutorice”, como elementos de pureza e de saber inquestionáveis, mesmo que essas virtudes neles não hajam frutificado.

Não será por certo mentira, que, “burros”, “camelos” e incapacitados, existem em todas as camadas sociais; não obstante os seus confirmados absurdos, serão sempre considerados como inteligentes, capazes e judiciosos, perante os da sua classe, consoante o grupo de que fazem parte. É o mau uso da Deontologia. transformou-se numa “norma” anormal, normalizada; conquanto que, as coisas não funcionem bem dessa forma.

Ora isto, não tem nada a ver com os propósitos deontológicos, mas com parvoíces defeituosamente aplicadas, para proteger interesses comuns, no sentido de garantir uma paridade que não existe, no profissionalismo entre colegas da mesma esfera "intelectualizada", por uma questão de dissimulada subtileza e egocentrismo, e não porque isso configure uma realidade.

Se bem que a Deontologia seja um ramo filosófico da Ética, espontânea ou propositadamente, há quem confunda uma com a outra ~ é de notar que não possuem significações equipolentes.

É que existe uma distinção entre Ética e Deontologia. Enquanto que a primeira é do domínio filosófico, a segunda, se bem que, provinda dessa doutrina, já se referencia a um tratado, um convénio, um compromisso. Assim, uma obrigação. E mais do que isso, um dever.

O objectivo da Ética é a capacidade para ajuizar e saber diferenciar o que é benigno do que é prejudicial, por forma a manter uma conduta perfeita perante a sociedade e o mundo.

A Deontologia, já observa uma seriação de obrigações e princípios normativos, consignados, ajustados e aceites, por uma agremiação profissional distinta.

Uma coisa não é a outra. A Deontologia não deve servir de manta para agasalhar defeitos; contudo, para gerar virtudes. Quando não é entendida como tal, o “ser humano” imbecilizado, que se considera “superior”, tende por tratar o seu congénere, que observa como inferior, “abaixo de cão” – como é usual dizer-se.

Fiz-me compreender? Penso que sim.

Este é o meu “modesto e humilde” contributo, para chamar à atenção de que só através do uso indissociável da ponderação e da sensatez na utilização dos princípios Ético-deontológicos, pode resultar uma sublimada satisfação no seio da comunidade em que todos vivemos. Mas não deixo de não realçar que estes predicados são características, exclusivamente, de mioleiras inteligentes.   

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 20/05/2022

    http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Nota:

Faço por não usar o AO90