sexta-feira, 15 de abril de 2022

O LADRÃO

 

"Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca,

sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada,

 sois imperador?

Assim é.

O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza;

 o roubar com pouco poder faz os piratas,

o roubar com muito, os Alexandres."

(Padre António Vieira, in ‘Sermão do Bom Ladrão)

 

 

O LADRÃO

 

Claro que não irei discursar sobre o “Bom Ladrão”; apenas aguço a pena para dizer meia dúzia de larachas para configurar o Maior e o Pior ladrão – bom, nenhum é.

 Os preceitos dos outros países, não me dizem respeito; o que me preocupa são os formulados no meu. É neste que eu vivo, convivo, trabalho, descanso, venço ou tenho dificuldades. É neste que eu refilo, - por enquanto – choro as minhas tristezas ou liberto as minhas alegrias. Apreciaria não ter do o dizer, porém, não vou deixar que esta mágoa subsista dentro de mim, abafada pelo abrigo da cobardia, que é o suporte dos fracos.

À primeira vista, dá a impressão de que o excerto do sermão do Padre António Vieira não alberga fundamentos que permitam conceder-lhe um profundo pensamento doutrinal, com contornos “revolucionários”. Mas encerra-o. Porque demonstra uma realidade que sempre andou fora das rédeas da moralidade, a alcova onde são cozinhadas as leis, que não defendem os mais miseráveis, ou ladrões de meia-tigela, mas protegem os tais Alexandres, “Sócrates”, “Pinhos”, “Rendeiros”, “Ricardos”, “Loureiros”, e outros espécimes da poderosa cáfila capitalista, peritos em fraudulência e roubo, excessivamente nocivos à comunidade onde estiverem encaixados.

Repare-se na fasquia da população prisional, - não discordo da sua estadia carcerária imposta -, se lá está, certamente é porque disso foi merecedora. Lá pode encontrar-se as mais diversas classes, excepto figuras com poder e pecuniariamente abastadas. Estas, quando lhes toca na “bitola” um juiz mais ousado e despretensioso, mesmo que apanhem pela medida-grossa, usufruem de um local assegurado, por uns tempos não muito longos, num “Hotel Prisional”. Enquanto isso não sucede, aprontam-se a fazer uns batidos com componentes pecuniários e aldrabices bem artificiosas concebidas por peritos na matéria, para obterem uma mousse de consistência enganadora, com a intenção de travarem a aceleração processual, para que no fim, nada os possa incriminar – águas-de-bacalhau.

Mas se alguma ripada acontecer, nunca chegam a saldar a “obrigação” na integralidade que lhe é devida. E assim conseguem contornar a aplicação das sanções que justamente lhes deveriam ser aplicadas – e com juros de mora.

 Com grande infalibilidade, isto acontece muito, quando o poder e o dinheiro injectam ataques de amnésia no espírito da lei, que lhe afasta a responsabilidade pelas suas sentenças adversas. Porque a lei em si, não é ignorante, não padece de cegueira nem de tendenciosidade; são moléstias nela instaladas, por juízos manipulados por interesses próprios, onde uma ambição descomunal se faz sentir. 

Já naquele tempo, o padre António Vieira via muito longe! Ele sabia o que dizer e a quem queria abalroar. A sua preferência, neste Sermão, era realmente atacar os ladrões possuídos de avidez sem limites, que paralelamente, são mentirosos por natureza e são piores do que os maiores ladrões; porque, enquanto os maiores ladrões se deliciam a esbulhar-nos as aspirações os piores ladrões roubam-nos o dinheiro - é compreensível que, juntamente com este, podem falecer as aspirações.

Nada mais preciso de acrescentar, para dizer que em Portugal vale apena ser LADRÃO. Conquanto que faça parte de numa camada social “alta”, tem “licença” para roubar à vontade. O roubo, chamado de crime-de-colarinho-branco, compensa – e de que maneira!?

Contudo, o LADRÃO nunca deixará de ser considerado como LADRÃO, mesmo que por incorrecção da “balança” a lei o não condene ou que ele merque a sua honradez. É um estigma que jamais desaparecerá. É idêntico à virgindade; uma vez perdida, nunca mais será recuperada.

Disto, o LADRÃO (bom, mau, melhor ou pior), PODE FICAR CIENTE.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 15/04/2022

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

       

 

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