quinta-feira, 1 de abril de 2021

OS POLIDORES D'ESQUINAS

 

 “A preguiça é a

mãe de todos os vícios.”

(Ditado popular)

 

Como mãe extremosa que é,

“deve ser” reverenciada e subsidiada,

para os fins a que se destina.

(António Figueiredo)

 

 

OS POLIDORES D’ESQUINAS

(RISÍVEL, CÁUSTICO, MAS JOVIAL!?)

 


Os polidores de esquinas!... Proxenetas exploradores da malandrice por conta própria, e muitos deles, sanguessugas do nosso suor, por conta da protecção governamental, subsidiada pelos contribuintes.

Nesta análise não estão incluídos reformados, aposentados, desempregados compulsivos decorrentes da miséria portucalense, ou inválidos por deficiência física, psíquica ou ambas.

Não!... Os polidores de esquinas são uma classe à parte onde os dias não têm horas e o tempo vai passando sem solavancos no vazio de um débil marasmo.

Ainda que com o mesmo objectivo - não fazer a ponta de um corno - todos têm características diferenciadas, que pelas distintas qualidades. merecem uma narração.

Uma grande parte deles, dependurados numa beata de cigarro acesa cuja cinza tem o dobro do tamanho, encostados às paredes com os olhos a meia haste, meditando sem cérebro, no vazio da preguiça. Sua preocupação de sempre. De vez em quando lá mandam uma catarrótica tossidela para expulsar parte da nicotina colada ao gorgomilo (quando é só isto), e advertir quem passa, de que ainda estão vivos; outros, de os olhar oblíquo subsequente a um sôfrego “chupanço” de “herbáceas”, de quando em vez abrem a matraca, para engranzar mais um trago de malte e lúpulo fermentados, enquanto vão disparando uma cuspidela para o chão ou para as paredes, limpando as reminiscências às costas da mão - se não tiverem nenhuma farpela com mangas; ah, ainda faltam aqueles que, de olhos esgazeados e reluzentes, se movem vagarosamente, agarrados ao “galho” de uma “pedrada”, que uma apressada fungadela ou seringadela lhes inseriu, olhando no vácuo um futuro risonho, enquanto a ressaca se não manifesta.

Há outros que depois de extenuados por um dia de trabalho sem fazer nada, levantam-se às onze ou duas da tarde, miram-se num caco de espelho imundo e empestado por algumas cagadelas de mosca, dependurado num ferrugento prego na parede da “latrina”, passam as costas surradas das manápulas pelos olhos, fazem uma mija, vestem uma T-shirt e umas calças de ganga que raramente vêm sabão, enfiam os cascos numas sapatilhas já puídas, besuntam a guedelha com um bocado de gel sem se pentearem, - agora é moda - enfiam nos queixos um cigarrito que é adquirido com o rendimento mínimo garantido, que a Segurança Social, na sua “Divina” bondade se encarrega de fornecer, e lá se dirigem à tasca do costume para encetarem o dia com um favaios, um porto, um bagaço ou mesmo um copo de zurrapa tinto.

 Aparecem os amigos da mesma laia e entabulam uma conversa “científica” de deitar fora. Entre os diálogos e as pausas, enquanto a barba por rapar vai crescendo mais, vão penetrando umas sardinhitas ou uns mal curtidos tremoços, e assim passa mais um dia, que culmina com um pifão dos diabos. Para eles, a única prova evidente de que a terra roda e se não se segurarem às paredes estão sujeitos a dormirem numa valeta até que a “cabra” passe. Quando passa!? Porque alguns, a ela dão continuação.

Outros ainda, acordam a vagir, a contorcerem-se como verdadeiros praticantes de ioga, agarrados aos músculos e ao estômago, maldizendo a vida que por opção escolheram. Esses não chegaram sequer a despir-se. Espremidos pela ressaca do “pó” e da bebida, saem esbaforidos para garimparem algumas moedas num peditório disfarçado “arrumando” carros, ou até mesmo solicitando cinquenta cêntimos que lhe “faltam” para o bilhete de regresso à terriola ou a cidade com o fim de custearem a próxima “batidela”, o próximo chuto. Porque o “fornecedor” não fia e as dores apoquentam. Quando o conseguem, safam-se sorrateiramente para um canto qualquer e com ansiosas ganas, afinfam a endovenosa a leste de qualquer desinfecção, seguido de um extasiado arregalar de olhos e um abafado suspiro de alívio, aaaaaaah!!! Já está. O trabalho do dia está feito.

Mas se for necessário, porque exista má índole ou premente necessidade, também irá trabalhar umas horas em part-time durante a noite. Há muitas montras para partir, muitas portas para arrombar, o policiamento é também muito incapacitado e a lei branda demais. Mas estes polidores têm que ser suportados porque alimentam muitos postos de trabalho, sendo por isso um mal necessário.

Mas não é surpresa para nós a proliferação de outros com qualidades diferentes; muito educados e muito limpinhos, que não têm nada a ver com o resto da cambada, só que nasceram com um espírito filosoficamente existencialista, onde o gosto pelo trabalho morreu à nascença, e vivem os dias com uma sabedoria biblicamente certa: “vede as aves do céu que não semeiam e têm sempre que comer”! Certo!... Só que Deus esqueceu-se de dizer que alguém semeava por elas.  

O gosto pela ociosidade e pela despreocupação transformou-se num desgosto pelo trabalho, não deixando, porém, de se lamentarem de que a puta da vida se recusa a ajudá-los. Vão criando uma chaticezita aqui, outra acolá, imputando a culpa sempre aos outros. Isto é como nós acidentalmente darmos uma topada numa pedra e a culpa ser da pedra. Enfim, filosofia de vida.

Estes que estão no topo da fasquia, analogicamente em relação aos restantes; nem são carne nem são peixe; lá vão vivendo como cucos, à custa das reformas do pai ou da mãe (enquanto estes forem vivos), com um lamento aqui, uma gargalhada além, e, mesmo sem a garantia do rendimento mínimo garantido, com penoso sacrifício e a muito custo, lá vão arranjando para a bica ou a cervejita.

 Com uma resignação fora do comum, vão alegremente levando a cruz ao Calvário, o que, para quem não gosta de trabalhar, não por falta de força física, mas por falta de força de vontade, já não é nada mau!

Resignação acima de tudo!

 

António Figueiredo e Silva

 Nota:

Primo por não fazer uso do AO90.

 

 

 

 


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