quarta-feira, 10 de março de 2021

JULGAR СУДИТЬ TO JUDGE URTEILEN

 

  “Só quem entende a beleza do perdão,

 pode julgar seus semelhantes.

(Sócrates)

 

JULGAR

(Escrita em 2003)

СУДИТЬ

TO JUDGE

URTEILEN

 


É um acto manifestamente melindroso, onde a verdade factual e a suposição estão separadas por um fio. O castigo e a absolvição são companheiros inseparáveis, divergindo apenas o seu paralelismo pelo trânsito em julgado, que tem sempre a possibilidade de ser justo ou injusto; porque, a matéria de facto é muitas vezes distorcida na sua forma, pela configuração como é apresentada, impondo desse modo, a linha sinusoidal na imparcialidade do ser humano que julga. Se este não possuir uma experiência de vida bastante causticada, pode ser levado a errar na medida penal a aplicar, em relação à ilicitude cometida, ou mesmo penalizar a inocência.

É certo, que ao ser humano é dada a possibilidade do erro; mas, quando das consequências desse erro puderem advir penitências alarmantes, que possam ser consideradas superiores àquelas que o acto ilícito cometido poderia eventualmente exigir para a sua remissão, já é manifestamente um julgar por excesso, o que, de certo modo, põe em causa a rectidão do julgar.

Quem julga tem que estar à altura de suportar uma dor de calos, uma noite mal dormida ou mesmo uma variação climatérica; tem de possuir uma personalidade de tal maneira vincada, que permita ser resistente às arrasadoras pressões exteriores, que não são tão desprezíveis como se possa imaginar.

Julgar é um acto que carece de determinação, ponderação, imparcialidade, e grande formação moral e cívica, e, além disso, estar envolvido numa frieza que lhe permita resistir à tentação de viver os problemas da consciência do “desgraçado” que, submisso como um boi que vai para o matadouro, baixa a cabeça em submissão e medo à cátedra judicial. Isto, para que não subsistam problemas de consciência a quem julga. Resumindo: possuir grandeza na alma. Este é o atributo mais necessário a quem julga, porém difícil de encontrar – de maneira alguma pretendo banir a sua existência.

E porque a filosofia da lei não tem uma realidade e uma solidez absolutas, e a sua relação entre o acto praticado e a punição adequada também obedecem a critérios, é que resulta a dificuldade em julgar, mesmo perante a existência de uma verdade comprovada. Se assim não fosse, não haveria necessidade alguma da nomeação de causídicos para os criminosos comprovados.

Conheci um juiz desembargador, por sinal já falecido, que fez o favor de ser meu amigo, e certo dia em amena conversa lhe perguntei:

- “Dr. Pinho, se um dia tivesse que julgar um réu seu amigo, o que faria”?

- “Tirava o casaco e deixava-o dependurado no cabide” – respondeu.

Estas palavras ficaram-me para sempre gravadas na memória e várias vezes me são recalcadas, não só porque muitos julgadores se esquecem de tirar o casaco, como ainda enfiam uma “albarda”, no esforço de protegerem a hipotermia da sua consciência angustiada.

 

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 07/07/2003

http://antoniofsilva.blogspot.com/

  

 

 

 

 

 

 

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