sábado, 19 de fevereiro de 2022

"ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA"

 

A democracia, muitas vezes significa o poder

nas mãos de uma maioria incompetente.

(George Bernard Shaw)

 

“ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA”

(Estrofe d’um verso de Zeca Afonso)

 


Nasci uns dias antes da assinatura do armistício que ultimava a Segunda Guerra Mundial, que não deixou de não provocar uma crise económica globalizada que se estendeu por alguns anos.  Ainda me recordo das senhas para o bacalhau e para açúcar.

Outros tempos, outras razões. outras linhas de moral. Enfim, outros valores!

 Vivi nesse tempo, sofri nesse mesmo tempo, mas não deixei de desfrutar de algum prazer ao ter vivido nesse período. Aprendi muito com os sacrifícios impostos pela conjuntura da altura, não obstante a minha desbarbada maturidade e imponderada reflexão. Era novato! Apesar de ser um monte de argamassa ainda por moldar, a minha capacidade de observação já estava geneticamente traçada; porém, ainda não polida. No entanto, a sua robustez e moldagem, com as quais ainda hoje me sinto confortável, tenho de reconhecer serem consequência das complexidades que atravessei. Ou abrolhava a vivacidade ou capitulava. Optei pela primeira, ainda que algo “defeituosa” - reconheço.

Se me fosse perguntado, “gostarias de voltar a viver naquele tempo?” é certo que responderia que sim, evidenciando a minha faixa etária naquela altura, em que a loucura e o sonho me iam alimentando a emoção; mas, é provável que respondesse que não; porque as lições foram duras e baseavam-se estritamente, no exemplo e na prática desses mesmos padrões.

E se me observassem; “Se fosse no outro tempo, não divulgarias este escrito”; claro que não. Agora posso fazê-lo, mas nada adianto, porque “os cães ladram e a caravana continua” - permitem-me “cantar”, mas não dançam ao compasso da música. Faço-o, não para endireitar o que está e continuará torto, mas mais como um desafogo que me comprime o íntimo.

Naquele tempo, havia ordem, progresso, educação, (não descorando alguns arredios que com umas arrochadas iam ao sítio), civilidade, justiça e alfabetização com credível recheio.

Depois da acirrada luta para manter a minha cabeça erguida e de ter passado por dois estágios de políticas diferentes, concluí que as coisas não foram como as pintam; a minha provecta idade, isso acusa. Enquanto que os “jovens” relatam a narrativa que lhes é contada, não por historiadores, mas por tendenciosos cuntadores d‘stórias, eu falo com factos vividos e sentidos, e não contaminado por palavras engendradas e fermentadas por meros contistas de algibeira, para se fazerem sobressair nesta sociedade demente, em que a sua maioria é propensa acreditar em tudo, desde que a falácia vá ao encontro dos seus desejos e ambições.

A meu ver, a plenitude da trova, para a época em questão, foi bem concebida e implicitamente censurava actos que não devim ter sido praticados. Por tal motivo, é meu dever louvar esse poeta (e músico), pela corajosa transmissão do seu pensamento, na altura, e pela estrofe que dele recolhi, a qual considero ter sido uma verdadeira profecia, que finalmente hoje se converteu em realidade.

Abençoado Zec’Afonso, e que a tua alma repouse na serenidade celestial (se ela existir), em eterno descanso.

Esta tua estrofe, (não me refiro à globalidade do poema), encaixou com perfeição na altura devida; porém, é, sem dúvida, igualmente apropriada ao presente, pelas propriedades que agrega.

Foi um poema arrancado do fundo do teu espírito sublime e emotivo, destinado a uma época determinada; porém, a estrofe por mim plagiada, tem sentido sim, todavia, noutro período subsequente, que é o actual.

Grato por isso.

 

Naquele tempo, é verdade que não se comia de tudo, mas comia-se tudo; “quando a larica aperta, não há ruim pão”.

Que havia pobreza, é verdade. Contudo, estarei equivocado se disser que nos tempos que correm, e com esta governação, é bem maior? Penso que não. E mais; a pobreza, que infelizmente tem crescido a olhos vistos, tem sido abusivamente usada, como um prestável contributo ou muleta de suporte, nas campanhas eleitorais.  

Prosseguindo:

Hoje é bem pior: comem de tudo (aqueles que podem), mas, no fim, também não comem “nada” – apenas falsificações naturalizadas.

Agora é que, “eles comem tudo e não deixam nada”.

Por causa de toda a forretice a que na altura ditatorialmente fomos sujeitos, após a morte do ditador, ainda sobraram umas “barrazitas” de ouro, e uns valentes alqueires de prestígio no Mundo – sou crente de que não estou a mentir – que foram completamente exterminados com oabrilar” da neo-democracia, que, em toda a “resplandecência” e euforia, assomou à (des)governação deste território, e acabou por provocar um verdadeiro abalo sísmico, que destruiu todos esses valores materiais, éticos e os “satélites” a eles cativos. Tem sido um descalabro, em toda a grandeza que o vocábulo possa abranger.

Não tenho dúvidas e ainda cá me encontro “vivinho da silva”, para dizê-lo.

Portugal é hoje um lacaio da Europa. Como qualquer lacaio, executa o que lhe é determinado sem um cisco de vontade própria; não tem estructura económica sólida – anda sempre de bordão e chapéu na mão na pendichice (transmontanismo=esmolar); ora chega a troika, ora vem a bazuca (mas que bazucada para o povo saldar); a justiça anda rastejante e perdeu credibilidade (só tem força para a arraia miúda); os membros da governação estão protegidos pelo privilégio da imunidade em podem fazer a “cagadas” e “burricadas” que entenderem, que nada lhes sucede; não têm necessidade de criar galinhas, patos ou perus, (como no tempo do “ditador”); porque, além da remuneração que auferem, acrescem as “alcavalas” - mais do que o suficiente para se darem a esse “desprestigiante” trabalho de “caca de galiáncios”, (veja-se Deputados - Estatuto Remuneratório para 2022).

Não vale a pena acrescentar mais ao que sobejamente todos conhecem, uma vez que já me sinto esfalfado. Mas, só mais um minuto para dar por ultimada a sessão edificada no alvalade do meu espírito descontente.

Se temos os cofres vazios e andamos a esmolar, só posso concluir que o considerável aforro legado pelo ditador, foi perdulariamente dissipado, abusivamente desviado (p’ra num dezer extorquido), ou sofregamente ingerido – não por vampiros, mas por abutres oportunistas e sem consciência.

Agora sim, depois deste preâmbulo de malhanço, já concordo com Zec’Afonso.

Ao acreditar cegamente no populismo, e com a chave do nosso voto,  “se lhes franqueia as portas” à entrada

 

Eles comem tudo, eles comem tudo,

Eles comem tudo e não deixam nada”.

 

Certinho, direitinho.

 

António Figueiredo e Silva

http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

Consultar:

Do Estatuto dos Deputados  

(1)  Nos termos da Lei n.º 4/85, de 9 de abril de 1985 (1), até outubro de 2005, os Deputados tinham direito a uma subvenção mensal vitalícia a partir do momento em que cessavam as funções de Deputado, desde que tivessem desempenhado essas funções pelo menos durante doze anos (o equivalente a três legislaturas) (2). Este regime foi revogado pela Lei n.º 52 A/2005, de 10 de outubro de 2005, contudo, ainda se encontra em vigor para os Deputados que, no momento da sua revogação, já tinham conquistado o direito de beneficiar de tal regime (ou seja, já exerciam funções há doze anos ou mais).

 

2 comentários:

  1. Tem muita razão. Aquilo que se passa hoje é tão lamentável, que só acredita quem tem vivido esta situação. Parabéns por ter coragem de dizer aquilo que muitos pensam, mas não se atrevem a dizer (apesar da democracia que temos ).

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