quinta-feira, 22 de abril de 2021

DETA (Linhas Aéreas de Moçambique)

DETA

(Linhas Aéreas de Moçambique)

 


Tenho a certeza de que, quando os “filmes de longa metragem” gravados num passado já distante começam a projectar a sua virtualidade na tela real do nosso pensamento, temos que legitimar que é sinónimo de velhice. Mesmo admitindo que é impossível, alimentamos a ânsia de querer agarrar o passado com ambas as mãos, movidas pelas derradeiras e débeis forças que, a muito custo, ainda subsistem e nos estimulam a réstia de esperança que ainda em nós flameja.

Hoje deu-me na pachorra escrever algo sobre a empresa onde dei por bem empregue os anos que por lá passei a “conquistar” os meios materiais que na altura permitiram a minha subsistência.

Vou divagar sobre DETA (Direcção de Exploração dos Transportes Aéreos), Linhas Aéreas de Moçambique, onde obtive o meu primeiro emprego após ter saído da Força Aérea Portuguesa, a minha primeira e grande escola, que ainda hoje recordo com saudade, porque foi lá que aprendi o “abecedário aeronáutico e alguma escrita” que me permitiram singrar nesta empresa, até ter que zarpar para um país vizinho.

Até hoje, nunca mais pus os pés naquela terra, naquele aeroporto, naqueles hangares; nunca mais toquei em nenhuma daquelas aeronaves, às quais a minha cabeça tanta mioleira dedicou, para no fim, servir de repasto ao olvido.

Um esquecimento compulsivo do qual ainda tenho marcas remanescentes, que, em noites de maior vigília, povoam o meu onirismo e fazem germinar muitas lembranças em forma de peroladas gotas de emoção.

Aprendi e apreendi muito naquela empresa; aproveitei bem os cursos e recursos com que ela me subsidiou, mas sempre pugnei para que as chefias nunca se houvessem arrependido pelas oportunidades que, passo a passo, me iam concedendo. Fiz tudo por isso e consegui-o. Por onde passei, não deixei má imagem da DETA

 Foi naquela companhia, que, com vinte e nove anos já detinha as Licenças Aeronáuticas, sob o nº 129, (“toucinho” que muitos queriam poder rilhar, ficando-lhes apenas o apetite temperado pela fantasia, com sabor a inaptidão – suponho), “licenciado” em Fokker F27 Friendship, e Boeing 737, a máquina voadora mais recente e mais sofisticada da DETA; para quem conhece, sabe que foi uma obra prima dedicada à aviação comercial.

Foi subsidiado pela DETA que me desloquei a Salisbury (Rodésia), a fim de frequentar um treino no, na altura velho, Boeing 720; foi a DETA que me enviou à TAP, para conseguir o Curso do Boeing 707, que consegui, sem deixar mal vistas as chefias que em mim haviam confiado, como o Eng. Rebelo e o Eng. Carmelo (óptimas pessoas).

A provar a sua confiança, optaram por me “expedir” novamente à TAP, com o objectivo de adquirir o Curso do Boeing 747 - Jumbo, que à época eu considerei a “besta” aeronáutica para transporte de passageiros. Com muito estudo e algumas dores de cabeça, mais uma vez consegui obter a qualificação, que não ousou encavacar aqueles que em mim depositaram a seu crédito. Se ainda existirem, quero que saibam que nunca os arrumei a um canto, nas poeirentas prateleiras do esquecimento.

Como tantos outros, baptizado com “pomposo” título de Técnico de Manutenção de Aviões, por ali fui ambulando entre os hangares e a gare do aeroporto Gago Coutinho; ora executando inspeccões às aeronaves da companhia, ora prestando assistência ao avião Boeing 720, da Air Rodesia ou aos aviões da TAP, nos quais era cursado.

Foi a DETA que me forneceu um Passaporte Oficial para todos os países com quem Portugal mantinha relações diplomáticas. Que eu saiba, de todos os Técnicos de Manutenção, era eu o único que possuía essa “benesse”; isto porque, por vezes surgia a necessidade de verificação e ajustamento de determinados componentes dos reactores que equipavam os Boeings 737, cujos instrumentos de análise e ferramentas específicas, para verificação e consequentes ajustes pretendidos, nós não possuíamos; tornando-se por isso, imperativo, recorrer aos “laboratórios” da South African Airways – e não havia tempo para desperdiçar com as entidades policiais ou aduaneiras.

A título de apêndice: uma das vezes que para lá nos deslocámos – ainda me recordo bem – no regresso, eram cerca das 22:45 da noite, o aeroporto estava a “dormir” sob a meiguice do calor tropical! A torre de controlo, aos mosquitos e a iluminação da pista de aterragem extinta. Os pilotos tiveram que andar por ali às voltas até que, o já falecido Adelino Martins, (na altura Chefe de Inpecções), que mora ali pertinho, deu conta de que o avião andava por ali a “pastar” na “cálida” atmosfera africana e de imediato alertou todos os sectores necessários para a aterragem – parece galga, mas foi verdade.

Continuando:

  Já estava a “voar alto” quando, passado algum tempo e após infernal burburinho, a determinada altura ouvi, através de uma emissão da estação Rádio Club de Moçambique, as palavras que iriam modificar o meu azimute e na vida (e na vida  de muitos mais), e rumar para o país vizinho, África do Sul, para safar a minha pele e a dos meus, após o pouco “glorioso” o sete de Setembro – o tempo assim o provou; palavras essas, que ainda trovejam dentro de mim aficam em alimentar uma aura de revolta, mas, ao mesmo tempo, fazem abrolhar a saudade! *“Galo, galo, amanheceu”; galo, galo, amanheceu”.

Por aquela nação, (também agora economicamente enfraquecida e insegura, continuei cerca de dois anos integrado no sector da aeronáutica, onde ao fim de um ano fui promovido a assistente chefe de equipa.

Passado mais um ano, por causa da promulgação de uma nova lei, “cheirou-me” que algo de bom não iria acontecer (como se pode actualmente se constatar), regressei ao meu país e jurei que nunca mais sairia de Portugal.

Apesar de algumas oportunidades que me surgiram devido à minha ficha curricular, abdiquei de todas. Só valoriza a cidadania, quem já viveu noutro país.

 Mas, movido por inveterado vício aeronáutico e com o bichinho a morder-me o miolo, sem saber da poda, enveredei por ser “aviador” de balcão, sem carecer de qualquer cursozeco preliminar; eu como comissário e a minha esposa como assistente de bordo. Fácil!? Em vez de repetirmos a cerimoniosa e protocolar pergunta, “chá, café ou laranjada”, acrescentávamos ainda, “uma cerveja, um bolinho ou uma bifana?!” Tomei de trespasse um café. O café mais velho de Coimbra (tem a minha idade; setenta e sete verões e ainda está a bulir como eu), do qual guardo memórias de tempos passados nesta bela cidade de Coimbra, terra abençoada, onde formei as minhas filhas e que considero a minha segunda terra de “nascença”.

Apesar de tudo, fiquei sempre muito grato à DETA - Linhas aéreas de Moçambique, porque considero que foi aquela companhia que realmente me abriu as portas para o meu ganha-pão e me proporcionou as várias defesas de tese para o meu “Mestrado” em técnica da aviação, para a qual é indispensável, dedicação, estudo, senso de responsabilidade e perícia neuronal, para resolução dos problemas no imediato.

Seja qual for a espacialidade de um técnico (que se preze) em máquinas voadoras, ele continua a estudar pela vida fora; a evolução da tecnologia a isso o obriga. Não se faz um mecânico de aviação, com um treino de trinta horas, para depois continuar a “voar eternamente” na mesma atonia. Não. Diariamente se depara com problemas diferenciados que ele tem de resolver com a maior brevidade e segurança; é coagido a instruir-se para quebrar a barreira da ignorância que nunca o largará, por esta se mover a par com o avanço tecnológico. Se assim não for, não irá a lado algum. Mas é lindo, gratificante, e, acima de tudo, viciante! É um mundo à parte, onde a surpresa está sempre presente.   

Ainda hoje estou grato a alguns elementos da chefia daquela época (aqueles que faleceram, paz a sua alma!) por terem depositado em mim, a sua confiança.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 22/04/2021

 

https://antoniofsilva.blogspot.com/2021/04/deta-linhas-aereas-de-mocambique.html

                         Ou

http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

 

Faço por não usar o AO90

 

*Para aqueles que desconhecem,

 foram as palavras emitidas pela FRELIMO, através da rádio,

como grito de vitória, anunciando a capitulação de Portugal.

 

 

 

 

 

2 comentários:

  1. Caro amigo, gosto dos seus artigos e pifo-os para o meu blog. Eu anda por Moambique e Rodhesia por essa altura. Abraço
    http://aquitailandia.blogspot.com

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    1. Não há problema; esteja à vontade.
      Eu também estive na Rodhesia há muitos anos!
      Fui lá adquirir um treino em avião velhinho; Boeing 720.
      Abraço.

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