quinta-feira, 25 de maio de 2017

VATICÍNIO

VATICÍNIO


Fins do século XXII. Se o ser vivente ainda não tiver desaparecido, as pessoas passarão umas pelas outras num apressado corrupio quase nem se apercebendo da existência do seu semelhante. Com a face esquálida marcada por uma expressão de introvertida ânsia e semblante doentio, dirigem-se aos seus postos de trabalho transportando uma pequena mochila, e acondicionada no seu interior levam a bucha, que não passa de uma comida de “plástico”, selada num saco também comestível ou bio-degradável, pois nessa altura já pouco haverá que possa ser degradado. Os mais pobres, esses levarão apenas uma caixinha com meia dúzia de pírulas para diluir a larica enquanto estão a ser sugados pelo trabalho, que nessa altura será privilégio dos afortunados, fazendo só uma “refeição” diária.
As pessoas já farão parte não da sombra, mas de uma penumbra que o sol a todo o custo tenta projectar através da atmosfera poluída, consequente da herança do actual progresso e da sua ilimitada aceleração.
Indústrias de transformação de lixo farão uma massiva publicidade à “boa” qualidade da sua comida. Depois de transformado, tudo serve para que o ser humano não sucumba por inanição.
Esses cães vadios e eczematosos, cheios de pulgas e carrapatos, que vagueiam pelas ruas e becos das nossas cidades e aldeias, vão desaparecer misteriosamente nos estômagos de muita gente.
Serão necessárias licenças para a caça aos ratos de esgoto, não por constituírem uma peste, mas porque de cabidela ou grelhados na brasa, se ainda houver madeira para queimar, serão uma iguaria para muitos famintos.
Os pedintes, que lamentavelmente nunca deixarão de existir, farão o controlo das suas áreas de pedinchice através de telemóveis com surround e fotografia tridimensional, que serão oferecidos na aquisição de uma barra de sabão.
Os homens serão landinhos e frágeis, as mulheres fortes, peludas e com alicerces de grandes bigodaças, que às escondidas vão rapando, mantendo sempre o perfil bonito do seu busto, através de compostos de silicone, que mais do que hoje, será o pão-nosso de cada dia.
As estações do ano mal se farão sentir, o planeta visto do espaço será cinzento azulado, onde as flores mal desabrocham; os frutos serão raquíticos e desprovidos de doçura porque os raios solares que lhes chegam são em pequena quantidade.
Os únicos animais que irão progredir nesse clima serão os insectos, donde o homem irá tirar todas as proteínas necessárias à sua sobrevivência.
Não se verão estrelas no firmamento e o reflexo da lua deixa de penetrar nas nossas retinas. 
Os seres humanos não terão nome, serão identificados pela emanação magnética de um chip que à nascença lhes é colocado no antebraço direito, onde está armazenado um número na sua memória. Actualmente já é quase assim. Através da acelerada informatização do sistema financeiro, em que o número de contribuinte é um importante factor, qualquer dia o governo saberá quantos metros de papel higiénico são gastos não per capita mas per ânus, podendo deste modo sancionar os que abusam dos movimentos peristálticos intestinais, obtendo desta forma um melhor controlo nos gastos dos cidadãos, não se coibindo castigá-los; não poupam?! Não há futebol, fado, telenovelas, nem revistas Maria para os mais intelectualizados.     
Roupas finas, só cobrirão o pêlo dos ricos e abastados. A plebe, comprará nos supermercados, em promoção, como é óbvio, pacotes com roupas descartáveis fabricadas à base de papel reciclado a imitar pano, que usa e deita fora.
Não haverá respeito por ninguém e a lei do mais forte é a que prevalecerá. Os mentecaptos e os inimputáveis aumentarão em proporção ao consumo de novas drogas piores do que a heroína e a cocaína.
Muitos filhos irão ter muitos pais, sem nunca saberem qual é o verdadeiro, - já hoje acontece - e o mundo continua de mal a pior.
Nessa época já deverá ser aplicada a lei da eutanásia, não por vontade própria, mas por vontade daqueles que se querem ver livres de alguém. Haverá uma selecção não natural, mas propositada. Só por isto, deficientes, mal-formados, incapacitados e improdutivos, pura e simplesmente desaparecerão, com a finalidade de diminuir os trinca-palha, porque a comida além de ser de má qualidade, é pouca e tornar-se-á imperativo contornar a situação. Certamente que à terceira idade também será dado um empurrãozinho. Já cumpriu a sua missão!...
Quem pensou no Cataclismo não era tolo de todo!

António Figueiredo e Silva
Coimbra



quarta-feira, 17 de maio de 2017

VENDE-SE A "TIRA"

Exmo. Sr. Primeiro-ministro António Costa.
Esta abébia já foi escrita e publicada em 2007, porém, como à época o então Sr. Primeiro-ministro José Sócrates não passou cartuxo à minha sugestão, passados dez anos e porque ainda estou vivo, faço questão em repetir a dose, crente de que Vexa. algo fará para dar algum refrigério ao povo português, já estafado de tanto padecimento, ao que parece, motivado pelo terrífico vírus da má gestão.

VENDE-SE A “TIRA”
(SUGESTÃO AO PRIMEIRO MINISTRO)

Não alvitro a Vexa. um trespasse, porque a economia está tão rastejante que ninguém vai pegar a isca. Haveria ainda a ponderar sobre uma cedência à exploração, mas não vale a pena falar sobre isso, porque tudo me leva a crer que esse sistema já se encontra cá mais ou menos instalado e com gavinhas bem entrelaçadas. Analisando bem as coisas, Sr. Primeiro-ministro, resta apenas, em minha apreciação, a venda do imóvel, que apesar da crise com grande evidência ser esquelética e por quase todos reconhecida, sempre vale alguma coisita mesmo que seja ao desbarato e se a Comissão Europeia autorizar. Digo isto porque nós já fomos independentes e “orgulhosamente sós”. É sempre bom recordar! É que quem não se lembra do passado, está sujeito a voltar ao ponto de partida. Até sou capaz de não estar muito enganado!
Poderá contudo, V. Excelência imaginar:
- Porra!... Qu'este gajo é mesmo um imbecil e um tapado!!! Até serei, quem sabe?!
Porém, se analisar com frieza e imparcialidade o que está a suceder à vivência da maioria dos portugueses, acabará por reconhecer que não sou tanto aquilo que possa ter pensado, se é que pensou mesmo.
No que respeita ao imóvel a mercadejar, a “tira” é bastante comprida e bem atapetada por uma abundância arenosa numa das suas bordas. No Estio, essa orla marítima possibilita àqueles que não vão para “Bebe-e-Dorme” ou outro lado qualquer, um descanso mal merecido por um trabalho pouco produtivo e malfeito, que de papo para o ar e de olhos e mente cerrados contemplando o azul do céu, siderem o maior órgão do seu canastro, com grande incidência nos seus sacos testiculares ou na sua tez mamária, amulatando-o em psicótica e perigosa imodéstia, ruminando numa calma aparente o peso das dívidas ao merceeiro, ao leiteiro, ao stand e à loja de cremes e lingeries, que no fim das férias terão de solver, custe o que custar - queira saber V. Exa. que agora já é uso hipotecarem-se os salários aos bancos muito antes de serem recebidos - só faltava que a Natureza lhes achatasse o nariz e lhes alargasse as narinas de modo a poderem embutir o dedo indicador, se não forem manetas, permitindo-lhe mudar de ideias manualmente, porque o “automatismo” intelectivo há muito tempo que deixou de funcionar convenientemente.
A “tira”, por azar do destino, é de largura reduzida e não tem por onde se estique; no seu interior e p’rás bordas de lá, é uma manta de retalhos mal remendada e escanzelada pelo desmazelo, onde há populações que enquanto ganham rugas no cérebro e na face, “resignadamente” se vão desenrascando, graças à força de coesão da boa vizinhança, que resulta numa entreajuda que não é usual nos grandes centros urbanos.
Dentro dos limites da mesma “tira”, estão a passar-se uma sucessão de acontecimentos que pela sua gravidade e aceleração, colocam a maioria das populações numa situação de permanente insegurança e incredulidade, que lhes inferniza o espírito e lhes castra a vontade de dormir descansadas.
    A criminalidade aumenta, à medida que a autoridade policial diminui; o crescimento desmesurado de parasitas e malandros são também uma chaga bem visível do nosso tempo, porque para esses há subsídios para tudo.
Encerram maternidades, urgências, postos de saúde e escolas; das grandes, médias e pequenas indústrias, umas diluem-se por má gestão e consequente falência, outras levantam ferro desta “tira”, zarpam e vão pastar para outra banda onde possam existir melhores condições de segurança económica, mão-de-obra mais barata e tranquilidade legislativa; em consequência deste conjunto de situações, o desemprego é notoriamente crescente.
 Diminuem as comparticipações no sector da saúde; aumentam os impostos e as taxas moderadoras; aperta-se o arrocho através dos braços musculosos e benevolentes dos elementos do fisco, facto que provavelmente não se aplica a todos com absoluta imparcialidade. Tudo isto, na miragem de um restabelecimento da economia, que cada vez está mais deficitária e igualmente longínqua.
Por isso, uma grande maioria se interroga: o que será que o futuro reserva, já não digo para nós, mas para os nossos filhos, netos, etc.?...
É por toda esta “trovoada” de acontecimentos que tem vindo a conturbar os ânimos de todos nós, que eu, Sr. Primeiro-ministro António Costa, venho sugerir a V. Exa., no mais fino, respeitável e requintado trato de que é merecedor, (?) que proponha aos Parlamentares a venda desta “tira”, que mesmo com todos os buracos que a minam e deformam, há sempre a possibilidade de aparecer um lorpa que lhe pegue e talvez nos governe melhor - não quero com isto dizer que V. Exa. tenha vindo a governar mal, mas talvez não o suficiente - ainda temos na cilha mais alguns furitos para apertar!
Para tal efeito penso ser condição essencial colocar nas fronteiras, que apesar de não existirem ainda subsistem marcas geológicas que atestam a sua demarcação, umas dúzias de tituleiros brancos, com as palavras nitidamente gravadas a preto: VENDE-SE A “TIRA”. E por baixo, em pequenos caracteres, como quem não quer a coisa: por motivo de saúde – sem dizer a causa da maleita, claro.
Com esta dica, que é dada de boa vontade, pode suceder que um dia V. Exa. se lembre de me nomear conselheiro de Estado ou por generosidade democrática, me ofereça uma penitênciazinha de clausura.
Com tanta coisa que já vi, sei lá?!


António de Figueiredo e Silva
Coimbra, 26/04/2007