quarta-feira, 18 de agosto de 2021

A BURRA DO SERAFIM

 

  

Não é o estado da burrice que nos mantém burros;

é a estúpida mania que temos, de não admiti-la.

(Júlio Ramos da Cruz Neto)

 

A BURRA DO SERAFIM

 

Mas que sorte! Se o órgão reproductor fosse diferente, não havia alternativa ao título desta crónica, que forçosamente teria de ser, “O BURRO DO SERAFIM”.

Claro que não teria nada de mal por se tratar de uma realidade, mas é sempre aborrecido, porque a imaginação humana é tendente a uma copiosa fertilidade na personalização da caçoada, mesmo sendo ela “aburricada”.

Trata-se apenas de uma burra, muito bem hospedada e muito bem estimada, que ocupa um amplo espaço na praia fluvial de Vidago; um “canteiro” idílico, propriedade do meu também “amigo” Serafim, que toda a gente cá do burgo conhece – mais a ele, do que à burra – pelas parelhas de vez em quando se dispõe a dar, sem olhar à altura do sarrafo.



É uma burra que entendo ser muito inteligente – às tantas mais inteligente do que o dono, sabe-se lá!? – porque consegue, com uma facilidade extrema, destrinçar a “palha da erva”, qualidade de que poucas pessoas usufruem.

É muito calma e mansinha. Um amor de jumenta.

Hoje fui fazer-lhe uma visita e fiquei pasmado, porque encontrei junto a ela um burrico ou burrica, novato/a, (não verifiquei os documentos), a quem ela tratava com maternal carinho.

 Há uns largos tempos eu notava nela uma certa dolência, provavelmente devido à carência de um parceiro; porque, a não ser a do dono e amigo, que em nada substitui a companhia de um burro, penso que mais ninguém a visitava.

Hoje mudei de ideias ao verificar, pela semelhança, que era cria sua – da burra; nada de confusões.

A luxúria deve ter-lhe abanado o interior da cachola, levando-a juntar-se a um burro desmiolado qualquer – agora muito em voga – e ele, em aproveitamento da paixão, esperto, atirou-se p’ra riba, fez-lhe uma cria. Posteriormente deve ter dado à sola e foi pregar para outra freguesia, e agora a mãe que o crie – com a auxílio do Serafim, claro.

Um claro exemplo de irresponsabilidade paternal, que até aos burros toca!

Porém, a esperteza e a coragem são seu maior triunfo. Sempre que alguém se avizinha, ela, com uma calma aparentemente imperturbável, endireita bem as orelhas e olha de lado, sem tugir nem mugir, neste caso, sem sussurrar nem zurrar, enquanto vai trinchando um sabicho de feno, a ver com alguma curiosidade, se reconhece no “irmão” ou no amigo que se aproxima, uma presença familiar, um se é algum vagabundo que deseja invadir-lhe o território.

Mas é engraçado, porque ela, no seu silêncio burrical, enquanto vai rilhando uns rebentos de relva bravia e saracoteando o rabo para escorraçar as moscas teimosas e impertinentes, - como algumas pessoas - diz muito, ao roçar o seu focinho na fuça do seu descendente, em sinal de afecto e protecção, como a querer transmitir à “intromissão”: “faz-te burro e não te armes em esperto, senão, perco os travões e levas “cu’as” ferraduras na focinheira porque esta cria é minha.

Eu penso que seria essa a intenção que naquele momento borbulhava na sua mioleira; visto que, a paciência tem limites que a burrice desconhece e a esperteza desrespeita. Só os tolos não o sabem.

Mas o dono sabe disso. Conhece-a e entende-a bem e à cria, que eu até ali ignorava. Foi uma agradável surpresa para mim tê-la encontrado com uma companhia tão espirituosa.

A Burra do Serafim, mai’lo seu primogénito/a.

“Donos e Srs. do Condado da Praia Fluvial de Vidago”, situado na margem direita do rio Tâmega, um dos sítios mais e atraentes para o turismo, votado ao desleixo.

Valha-nos a Burra do Serafim!

 

António Figueiredo e Silva

Chaves, 17/08/2021

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Nota:

Faço por não usar o AO90.

 

  

  

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