Os poucos
amigos que tenho, procuro valorizá-los.
Porque
nesta sociedade egocêntrica,
são
tesouros difíceis de encontrar.
(António
Figueiredo e Silva)
A
BAZÓFIA
Nos
primórdios, possuir uma “faca” de sílex ou ter uma moca maior do que as dos
outros, já eram razões determinantes de poder, ainda que nessa altura a cabeça
tivesse necessidade de colocar os pensamentos no chôco, antes de os fazer
eclodir.
Não
faço a mínima ideia, mas imagino a balbúrdia que devia ter havido entre a
“macacada erecta”, quando apareceu o primeiro “símio” do bando, de barba
comprida e conspurcada, enrolado numa pele de urso ou cabra, incensada por fedorento
cheiro, a rolar um pequeno calhau com um buraco no meio, que lhe havia caído em
cima da cabeçona e lhe provocou um abalo telúrico na mioleira que originou a
abertura de uma brecha na percepção, até esse momento, ainda em selvagem e relaxada
apatia.
Incrédulo,
meio zonzo e com cara de parvo, usou os dedos imundos para tactear a
ensanguentada galadela, e aproveitou para aliviar a comichão provocada pelos
piolhos roliços e bem alimentados que jornadeavam na sua floresta capilar,
enquanto olhava, com interrogativa curiosidade, para aquele obecto que lhe ia
dando cabo da “cornadura”.
De
repente, deu conta de que ainda existia. Grunhiu duas ou três vezes, agarrou num
tosco ramo de árvore, passou-o pelo buraco, firmou-o entre as manápulas peludas
(uma de cada lado) e começou, arqueado, a rolá-lo e a correr esbaforido, mas
feliz, ao mesmo tempo que bramia para o vizinho mais próximo, “eureka” *Galhão!
Eureka, Galhão! A miiinhaaa rooodaa! Inventei a rooodaa, Galhão!!!
Foi
um acontecimento fora de série, que ocasionou de imediato uma posição de
chefatura, e, como normalmente acontece, gerou uma inveja incontida e mordaz,
porque todos queriam possuir uma roda igual ou semelhante; mas não só!? Quando
o viam a passar, todo empolado pela criação do seu engenho, também ansiavam
subir de posto para poderem expor uma vaidade, já não igual, porém, superior - mesmo
que os utensílios fossem mais pequenos e de mais fraca qualidade - característica humana.
Estavam
inventadas a naifa e a roda! E, consequentemente, a vaidade e a inveja, que a partir
desse momento nunca mais pararam de aumentar, porque no início do caminho se
lhes deparou a parvoíce; esta foi o
fermento que faltava para o seu empolamento - na maioria das vezes prescindível
– e que, até aos dias de hoje não parou de aumentar na sua volumetria.
Estavam
assim inventadas além da vaidade e da inveja, mais uma característica; a parvoíce. Embora não sendo
a mesma coisa, completam-se e impulsionam-se entre si, ganhando terreno no
campo fértil da fraqueza de espírito de muitas pessoas do Mundo moderno.
O
exibicionismo
é mesmo a arma dos fracos, dos incompetentes e dos falhados; daqueles que,
reconhecendo a insignificância e a tacanhez da sua mentalidade, teimam em
mostrar o contrário; por vezes pontapeando e atropelando ou manchando com
incontidos erros de faladura ou arrufos de fúria, as suas relações familiares e
sociais, com maneiras de pensar e de agir, à laia da idade da pedra lascada,
valendo-se de uma esperteza salóia, que lhes está estampada na alma e não os abandona,
nem quando vão à cagadeira.
A
vaidade, é a maneira mais
imbecil de se exibirem as criaturas de mentalidade reduzida, ou mesmo, tapada, pois
estão convencidas de que “o hábito faz o monge” – um erro. Mal
abrem a bocarra para a regurgitação da sua tacanha verborreia, estragam toda a
farpela que as embeleza, por mais lentejoulas que ela possa conter.
É
evidente que não devemos impedir as pessoas de serem presunçosas, mesmo que se sintam
emocionalmente depauperadas para o fazer, mas devemos procurar distanciarmo-nos
delas, porque dali só pode borbulhar crueldade e fingimento encapotados, unificados
por cordões de egoísmo, na sua mais clara essência. Sendo que, a meu ver, a
pessoa doentiamente vaidosa, não é mais do que uma alcova claramente destinada
à prostituição da modéstia.
Aqueles
que imprimem exagerada presunção e importância na maneira como que se
apresentam – ou tentam apresentar-se – encarnam a distorção real do reflexo do
seu estado emocional depauperado por agrestes recalcamentos, os quais tentam
esconder do sentimento crítico e implacável da comunidade. É uma forma de
defesa própria débil, porém, perceptível, mas não deixa de ser também, um meio
de protecção genuíno e extensivo a qualquer ser humano cuja alma se encontre
doente.
A
combinação da presunção com a inveja e a parvoíce, torna as criaturas
intragáveis, inconvenientes e mesquinhas, que alguns elementos mais indulgentes
da sociedade vão aceitando, devido a uma flexibilidade hipócrita nata, porém
curiosa, que lhes permite coscuvilhar, mantendo uma determinada “estabilidade”
comunitária, isto é, de boa vizinhança, sem criar grandes confusões – que mais
tarde ou mais cedo, acabam por surgir. Depois de “recolhido o “vómito”, à
margem do conhecimento das pessoas rústicas, imbecilizadas e presunçosas, começa
a descasca. Esta feita por outras de igual quilate, fiéis e tradicionais conservadoras
dos viveiros de maldizer, aos quais beatificamente se consagram de coração e alma.
As bocas-de-alpargata desoprimem-se das suas depreciações em “solenes”
conversas-de-tasca, feitas em venenosa surdina nos cafés, nos salões de beleza -
enquanto limpam o sarro cascos ou desenriçam a guedelha - em tanques para
lavagem de roupa suja (hoje quase extintos), ou em qualquer esquina mais
recatada (mesmo que cheire a mijo), aumentando sempre um ponto à “fábula”, só
para espicaçar. Métodos estes, “jornalisticamente” conhecidos na
nossa gíria linguística vernacular, pela pomposa frase de, “cortar-na-casaca”.
Tudo
isto é prova de que a vaidade desmesurada, é sempre a indiscutível garimpeira
da pobreza; se não é penúria material é miséria espiritual – ou ambas, se o “Sapiens”
houver sido baptizado pelo infortúnio. Azar dele!?
Por
este andar, tudo me leva a crer que estamos a caminho de atingir novamente o
limiar da pedra lascada. É o recomeço do ciclo existencial!?
A
concluir:
-
Abençoados
aqueles que nasceram sob o manto da temperança e da modéstia, porque alguma paz
universal que ainda existe, a eles é devida.
BEM-HAJAM.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
05/02/2021
http://antoniofsilva.blogspot.com/
*Como
era conhecido o outro “Sapiens” da caverna contígua,
por
sempre se fazer acompanhar, além da moca, de um grande
galho
sêco na outra mão, que usava para defesa ou ataque.
Nota:
Faço por não usar o AO90
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