O TEC
Recolhe um cão vagabundo,
dá-lhe de comer e ele nunca te
morderá;
eis a diferença fundamental entre o
cão e o Homem.
(Mark Twain)
O TEC
Figuras da minha terra (Loureiro)
Quando dele me aproximo,
não sabe mais o que há de fazer para me sentir contente. São piruêtas,
umas atrás das outras, a pedir-me qualquer coisa, que eu, como pertencente à
cainça humana, muito bem entendo; quer umas festinhas e que lhe passe as minhas
mãos pela cabeça. É pena, mas só lhe falta poder falar. No entanto, a
naturalidade dos seus gestos diz tudo; porque, apesar de não articular o meu idioma, é muito claro em manifestar o seu estado
emocional.
Considero-o uma “pessoa”
maravilhosa e merecedora da minha mais fiel apreciação.
Podem decorrer muitos
meses sem me ver, porém, quando o meu odor é capturado pela sua aguçada
capacidade olfativa, ele dá de imediato um alerta, com sinais de satisfação e assombro.
Considero-o um bom “rapaz”.
Pelas ocasiões que com
ele tenho “conversado”, rectifiquei bastante a minha mentalidade no tocante à comunidade
de faço parte. Ensinou-me bastante sobre o entendimento social, que devia ser idêntico
ao da sua linhagem, mas lamentavelmente não é. O Tec, não é hipócrita, manhoso, velhaco,
mentiroso ou patife e não veste a samarra traiçoeira da má-fé; não se enfurece,
nem é exigente; é asseado e não conspurca o seu cantinho que foi reservado para
o seu repouso; na sua cabeça, tem inserido um traductor, que o faz compreender tudo
o que lhe dizem; se é algo de bom, não bate palmas, porque esse trejeito por
natureza não lhe foi concedido; mas salta e meneia com o rabo, em sinal de
coexistência pacífica e contentamento; se é algo desagradável, fica quieto, ostentado
uma expressão sorumbática e tristonha.
Em meu parecer, pelas
lições de civilidade que concede, o Tec,
apesar da sua raça ser canina, devia ter-lhe sido outorgada a oportunidade e
subsídios para estudar, até alcançar a grandeza de um doutoramento – que chega
a esconder muita pobreza intelectual e cívica, em alguns seres humanos,
senhores dessa insígnia.
O Tec sabe muito; é sincero, não é malicioso, e, acima de
tudo, em comparação com o Homo Sapiens, tudo indica ser mais ajuizado.
Ele lecciona com
entusiamo e alegria, e eu agradeço e retribuo com a franqueza do meu carinho.
Tenho-o realmente, como
um verdadeiro amigo. E até me quedo a reflectir, se não teria sido este, o
único amigo, que nunca em vida me “mordeu”.
António Figueiredo e
Silva
Coimbra, 17/10/2025
Nota:
Não uso o AO90.
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