MOÇAMBIQUE
(Sobrevoando Mueda, sobre as asas da saudade!)
Subsistem
cronografias que para aqui não vou trasfegar, como é compreensível; não porque
sejam factos que não possam ser relatados, todavia, não devem ser impressos ou
gravados, por serem passíveis de suscitar especulações indevidas que poderão
descambar em errados ou injustos juízos de valor.
Quando, depois de haver chegado a Mueda,
iniciei as minhas “passeatas aboadoras” suportadas pela aerosfera
daquele altiplano, ia observando de cima para baixo e ao redor, até onde o
olhar conseguia descortinar, e sentia que havia uma fusão concertada entre a
exuberância, a perigosidade e o mistério.
Era verdadeiramente maravilhosa aquela enorme
tela verde natural que cobria o chão até perder de vista! Aparentava dormir a
céu aberto, “pacífica e tranquilamente” respirando na paz dos deuses! Porém,
uma serenidade enganadora; porque albergava por baixo um movimento frenético e
diversificado de vida, e, em situação de emergência, parcos eram os espaços que
permitissem um pouso seguro; enigmática, uma vez que nos era desconhecido o
sítio, do qual podia sair à rédea solta, um projéctil, apostado em nos limpar a
“gaivota” que nos transportava, e, juntamente com ela, o nosso “sarampo”. Mas
devo dizer que naquele tempo, a idade da “maluqueira”, isso não nos passava
pela cachola; a adrenalina bloqueava as sinapses neuronais e alguns dos nossos
sentidos ficavam inertes, não obstruindo, contudo, o sentido de missão.
Nos meus passeios “flutuantes”, houve uma
realidade que fui observando do ar, nos deslocamentos aos diversos locais em
missões de serviço; por cada vez que passávamos pelas mesmas rotas, pequenas
“machambas” (terrenos cultivados), aumentavam constantemente as suas áreas
de cultura.
Às vezes, cortando o ronronar do motor, só
dizia para o piloto que no momento ia agarrado ao “pau-de-comando” da aeronave,
minha companhia e “protector” da nossa segurança; “acho que estes gajos andam a
fazer muitas culturas, certamente para se abastecerem, quando começarem a
traulitada a doer”. É natural que sim (ou coisa semelhante), respondia.
Mais tarde, comprovei não me ter equivocado.
Foi isso mesmo que aconteceu.
A logística era-lhes (aos “turras”), somente
necessária para o abastecimento de armamento e munições que podiam ser
transportadas à cabeça, durante a noite, e até de dia, por carreiros que a
majestática nobreza da floresta, do nosso olhar escondia. Paparoca, havia com
fartura, por todos os lados. O chão era extremamente productivo mesmo sem
semear. Na mata arborizada, a Natureza espontaneamente providenciava para que
nada faltasse a quem conhecia a floresta – como os nativos daquela região,
“turras ou não. O bosque africano é um verdadeiro pomar; não é composto de
tojo, carqueja, giestas, touregas e zimboros; há muita comida – assim a
saibamos descortinar.
Proteínas também havia à fartazana, porque a
carniça nunca escasseava; andava por lá ziguezagueando, aos pinotes e aos
saltos, comendo-se uns aos outros, sob a implacável rigidez das normas da selva
- “a lei-do-mais-forte”. Era só engendrar maneira de caçá-la, sem se deixar
caçar.
A título de curiosidade; conheci um livrinho
de sobrevivência que era distribuído aos pilotos, onde, em desenhos a preto e
branco, eram mostradas diversas plantas, raízes e frutos comestíveis, com os
quais podiam apaziguar a fome, se alguma vez tivessem o azar de serem
atingidos, ou se, por outras razões, se vissem obrigados a procederem a uma
aterragem de emergência; até havia uns arbustos que davam uns pequenos frutos
redondos, de casca avermelhada, que, metidos na boca e mascando-os, sustinham a
sede – cheguei a prová-los e pude sentir
a sua acidez coagia as glândulas salivares a labutar.
Ainda hoje estou crente de que o verdadeiro
Paraíso foi criado em África, que a ganância Humana, transformou num autêntico
Inferno.
Para desfechar esta síntese, vou terminar com
o fragmento de um sentido poema de José Leonardo Pinto, que aos comandos de um
helicóptero, andou a peneirar pelos céus de Mueda, por onde eu, anos atrás,
havia voejado - e com muita sorte estou aqui para historiar.
Porquê escolher a
guerra,
essa luta
indecente,
que assassina e
sacrifica
o nosso irmão
inocente?
Que mata por
ideal,
que mata em nome
de deus,
que mata em seu
próprio nome?
Isto diz tudo.
António Figueiredo e
Silva
Coimbra, 09/03/2021
www.antoniofsilva.blogspot.com
Nota:
Por enquanto, faço por não usar o AO90
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