segunda-feira, 16 de agosto de 2021

INAUGURAÇÕES

 

 

 

Não há nobreza na destreza de quem

não sabe por limites à sua esperteza.

(Élis Rocha)

 

INAUGURAÇÕES

 


    É um prazer quase que divinal, para determinados mandadores, mostrarem-se à populaça com toda pompa e cagança. Para isso, transformam coisas banais em actos de solenidade onde o ridículo é indispensável. Enjambram o nó da gravata (de seda, claro), num toque de puro narcisismo, e lá aparecem para o evento, de favolas arreganhadas até aos lóbulos das orelhas. Uma inauguração!...

Antecipadamente gatafunharam (ou escreveram para ele, pois muitos nem escrever sabem), num “papel-de-embrulho”, meia dúzia de termos bonitos e vibrantes, mas desocupados de recheio, onde são aplicados também uns quantos vocábulos já muito polidos pelo uso, e lá vai o marmanjo para a efeméride, onde meia dúzia de bajuladores, lambe-cus e pategos, com caras de macambúzio, que pacientemente aguentaram o atraso da sua chegada, na mira de um hipotético favorzito ou promessa de tal, fazem o favor de prestarem uma audição surda, finalizando com um ensurdecedor bater de palmas, senão mais, para enxotar os pássaros das redondezas.

Actualmente tem havido falta de obras colossais, que realmente mereçam as ditas inaugurações. Porém, à falta de melhor, num empenhado rebusco por todo o território nacional, sempre se tem arranjado umas lápidezitas para pôr ao sol e à chuva a ganhar algas e se poder dar continuidade às inaugurações com firme propósito de que este cerimonioso ritual não seja varrido das nossas monas por amnésia temporal, - o que interessa são as intenções. Nesse sentido, inventam-se uns jardinzecos, uns pombais, uns ecopontos, uns minguados alcatroamentos, mais umas pontes pedonais e ciclovias. Isto porque ainda ninguém se lembrou de inaugurar umas casas de alterne, umas alcovas de tias, umas pocilgas para bácoros ou uns canis para os amigos do homem, ou mesmo umas latrinas públicas, que, além de servirem para o efeito, diga-se de passagem, até fazem muita falta para o cidadão mais desafortunado, quando em aperto fisiológico e que não dispõe de dinheiro para tomar um bagaço ou uma bica, (ou ambos), aproveitar para fazer uma mijinha e sacudir os pingos excedentes, gratuitamente.

Todos estes predicados afiguram-se naturalmente hilariantes e ridículos, mas o certo é que, quase sempre, surtem o efeito desejado. Tornam os inauguradores mais colunáveis. Isso aumentar-lhes-á a popularidade e, no caso de serem inaugurações de latrinas, se eles fizerem um donativo do erário público para o papel higiénico, então... é um gajo porreiro, pá!... Aí merece o nosso voto.

Também me quer parecer que as coisas agora estão melhores para isso; aqui há uns bons anos atrás, de vez em quando inaugurava-se uma “pontezeca” (como a antiga ponte Salazar), sem piada nem préstimo nenhum. Actualmente não é assim; temos governantes que já inauguram estilosos pombais e no meio de arrulhos de presunção lá deixam algum para encher os papos aos animais que por lá ficaram a habitar (?!).

Ao que consta, ainda há uns tempos, o ministro do Mar, – para quem não saiba, é aquele que comanda as “ondas e as marés” – fez a inauguração de um ECOPONTO, vulgo, Caixotes do lixo, em Cascais.

Isto é que são obras de grande envergadura – plastificada –, merecedoras de apoteóticas inaugurações! No fim devem ser bem azeitadas e temperadas com uma boa pinga, a debitar na conta do Zé.

Vinham mais inaugurações, “cu” Zé aprecia.

 

 

António Figueiredo e Silva

Chaves, 16/08/2021

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

                Nota:

Faço por não usar o AO90.

 

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