domingo, 18 de abril de 2021

A MINHA RIQUEZA

 

Sonhar também é uma forma de viver.

(A. Figueiredo)

 

A MINHA RIQUEZA

(Ilusão)

 


Não, não são do Sócrates. Os Títulos do Tesouro, e o tesouro em si, são meus. E ninguém toca. Era o que faltava!?

Eu sou descendente de uma famelga “abastada”, cuja herança foi transmitida, pela parte da minha mãe, ao meu pai, por óbito dela – que nenhum deles já neste mundo de vigaristas se encontra.

Todavia, como os meus pais casaram com Comunhão Geral de bens, e é de lei, a fortuna passou a pertencer ao casal, em partes iguais, da qual a minha mãe me autorizou a fruir. Ah, ainda para aumentar a minha for

tuna, já de si bem abonada, veio a herança de um tio, que nem se quer conheci – paz à sua alma, e obrigado tio!

Ora bem, nasci “marquês proletário”, mas, protegido pela sorte, banhado pela astúcia, opulento em “parlapié” e um buraco camuflado num velho muro, cheguei à invejável posição que se pode ver.

Muito, mas muito mais do que isto encontrei eu no “cofre-forte”; além de uns Títulos do Tesouro (alguns dos quais aqui reproduzo), um alqueire e meio de libras esterlinas em ouro, e um saromil (na gíria da minha terra, que equivale a um oitavo de alqueire), repleto de morabintinos caldeados com umas patacas e mais umas moedas que não conhecia. Por dentro, colada à tampa, tinha a uma amarelecida fotografia com o busto de um barbaças que eu não conhecia de lado nenhum, até ser elucidado por um amigo meu, douto na matéria. Era do busto de Sócrates, filósofo ateniense, da Grécia antiga.

Mas o que ali encontrei não lhe pertence, tenho a certeza.

Todo este tesouro encafuado num rústico, mas bem cavacado cofre em pau-santo (provavelmente trazido do Brasil pelo meu bisavô), oculto no buraco de uma parede e bem embuçado por uns seixos de xisto betuminoso, atafulhados de saibro amarelo misturado com barro e selados com musgo; substâncias abundantes no “Condado” Loureirense, terra onde nasci há setenta e sete invernos. Carago, que já passou muito tempo!

Dada a minha linhagem de sangue perro, mas de robusta persistência e caturrice, sempre acreditei vir a ser possuidor de uma fortuna escondida ou pirateada - pelo menos na minha fantástica e criativa imaginação.   

De vez em quando assomava-se dentro de mim um palpite e ao mesmo tempo uma ânsia, de que havia de ser rico; por sorte ou com recurso a “negócios” menos legítimos, tais como interveniência pouco lisa em vendas de imóveis urbanos, compras de herdades ou presentes em “cacau”, feitas por alguns amigos do ”coração”. Qualquer coisa serviria para esse fim. Esta vesânia assolapou-se na minha abóbora como um mexilhão se agarra à pedra.  Não me dava um minuto de refrigério.

Há poucos anos, com a cooperação de moderna tecnologia e para dar termo ao meu padecimento, arvorei-me, sem perceber patavina do assunto, em pesquisador de metais “raros” que podiam estar enterrados lá pela antiquada “fortaleza” dos meus falecidos progenitores, habitação essa, que me tocou por herança.

Com infinita paciência, por lá fui vasculhando, quase milímetro a milímetro, toda aquela área, encontrando uns pregos ferrugentos, umas ferraduras já desgastadas pelos muares e asinos que as “calçaram” e pela corrosão (não confundir com corrupção) do tempo; umas fivelas velhas, cardas de chancas, um prego de uma galiota ( que no calão lá do ”burgo” quer dizer caibrar), e três ferraduras de boi  - esta parte me leva a crer que houve um boi sem uma pata, a puxar a carripana.

Já bastante desmoralizado, estava tentado a desistir, mas a mania impinge-nos uma força incrível. Lembrei-me de escoldrinhar nos muros de noventa centímetros de espessura que vedavam o “castelo”.

Devagarinho, furco a furco, palmo a palmo, por ali fui arrastando a sonda rente ao muro. A dado momento oiço em reduzida intensidade um piriri, piriri!? Fiquei com os cabelos de pé. À medida que ia avançando, a intensidade dos piris aumentava. Ó diabo, aqui há mistério!?

Passando a sonda para um lado e para outro, fixei a minha atenção no sítio muro onde a intensidade dos piriris atingia o máximo de volume.

A minha adrenalina e a minha pulsação aumentaram na razão directa da minha euforia. Entrei em incontida ebulição emocional.

Fui buscar uma marreta e toca a escavacar. As minhas glândulas sudoríparas laboraram como leoas esfomeadas, para manterem a minha temperatura corporal na bitola certa, que por sua vez, caucionava minha presença neste mundo.

Quando, após ter removido um monte pedras, deparei com um artefacto talhado em madeira, fiquei perplexo, radiante e cheio de curiosidade!

 Ao abrir aquela encomenda, que estava atada por umas tiras de couro cru, ia desmaiando de contentamento – felizmente não aconteceu.

Olhei extasiado! Estava rico! – O sonho de qualquer bardamerda, que se preze de sê-lo.

Restava agora outro problema, que era, como justificar à sociedade (e ao Fisco) o opíparo estilo de vida que tencionava levar, sem olhar a custos.

Dada a “olhometria” apurada dos colaboradores invejosos, não seria nada fácil. Mas, como “matéria atrai matéria na razão directa das massas…”, a minha “massa” atraiu muitos “amigos” influentes e “caridosos”, e pensei que com a sua “desinteressada” colaboração que me iria safar do busílis

Ao mesmo tempo, em cauteloso solilóquio, ia dizendo para mim: “não te chateies que isso é um problemazeco que só agora começou; vais ter muito tempo para o resolveres e te safares das garras desses falcões” de meia-tijela. Ó pacóvio, lembra-te que a narta merca tudo. - Retorquiu o meu EU. “Vai até Roma, Paris ou a outro lado qualquer, dar uma voltita. Goza a vida e caga na sociedade, nos seus princípios e na sua magistratura. São todos uns lambões e uns trauliteiros.

Pois caros leitores, é isso que tenho feito e continuarei a fazer, porque a fortuna não é pertença do Sócrates, nem tenho nada a declarar ao Fisco – até ver.

É minha e ninguém tem nada a ver com isso.

Se tenho cabras ou não, é cá comigo.

Só sei que actualmente, apesar de não ser um rico homem, sou um homem rico. E o dinheiro tem poder!?

Isso satisfaz-me.

P´ró resto, caguei.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 18/04/2021

 

  http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

Faço por não usar o AO90.

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