UMA LIÇÃO DE VIDA P’RA VIVER


  

Quem não fraterniza, não vive;

apenas existe.

(António Figueiredo e Silva)

 

UMA LIÇÃO DE VIDA P’RA VIVER

(Dissertação sobre a importância da comunicabilidade)

 


    Vou encetar esta cavaqueira, cujos fundamentos que a vão tecer, há muito tempo andam a fervilhar na minha floresta emocional, e, como já atingiram o pico da elasticidade da película silenciosa que os circundava, levaram-na à ruptura compulsiva e consequente libertação do seu recheio.

Mesmo sabendo que a introversão não é uma patologia, nem tão pouco uma imperfeição, porém uma condição genética, sinto que essa compleição castra a interacção social, e por arrastamento, afasta o indivíduo dos estímulos exteriores, indispensáveis à lapidagem da sua maneira de agir, que deve ser reformulada em função do ambiente e meio onde reside.

Antes de prosseguir, devo frisar que não associo ao mutismo, qualquer privação ou defeito intelectivo. Por vezes, ocultam gemas diamantíferas de sabedoria.     

Não obstante esta escrevedura ser direccionada a todos os introvertidos, por uma questão de comodidade e conveniência, vou discursar na primeira pessoa. TU – espero que não fiques ofendido.

Considerando que já transpuseste as vinte primaveras, és um adulto, - sobre todos os aspectos -, quer físicos quer anímicos, quer legítimos; creio ainda, que a tua percepção não se assemelha à de um qualquer imberbe burrancas; suponho igualmente, que não te escassearam as normas de civilidade e delicadeza esmeradas; no entanto, permanece em ti uma essência que, apesar de genética, - penso -, tu, e somente tu, com alguma força de querer, poderás contornar; a comunicação sóbria e mais aberta, - porém sempre defensiva da tua integridade -, para com a sociedade que te rodeia, e  da qual fazes parte integrante, e a família que imensamente te estima, e também sente prazer com a tua presença.

Sabes, nunca deves pensar que os outros só existem ou que vives apenas para ti próprio. É um engano. O contacto de proximidade através do diálogo, é essencial para a tua vivência; espevita o afecto, gera a amizade, carinho, dedicação e estima; são razões que dificilmente conseguem desabrochar no espaço salobro do mutismo.

O silêncio, - quando estamos sós -, é realmente muito bom para uma reflexão intensiva, orientada a fazer uma avaliação do nosso interior, sobre os nossos actos e a nossa conduta, perante os outros e perante nós mesmos; para analisar o estado do nosso EU. É a prova mais evidente de que existimos. Isso é verdade; contudo, somente para nós próprios. É por isso, essencial, que manifestemos a nossa presença através da interlocução, para que aqueles que tendem a lidar connosco, saibam “verdadeiramente”, a nossa identidade.

Se assim não procederes, passarás despercebido, e iniciarás a tua imersão num limbo social insonoro, até te afundares no esquecimento, dependurado a enxugar, no bengaleiro da incomunicabilidade. Ficas sozinho. Obviamente que isso não te poderá conduzir a lado algum.

Os horizontes que interiormente desejarias atingir, têm tendência a ficarem muito longe dos teus propósitos. Reflete bem nisto.

É natural que a polidez que te foi proporcionada, talvez tivesse sido alimentada por princípios com alguma “rigidez”, provinda de um grande bem-querer afectivo e protector, no sentido de que um dia pudesses adquirir um futuro brilhante e seres respeitado socialmente. Esse sentido apadrinhador, por vezes metamorfoseia-se em pesarosa preocupação. É natural que isso tenha acontecido contigo. É normal, embora contraproducente.

Mas, com o teu amadurecimento físico e intelectivo e o calcorrear entre por entre os andurriais da sociedade, de onde deflagram exemplos bons e maus, com os quais sem querer tropeças, estes devem servir-te de leccionações variadas, para as quais deves usufruir de poder analítico e bom senso, para te desvinculares das que para nada servem, e aproveitares aquelas que te podem transmitir algo de bom e proveitoso. Isto é, aprenderes a viver; aprenderes a dominar o teu voo sob o teu próprio comando.

Foi deste modo que muitas pessoas se remoldaram a si próprias, independentemente da maneira como a civilidade lhes foi transmitida, e aplicam os valores da deontologia, da compreensão e da afinidade, para navegarem no meio comunicacional onde hoje ainda vão existindo de cabeça erguida.

 Devemos ser bons alunos da vida.  

As nossas lições, - que nos ficam sempre mais dispendiosas -, são as mais eficientes para podermos viver em harmonia com todo o mundo e ter sempre quem nos socorra nos momentos de maior angústia, que sem aviso prévio, por vezes se nos deparam!

Não deves acobertar-te no casulo hermético e viver unicamente para ti próprio, escoltado por uma mudez incomodativa e “ensurdecedora”. Deves sim, presentear um pouco de ti próprio àqueles que te rodeiam, sem abandonares de todo, a tua firmeza interior, e sem te deixares espezinhar.

Para todos aqueles que cogitam, a integridade é de valor incalculável. Ser capacho social, nunca.

Por isso, sugiro aos introvertidos que descerrem um bocadinho a ourela do capote do silêncio, no sentido de assinalarem a sua presença, na família e na sociedade em geral. Enquanto o não fizerem, tão só irão viver uma existência virtual, da qual, certamente não irão colher grandes mercês. Não passarão de uma espécie de penumbras meio extintas, que, solitária e melancolicamente vão vagueando no seio da comunidade, mas, à parte dela.

Dispõe de uns breves momentos, e medita nas tolices deste velho, doido varrido, já com acentuada senilidade a infectar-lhe o interior do caco.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 21/04/2025

Obs:

Não faço uso do AO90.

 

 

 

      

 

      

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