Voltar atrás, é melhor do que
perder-se no caminho.
(Provérbio russo)
A
BANDALHEIRA
Carta
ao meu amigo ZÉ (IX)
Ei,
Zé! Bom dia!
Já não sei quantas cartas te escrevi,
mas tenho na ideia que já foram algumas.
Apesar de ter passado muito tempo sem
que tenha havido quaisquer correspondências entre nós, espero que permaneças
vivo e bem de saúde, porque até há agora não recebi nenhuma notícia declarando
o contrário; tu bem sabes que as notícias más têm uma grande gasosa de alastramento.
Aí te envio uma foto minha, para veres o
meu estado actual. Nada mau, apesar das mazelas.
Olha, pela minha parte, apesar de andar
um bocado combalido das ossadas, o “mau” temperamento ainda não mudou; creio
que hei-de morrer assim. Sempre respingador e contestatário, quando as coisas
não me farejam bem.
Resolvi escrever-te esta carta, porque
ando um bocado desanimado com esta merda toda, porque estou a ver que ninguém
se entende e o que todos procuram é sangrar o mais possível. Olha pá. Eu já não
acredito em ninguém.
Repara que desde que penetrou com
triunfante e desorganizada recepção, a liberdade em Portugal, todos os graúdos
começaram a meter o dedo, a criar “sacos azúis”, na Suíça, França, Ilhas
Caimão, Cabo Verde e não sei mais aonde, tudo à nossa custa, graças á nossa
apatia e falta de nervos de aço, que têm facilitado a proliferação de toda acambada
de ladrões e chulos que entre nós andam a depenar-nos, e não há justiça que
lhes toque.
Os montes queimam aos “montes”, e os
incendiários andam à solta; os ladrões, ladrões de alto nível, continuam por aí
a pavonear-se, como se nada houvesse acontecido; os sistemas de saúde estão
cada vez mais garroteados e a sua acessibilidade não está ao alcance de todos;
o ensino anda muito por baixo, não por causa dos professores (quando falo em
professores é para aqueles que sabem sê-lo, porque há muita merda à mistura),
mas por culpa do sistema, cuja deficiência é notória; a justiça, coitadinha da
justiça, se não lhe retiram a venda para poder ver a porcaria instalada nas
costas da razão, também não vai a lado algum; a segurança, essa, tem sido tão escarnecida
e amesquinhada, quer por alguns cidadãos “sérios e cumpridores” anárquicos,
como pelo próprio governo, que caiu num fosso de debilidade onde a sua acção,
por força destas e de outras circunstâncias, se tornou propositadamente
deficiente porque os seus elementos têm que salvar o seu pão e a sua pele dos
processos que lhes podem ser movidos por actuações no cumprimento do seu dever,
resultando daqui, que nós cidadãos não temos e segurança - esta está em vias de
extinção.
Olha Zé, nunca esteve tão bom para o
crime em geral como até agora, desde pequenos delitos até crimes de alto
gabarito; é propício para estudar em sêco e aprender a ser burro com Dr., e, se
for inteligente nem emprego vai ter; presentemente até há boas condições para
morrer por falta de assistência competente e franca, ou por carência de
medicação.
Há um sem número de coisas, que quando
me ponho a matutar, fico em ebulição.
Zé, meu rapaz e velho amigo, isto não é
só um desabafo, é um desabafo amortalhado num sentimento de apoquentação e
repulsa, nojo e revolta, cuja mistura me faz espremer o fígado e enrodilhar-me
o pensamento, dando como resultado esta revolta, meu único meio de
desintoxicar.
Desculpa-me o último desabafo, - por agora
- pois sei que estás fartinho de me aturar:
Estamos
rodeados de vampiros, víboras e sanguessugas; espécies malditas, pertencentes à
classe dos oportunistas.
Isto
está uma bandalheira.
Ó Zé, se calhar temos de voltar atrás!?
Um abraço amigo e até à próxima missiva
- se eu estiver vivo e puder.
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 03/10/2017
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