domingo, 23 de maio de 2021

O EXISTENCIALISMO E O SUICÍDIO

 

Ainda não sei se um suicida

existiu para se matar,

ou se se suicidou para existir.

Contudo, nunca deixes que

o desânimo seja o teu mentor.

(A. Figueiredo e Silva)

 

O EXISTENCIALISMO E O SUICÍDIO

 


O indivíduo que vive um existencialismo puro, sorve o presente e deleita-se como se ele fosse o último trago da sua existência. Não espera nada do futuro, o qual ele situa nos confins do absurdo. A liberdade de existir é condicionada pela morte, à qual ele não tem quaisquer hipóteses escapar com vida. Por isso, para ele, existir é gozar o momento actual, porque o resto apresenta-se como uma incógnita da qual nada sabe, nem se interessa por saber, fazendo assim navegar o seu ego numa pacificidade onde cada acontecimento é um facto existencial e não o começo de um futuro anónimo cuja transcendência o transcende.

A existência límpida não obedece a planos, a crenças ou a dogmas, cujas algemas prendem o ser, deformando a sua estrutura natural, transformando-o num simples objecto manipulado pelos tentáculos insustentáveis de um errado pensar. Não!... Ela segue somente o desenrolar dos acontecimentos à medida que vão surgindo e, como um barco impelido pelos ventos de uma grande força de vontade navegando ao longo da costa existencial, vai contornando os obstáculos conforme as condições que no momento se lhe apresentam.

O existencialista, ao contrário do que muitos cogitam, tem fé!... Neste aspecto, que é semelhante ao religioso, acredita que para além da extinção nada mais existe; por isso é que vive liberto das preocupações despoletadas por sonhos reais de irrealidade absoluta, que desaguam no mar abismal do absurdo.

O existencialismo está ao alcance do homem, assim ele tenha capacidade intelectual para resistir às pressões que o rodeiam, não com o intuito da sua redenção, mas tendo como fim o seu afundamento.

Todos os não existencialistas são vítimas das ilusões preconceituosas, os cilícios da sua existência que lhes angustiam a vida com a castração do seu ego, da sua força de vontade própria. Eles não vivem, vegetam claustrofobicamente numa claridade ilusória onde a escuridão está bem patente. Quando dão conta de que a vida não tem objectivos, não tem dimensão nem valias, resta-lhes o suicídio como única e última alternativa de libertação das grilhetas a que estavam acorrentados.

Sucumbiram ao peso das correntes da ilusão que num sofrimento silencioso arrastaram consigo e lhe provocaram o anacronismo na forma de pensar por colapso neuronal. Escandalizaram-se consigo próprios ao verem que existência é bastante efémera, que cai num abismo sem fundo e numa contradição permanente. Descobriram na sua presença um penoso suplício do qual tinham que se libertar e naquele momento não tiveram coragem para o não fazer, porque chegaram à conclusão de que a vida não merecia ser vivida. Quer isto dizer que viveu a vida e depois pensou-a, quando devia ter feito precisamente o inverso.

 Por isso é muito melhor viver não tão bem quanto possível, mas tanto tempo quanto a existência nos permite.

O suicídio não resolve os problemas de frustração criados pelos tais sonhos reais de irrealidade, como o não existencialista pensou. Não, ele entrou de olhos cerrados na noite do absurdo e os problemas aumentaram para os que ficaram, que de certo vão dar continuidade à existência vegetativa, contudo, talvez mais moderada.

Isto acontece quando o homem não existencialista conclui que o mundo já não tem mais nada para lhe dar e a sua força vegetativa colapsa sob o peso gelado do negativismo, que se sobrepõe à vontade de viver.

Em toda esta dissertação não é minha intenção justificar a morte em si, pois não existe justificação possível. Acontece, porque é uma consequência da vida.

Com o acto, o que a provoca já é diferente, uma vez que considero por exemplo “condenável” o corte voluntário de uma duração, como fuga pertinaz a uma responsabilidade, real ou forjada.

Suicidar-se pode ser encarado como uma confissão não de coragem, mas fraqueza, decorrente de uma razão endémica, postulando que a existência não vale a pena ser vivida.

Viver nem sempre é fácil, mas separar-se radicalmente da vida, pode considerar-se a manifestação de que as ilusões e ambições que fizeram parte de um pensamento fantasioso, ultrapassaram a compreensão do próprio indivíduo, deixando-o vencido, à mercê de um instinto de loucura, doente e sem vontade própria; no momento exacto em que toma a decisão de cindir a linha da sua existência, a vida, ele já não é ele próprio. Já não se reconhece como ser vivente.

Estava morto em vida.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 27/08/2006

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Nota:

Faço por não usar o AO90.

 

 

  

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