quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

"TESTAMENTUM AD AETERNUM"


 

O que tiveres de fazer, faz em vida;

quando a morte aparecer ficas incapacitado.

(A. Figueiredo e Silva)

 

 

“TESTAMENTUM AD AETERNUM”

 

A muitos de vós, “testamentários”, concedo o direito de não concordarem com o trecho que vou redigir; mas não é por isso que deixarei de defender o meu direito de escrevê-lo.

(Do Autor)

 

Um TESTAMENTO, mais não é do que o procedimento escrito (pode ser epístola ou grafado em cartório, pelo punho d’um tabelião), sob alguma tensão apreensiva, porém, protocolar, no qual podem lavrar-se conjunturas inerentes à última vontade do testamenteiro (aquele que futuramente “embarcará”), para serem cumpridas ulteriormente à paragem integral dos batimentos do seu músculo cardíaco, com o consequente esfriamento do seu “espigueiro”, teso e inerte, para todo o sempre.

Dispõe do poder legar bens materiais a pessoas de boa índole ou a uns papalvos quaisquer, e, conjuntamente, adicionar outras vontades (factíveis, como é obvio), ou somente vontades - conquanto que deixe algum carcanhol, para que estas possam ser satisfeitas. Se não, chapéu!

É um documento, que, na sua origem, pode conter várias causas; filantropia, por crença ou prodigalidade; agradecimento, por reciprocidade afectiva; retaliação, para desobriga do seu ego ferido; por último, outras, senão as mais “importantes” e que devem ser analisadas antes do acto; estar apanhado do juízo ou ser burro – tantas vezes isto tem sucedido!

Reconheço que esta prosa, é tudo palha p‘ra botar fora. Mas, como sinto ser portador de todos os predicados a riba referidos, proponho-me hoje, a elaborar o meu, (testamento), mesmo sem a solícita e “cuidada” presença de Oficial de Registos, a exibir com alguma ostentação, as mangas-de-alpaca que lhe protegem a alvura da camisa.

Nomeio a todos vós, viventes, como testamentários – ou seja, aqueles que m’herdam tudo, e se obrigam a realizar ou fazer com que seja concretizado o meu derradeiro desejo – se não, ireis estar à pega comigo!?

Ora bem:

Em pleno gozo de todas as minhas capacidades mentais, - suponho eu!? – é minha vontade deixar o Mundo inteiro para vós, com todo o recheio que ele engloba, não obstante a sua extraordinária, porém complexa, diversidade. Tem de tudo e para todos os paladares, apetites e caprichos. Um grande espólio! Uma entulheira para reciclar e aproveitar o que é bom. E mesmo assim, é provável que de bom pouco conglutine.

Raças “pensantes” mescladas de todas as cores, que vão desde o prêto mais ou menos carregado, passando pelo retinto, ao branco mais avermelhado ou de coloração leitosa e enfezado, cruzando pelo castanho mais escuro ou tonalidade de café com leite; inclui ainda, o amarelo, mais desbotado ou abraseado, que salienta um olhar semicerrado, mas de grande precisão e matreirice.

Nestes elementos que vos deixo, estão entalhadas as mais distintas pluralidades de caráter, para gosto ou desgosto de cada um de vós – ou de vós mesmos; fraco, forte, manhoso, finório, sem índole alguma (os descaracterizados), e de temperamento cata-vento ou cata-maré. Estes finais, são os mais perigosos – é a camada onde se encontra encaixada a grande récua de políticos que não sabem governar, os bandos de salteadores, oportunistas e desviadores de capitais, que, em comunhão com os outros, auxiliam desgovernar o Mundo – burro nem sempre é tão burro como possa parecer.  

Em toda esta tipologia estão abrangidos: trapaceiros, vigaristas, ladrões de bancos, proxenetas, governantes maliciosos, filhos-da-puta, filhos-da-mãe, “filhos-do-pai”, porque ao pai lhe “apeteceu” ser mãe, (actualmente é permitido), e filhos de ninguém, que andam p’raí ao deus-dará, a coçar o cu das calças pelas esquinas e a olhar para o céu a ver se chove.

 Quanto à intelecção: podem contar também com espertos, loucos, manientos, asininos, “inteligentes” e benevolentes (uma raridade), ambiciosos, desinteressados, patifes, esbanjadores, calaceiros e laboriosos. Ah, faltavam os egocêntricos; estes marcam também a sua presença no monte de trastes que vos lego, porém, apenas alimentam a cisma de se julgarem os melhores exemplares à face da terra, mas não passam de uns bardamerdas quaisquer, sem valores nutritivos para uma universalidade saudável, onde a euritmia poderia ser um facto e não uma miragem montada na esperança.

Como parte também integrante do legado, deixo-vos mais aqueles que, classificados por “abóboras amorfas” onde a sanidade mental não brotou, os inventariam como seres impensantes; assim, destituídos de emoções (uma ova!?). São os animais “irracionais”, que fazem parte da mais incrível e variada espécie que ciranda por esta esfera azul, que de boa vontade vos deixarei. Consolai-vos!

Enfim; sem qualquer arrependimento, deixo-vos tudo o que neste Mundo existe, desde a mais pequena pedra ao maior calhau, - e há muitos - do mais ínfimo fio d’água ao mais caudaloso rio, e deste, ao maior oceano. Desde o mais retorcido pentelho à mais entufada carapinha. Fica tudo, tudo, p’ra vós.

Lego-vos tudo. Porém, com uma condição que congrega a minha última vontade: dêem-se como irmãos e companheiros, e não andem às turras como carneiros ou a formar rebanhos, como ovelhas p´ra seguirem cegamente o pastor que vos quer enganar.

Se não o conseguirdes, continuai a vossa luta canina - como tendes vindo a fazer - até que chegue o Dia do Juízo Final – que toca igualmente a cada um de vós.

Lembrem-se de que nada no Universo tem uma existência infinita, porque a entropia que o governa, jamais o permitirá.

Por uma questão de prudência, resolvi escrever e noticiar isto agora, porque, por entre as neblinas de épocas passadas, sinto que o sol está a querer esconder-se por detrás do horizonte longínquo do entardecer.

E quando eu “levantar voo” para o desconhecido, os que tiverem a chance de me verem – se lhes apetecer e estiverem ao alcance -, poderão confirmar que estou esticado, mas não com fisionomia aborrecível ou lacrimejante. Farei questão de apresentar uma cara deslavada e sem expressão, em que, até a linguagem corporal não manifeste quaisquer resquícios de contrição – fisionomia de poker-face.

E por agora, resta-me dizer-vos mais duas palavras para activar a vossa meditação: fiquem bem, gozem o que vos testamentei, e, quando eu for, - não sei quando nem para onde - esperarei lá por vós.

Prossegui a encenar a vossa peça teatral virada ao exibicionismo e oxalá que o revisor que vos certifica o bilhete, tarde muito a aparecer!

Não vos apoquenteis com a minha sorte, porque, PPP/s (Parcerias Público Privadas), por aquele sublime recanto, não me faltarão com certeza, para me distraírem com a sua falta de honestidade.

Como disse Epicuro, “A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais”.

Esta é a razão porque testamentei ainda vivo.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 17/02/2022

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

Obs:

Procuro não fazer uso do AO90.

 

 

 

 

 

 

 

 

    

 



 

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