quinta-feira, 4 de março de 2021

O "CABOUQUEIRO"

 

“A cidadania sacia-se na própria fonte onde o povo mitiga

a sêde de saber, de cultuar a própria história

 e de honrar os seus heróis”.

(Reinaldo Ribeiro)

 

O CABOUQUEIRO

Carta ao meu amigo Zé (XI)

 


Ao tempo que não te dou notícias minhas, já sei que pensaste que me havia dado o berimbau. Para teu contentamento, devo dizer-te que ainda não, e a prova evidente é que sou eu mesmo que estou a escrever esta epístola e estou ciente de que mantenho a minha peculiar pancada.

Então e tu, como tens andado? Espero que bem. Também és um safardana dos diabos; nunca dizes nada. Se não for eu a fazê-lo, chapéu!? Bem, já sei que és de poucas falas, e eu também só me lembro de ti, quando sinto carência em descompactar a minha flatulência emotiva.

- Lá vem este gajo com as suas peculiares boboseiras – dizes tu; desta vez que nova tempestade virá?!  Se foi isso que pensaste, estás certo.

Então vamos à derriça. Porém, antes da “paulada”, faço questão em colocar uma frase que, não sendo da minha autoria estou em consonância com o seu criador; A vida só pode ser compreendida, olhando para trás; mas só pode ser vivida, olhando para frente.” (Soren Kierkgaard).

Sabes muito bem o que é um cabouqueiro, não sabes?! No nosso tempo eram pessoas simples, honestas e trabalhadoras, a quem a sorte na vida pouco protegia; uns pobres diabos, que que agarravam a essa profissão “ingrata” para   manterem a sua prole, por norma grande (ainda não havia televisão), à custa de muita sudação e sacrifício, sob o risco de ficarem soterrados por baixo dos escombros das suas demolições. Desditosos!

Agora, com as mudanças na climatologia política social, essa profissão já é tida como pertença de alguns fraldiqueiros da nossa aristocracia falhada - que certamente não deixa de não ser bem remunerada – apostados em roer-nos parte dos capítulos da nossa longa e interessante História.

“Atão num” queres “ber”, que apareceu recentemente umcabouqueiro” a cobrear por entre cascalho da nossa sabuja política, apostado em desmantelar o Padrão dos Descobrimentos, para usar o entulho no calcetamento de alguns buracos nas ruas de Lisboa?!

Claro que este, não é um inofensivo cabouqueiro como os de antigamente. Este lapardas, está a “caboucar” para arruinar o nosso arcaico passado histórico. Na sua enfezada mente de “cabouqueiro”, alguns símbolos representativos do grande historial do Mundo Português, são para derrubar. Um dos que está na mira da sua picareta, é o Padrão dos Descobrimentos.

Achas que este morcão, que devia ter sido despachado dentro de um preservativo no Pinhal de Leiria, tem algum lampejo de patriotismo? Saberá aquele zagorro, que o passado, a língua, o território e a bandeira, são as particularidades que atestam a identidade de um povo? Terá ele o conceito do que é defender um símbolo nacional? Eu acredito que não.

Mas olha; ainda por cima adjectivou aquele monumento com um vocábulo que assenta bem a ele próprio (ao cabouqueiro); “mamarracho”.

Sim, porque ele é um mamarracho, na erudição e na maneira de pensar. É caso para dizer: pobre Pátria, que tão ingrato filho abrolhou! – Mas sei que não é único, infelizmente. Existem p’raí uns quantos.

Os monumentos, independentemente do que representam de bom ou de mau, fazem parte da nossa história – já não digo da dele. Uma nação – ou filho dela - que renega o passado histórico, é filho/a bastardo/a do Mundo. Um apátrida. Um cosmopolita. Logo, todo o cidadão que enverede por essa via, merece ser considerado como tal; um filho bastardo de qualquer nação.

Se assim entendo, cidadania consiste em ter o direito a ter direitos, não excluindo, contudo, o cumprimento de deveres. No meu entender, não deveria ser permitido a este “cabouqueiro”, a este “mamarracho”, ocupar a posição que ocupa, nem ter direito aos direitos concedidos, como a qualquer cidadão, que se preze de o ser.

Vejo na expressão desse “mamarracho” politiqueiro, um atentado soez às proezas dos portugueses no Mundo e um ultraje a Luís de Camões, que “cantou”:

 

 As armas e os barões assinalados,

Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

 

E agora “canto” eu:

 

Se da sepultura, lograsse levantar-se Camões,

Apesar de ter só um ôlho, mas ser macho,

Com coragem, nobreza e justas razões,

Degolaria a insolência do “Mamarracho”;

Por ter ofendido a nossa bravura,

Remetendo-a para o caixote do lixo,

Não tem direito a qualquer benzedura,

Um “Cabouqueiro”, da laia deste “Bicho”.

(A.     Figueiredo)

 

Olha ZÉ, como podes observar, eu também “canto o peito ilustre Lusitano”; para que todos os “cabouqueiros” e “mamarrachos” entendam o orgulho e a profundidade do sentimento pátrio, que representa tudo o que se relaciona com a História, boa ou má de um povo. Neste caso, o Povo Português.

Prezado Amigo. Se sentes as coisas como eu, sai do teu enclausurado silêncio e bota cá p’ra fora, bolas! Desempanturra!

Com adeus, escoltado por um grande abraço de consideração, despeço-me de ti.

Até qualquer dia, Zé.

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 04/03/2021

 

http://antoniofsilva.blogspot.com/

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

 

 

 

 

 

 

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