sexta-feira, 14 de agosto de 2020

APARÊNCIAS


 

Não vivas de aparências, elas mudam.

Não vivas de mentiras, elas são descobertas.

Não vivas pelos outros, vive por ti.

(Autor desconhecido)

 

 AS APARÊNCIAS

 

Pois é. Afinal, se calhar não é!? Até poderá ser, mas, bem vistas as coisas, vivemos num mundo balofo onde as aparências conquistam o primeiro lugar no podium social. Por isso, nem tudo o que parece é.

A meu ver as aparências não passam de ornamentos toscos e tolos, que só brilham na ausência da eloquência, o espaço reservado à modéstia, à simplicidade e à integridade. As lantejoulas servem meramente de disfarce a quimeras que esvoaçam do reduzido espaço de mentes entorpecidas pela penumbra da ilusão, como se estas fossem uma realidade.

No entanto, há uma particularidade que as híbridas afigurações não conseguem encobrir; o carácter. Porque este já vem patenteado geneticamente e é sempre fiel a cada criatura, desde a sua germinação até que ela suba a outra dimensão. Na rectidão, a Natureza não é desperdiçada e mantém e mantém com apurada precisão a imutabilidade na formação das Suas obras. Quer queiramos quer não, as coisas funcionam desta maneira e não há outra volta a dar.

É por isso que, viver uma vida de aparências, é andarilhar uma existência a enganar-se a si próprio. É um trabalho de tal dureza que pode levar à capitulação emocional, à depressão e ao desespero. Isto porque, as aparências realmente podem enganar, porém, com o atravessar do tempo, o odre de contenção vai-se rompendo e deixa escapar as atitudes mais imperceptíveis, que são sempre as mais fiáveis reveladoras do que cada criatura guarda dentro de si. Por isso, aqueles que querem mostrar o que não são, acabam por expor, boa ou defeituosa, a medula da realidade que as caracteriza.

Aqueles que abandonam a sua essência exclusiva para se alicerçar nas aparências são semelhantes a astros informes, porque não desfrutam de brilho próprio. A falsa imagem, não passa de um embuço onde muitos tentam encobrir o seu verdadeiro interior, esquecendo-se de que, como ocorre com o azeite e a água, mesmo depois de caldeados, com o tempo, um deles afunda.

Sei que esta é uma metáfora atabalhoada e sem piada alguma, mas encerra uma realidade bastante cimentada nos nossos dias. As aparências.

Não deixa de não ser verdade que iludem. Mas as aparências do seu efeito são sempre de curta duração. Assim, as pessoas devem primar pela sua legitimidade para que amanhã não venham a sofrer de desilusão e terem de cair na fossa da zombaria “silenciosa”, porém mordaz e tendenciosa. Não é no aspecto, no “ouro”, nem nas lentejoulas, que reside o verdadeiro carácter do ser humano; este habita na verdadeira essência da criatura, que é aferida pelo seu comportamento. Os seus procedimentos é que são o real garante da destruição das aparências, caso existam. Como tal, viver de aparências será sempre uma rasteira que os fracos de espírito armam a eles próprios; criam amigos que nunca o foram, afectos que nunca existiram, e até, quem é o mais grave, expectativas falsas, que um dia lhes irão custar caro.

Não deixo de não dizer que para sobreviver nesta comunidade tribal, torna-se necessário o recurso às aparências, porém, quando acima de determinado patamar, pode sobrevir moléstia viral. A obsessão.

Contudo e em princípio, elas enfeitiçam somente aqueles, cuja perspicácia está enfraquecida, é incompleta ou inexistente, e lhes obstrui a visão do horizonte onde se situa a realidade.

É certo que as aparências andam infalivelmente grudadas ao fingimento, como se fossem irmãs siamesas, embora heterozigóticas.  Umas não sobrevivem sem a outra, porque, enquanto as primeiras aparentam o que não são, a outra, dissimuladamente finge acreditar no embuste. Compreendo, no entanto, que o “jogo-às-escondidas” entre estes dois elementos, são uma maneira desequilibrada de tentar harmonizar, com recurso ao fingimento, a simetria na classe social numa comunidade doentiamente avassalada pela presunção. Até nem me parece estar de todo, errado!? São habilidades airosas da interacção entre a pavoneio barato e o fingimento intencional, os condimentos indispensáveis para estas caldeiradas de aparências.

Para terminar, questiono, qual a razão de subsistirem seres que não conseguem edificar a sua existência com pedras de realidade arrancadas na pedreira do seu próprio eu? Penso, e devo manifestá-lo, que as razões principais do recurso às aparências devem ser decorrentes da fragilidade nas componentes coragem, auto-determinação e falta de conhecimento próprio. Rematando: ignorância congénita.

É certo que ninguém se faz. Já nasce feito. Reconheço que a sociedade tem parte interveniente em algumas mudanças no comportamento das pessoas. Mas o cerne genético é imutável.

Assim, sou levado a plagiar algumas palavras que fazem parte de uma antologia de adágios, agrupados pelo músico brasileiro Júlio Cézar Leonardi: “quem nasceu lagartixa, nunca chega a jacaré”.

Pode não ser, mas parece. Se calhar, é mesmo.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 12/08/2020

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Nota:

Procuro não usar o AO90.

 

 

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