sexta-feira, 18 de junho de 2021

RECORDAÇÕES V

 

RECORDAÇÕES V

(Força Aérea Portuguesa)

 


A viagem até Nampula, foi um algo acidentada, devido à turbulência gerada pelas diferentes temperaturas das camadas de ar em circulação naquela área geográfica. Apesar de tudo, foi suportável. Eu era novo e meio tresloucado, e no meu sistema hidráulico sanguíneo, a adrenalina gerada, manifestava-se em grandes “borbotões” que instigavam o meu à cérebro (não sou acéfalo), à descoberta e à aventura – pobre mioleira juvenil! É dessa pobreza de espírito (porque é), que os altos medalhados se aproveitam para fazerem guerra e ganharem comendas, sem dispararem um tiro – realidades da sociedade e da vida.

Retomando o fio à meada.

Havia também um certo ruído provocado pelos motores, - se fosse hoje, Ministério do Ambiente teria reprovado o avião - à mistura com o chocalhar de latas velhas, que fazia lembrar uma Steel-Band. Todavia isto era normal. Para um militar, qualquer rede pendurada no interior da fuselagem era um assento, qualquer superfície em forma de penico, também o era, e qualquer estrutura em “ferro velho” suportada por um par de asas, um estabilizador e uma deriva vertical era uma aeronave.

A brincar ou a sério aquelas geringonças aladas, (de vários modelos), lá levantavam vôo, e quando era indispensável “costuravam” com as metralhadoras, desembaraçando clareiras ocupadas, disparavam uns rockets, lançavam umas bombitas, e, em dias festivos, pacificamente, até faziam meia dúzia de piruetas para animar a malta e abrir a boca aos palermas dos machambeiros.

Apesar de tudo, nunca me constou que quando algum por não lhe “apetecer” voar, tivesse ficado lá em riba. Vinha logo parar cá a baixo; até porque o piloto já sabia que no ar, os hospitais eram inexistentes.

Aqueles “calhambeques” voadores comparados com os aviões de hoje, eram como uma bicicleta-motorizada, comparada com um BMW.

Enfim… era o que havia nessa altura, e lá nos íamos remediando; e à porra e à maça, safando o nosso pêlo, a honra da Pátria e da sua bandeira, que lá fora, imberbes sacanas e traidores, iam denegrindo e espezinhando.

...O avião começou a baixar e os efeitos da pressão atmosférica a fazerem-se sentir nos tímpanos, “abram a boca qu’isso passa, seus cavalos”, vociferou o calhau de um sargento. Realmente foi uma “bacorada” que até à data não me esqueci. O “sorja” era mesmo inteligente e dinâmico – pelo menos na linguagem!... Não sei bem como, porque no serviço militar, a inteligência diminui na razão directa do aumento do número de divisas – há ocasiões em que até com os galões isso acontece.

Bem, vou deixar-me de patacoadas, pois estou com temor de que algum “chico” saiba interpretar estas letras e vá logo chamar-me de “cavalo” e colocar-me na posição de sentido.

Vinte e seis de Junho de mil novecentos e sessenta e três.

O “Barriga-de-jimguba” lá foi baixando, e eu, com cara de palonço, a olhar a paisagem que para mim era nova, quase nem dei pela aterragem executada com proficiência, sobre uma larga “estrada” de terra batida, de côr avermelhada, que mais tarde viria a ser uma pista. O aeroporto de Nampula, andava em construção e o próprio Aeródromo ainda não estava provido de um hangar.

Os aviões ao aterrarem e ao descolarem, levantavam um pó ruborizado que aos poucos ia tingindo tudo à sua volta, desde arbustos às plantas rasteiras que ladeavam a “pista”, até às bananeiras mais distantes.

Chegados à gare, eu e os meus companheiros de viagem desembarcamos. Olhei em redor, vi quatro ou cinco DO-27 (Dornier), três ou quatro T-6G (Harvard´s) e de momento era esta a nossa frota bacalhoeira para o “ataque” ao terrorismo quando ele surgisse. Estamos armados até aos dentes - pensei eu – e interiorizei um sentimento de caçoada.

Nem um hangar havia para fazer as inspecções! Mas depressa fiquei a saber que aos “aparelhos de guerra”, eram feitas colocando um toldo de lona sobre os motores e as carlingas, quando rebentavam as celebres e repentinas tempestades tropicais, que eram copiosas na pluviosidade, mas parcas no tempo de duração.

O clima africano era assim.

 

António Figueiredo e Silva

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

 Nota:

Faço por não usar o AO90

 


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