RAZÃO E CRITÉRIO

 


 

“Ser ou não ser; eis a questão”.

(William Shakespeare)

 

“A velhice é uma chatice”.

(António Figueiredo)

 

RAZÃO E CRITÉRIO

 

Aparentemente plagiando a famosa frase shakespeariana, acerca do “ser ou não ser”, aqui embrulho o meu conceito sobre a questão do ser ou não ser, ancião.

Para que melhor me consiga fazer compreender, vou recorrer factos de cujas realidades não subsistam dúvidas; não excluindo, todavia, que não possam ser rebatíveis. A meu ver, a pureza da realidade assenta na forma como cada um a vê e sente.

Além disso, há que equacionar a diferença entre ser e estar; que, consequentemente, não significam a mesma coisa.

Enquanto que ser, manifesta uma existência e suas particularidades, o estar, já representa um determinado percurso temporal de um ser, com rigorosa precisão. O ser velho é sempre uma inegável certeza; o estar novo quando velho, é de uma impossibilidade absoluta.

Porém, o facto de estar velho e sentir-se novo, já possível; mas esta condição não desterra a idade a quem assim sente. Ela, a madureza da idade, lá se encontra com deliberação determinada, a fecundar o início da transformação da matéria, que faz parte integrante da massa Universal.

Esta de…1 “eu cá, sinto-me como novo”!!! Não corresponde de forma alguma a um atestado de juventude, porém, ao desafogo de um sentimento emocional – que a ninguém pode ser interdito, como é óbvio. Invencível e obstinada, a vetustez lá se encontra estampada e inamovível; logo, intransferível e inadiável.

É perfeitamente natural e mesmo inegável, a existência de pessoas, que, mesmo com idade acentuada, se sintam com uma vitalidade energética, quer física quer intelectual, que lhes alimenta um prazer “primaveril” de viver. Tudo bem. Cada um é igual a si próprio, e age em função da sua sensibilidade, que não é igual a qualquer outra – a Natureza sempre primou pela dissemelhança.

Mas a idade, essa, por determinação Universal, não encapota a sua fisionomia.

Por isso, a “juventude” da velhice não é somente espiritual; tem a ver com um todo.

É verdade que há seres que “envelhecem” prematuramente; mas não é por isso que deixam de ser jovens. Os anos estão lá, - embora ocultos. Eventualmente, por qualquer imperfeição da trama genética, o amadurecimento normal pifou; e não a idade

E agora, para tentar concluir, como a questão reside em “ser ou não ser”, tenho a dizer que: não estou velho. Sou velho; mesmo velho. Sou vetusto. Tenho 80 anos. Oitenta anos – repito.

Apesar de toda a minha vivência ter sido sujeita à mortificadora constrição das grilhetas da ignorância, - a Natureza assim o determinou -, sempre fiz por aliviar-lhes a pressão e aplicar a folga obtida, para mitigar a minha sêde de saber, - facêta sôfrega e incurável, que até hoje me tem acompanhado.

Tudo, para no fim concluir que não sei nada; porque, quando um mistério é descoberto, surgem outros. E este ciclo processa-se indefinidamente. Muitos mais haverão param descortinar.

No entanto, estou ciente de que quando morrer, vou carregar comigo pelo córrego do incógnito, um bom repositório de ensinamentos que, não digo todos, alguns poderiam ter sido aproveitados para auxiliar a transmutar este mundo-cão, irrequieto e raivoso, já não direi num Paraíso, porém, num Mundo melhor, onde a confraternização fosse uma realidade.

Como se pode atestar, a velhice utiliza sempre a sua implacável chancela para autenticar os seus propósitos atoleimados.

Sou mesmo velho, não sou?!

Se calhar, já nem tenho razão nem critério!?

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 7/12/2024

 

Nota:

Não uso AO90.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

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