sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A BAZÓFIA


Os poucos amigos que tenho, procuro valorizá-los.

Porque nesta sociedade egocêntrica,

são tesouros difíceis de encontrar.

(António Figueiredo e Silva) 

 

A BAZÓFIA

 

A ostentação é uma enfermidade que começou a alastrar no mundo, simultaneamente à criação do Homem.

Nos primórdios, possuir uma “faca” de sílex ou ter uma moca maior do que as dos outros, já eram razões determinantes de poder, ainda que nessa altura a cabeça tivesse necessidade de colocar os pensamentos no chôco, antes de os fazer eclodir.

Não faço a mínima ideia, mas imagino a balbúrdia que devia ter havido entre a “macacada erecta”, quando apareceu o primeiro “símio” do bando, de barba comprida e conspurcada, enrolado numa pele de urso ou cabra, incensada por fedorento cheiro, a rolar um pequeno calhau com um buraco no meio, que lhe havia caído em cima da cabeçona e lhe provocou um abalo telúrico na mioleira que originou a abertura de uma brecha na percepção, até esse momento, ainda em selvagem e relaxada apatia.

Incrédulo, meio zonzo e com cara de parvo, usou os dedos imundos para tactear a ensanguentada galadela, e aproveitou para aliviar a comichão provocada pelos piolhos roliços e bem alimentados que jornadeavam na sua floresta capilar, enquanto olhava, com interrogativa curiosidade, para aquele obecto que lhe ia dando cabo da “cornadura”.

De repente, deu conta de que ainda existia. Grunhiu duas ou três vezes, agarrou num tosco ramo de árvore, passou-o pelo buraco, firmou-o entre as manápulas peludas (uma de cada lado) e começou, arqueado, a rolá-lo e a correr esbaforido, mas feliz, ao mesmo tempo que bramia para o vizinho mais próximo, “eureka” *Galhão! Eureka, Galhão! A miiinhaaa rooodaa! Inventei a rooodaa, Galhão!!!

Foi um acontecimento fora de série, que ocasionou de imediato uma posição de chefatura, e, como normalmente acontece, gerou uma inveja incontida e mordaz, porque todos queriam possuir uma roda igual ou semelhante; mas não só!? Quando o viam a passar, todo empolado pela criação do seu engenho, também ansiavam subir de posto para poderem expor uma vaidade, já não igual, porém, superior - mesmo que os utensílios fossem mais pequenos e de mais fraca qualidade - característica humana.

Estavam inventadas a naifa e a roda! E, consequentemente, a vaidade e a inveja, que a partir desse momento nunca mais pararam de aumentar, porque no início do caminho se lhes deparou a parvoíce; esta foi o fermento que faltava para o seu empolamento - na maioria das vezes prescindível – e que, até aos dias de hoje não parou de aumentar na sua volumetria.

Estavam assim inventadas além da vaidade e da inveja, mais uma característica; a parvoíce. Embora não sendo a mesma coisa, completam-se e impulsionam-se entre si, ganhando terreno no campo fértil da fraqueza de espírito de muitas pessoas do Mundo moderno.

O exibicionismo é mesmo a arma dos fracos, dos incompetentes e dos falhados; daqueles que, reconhecendo a insignificância e a tacanhez da sua mentalidade, teimam em mostrar o contrário; por vezes pontapeando e atropelando ou manchando com incontidos erros de faladura ou arrufos de fúria, as suas relações familiares e sociais, com maneiras de pensar e de agir, à laia da idade da pedra lascada, valendo-se de uma esperteza salóia, que lhes está estampada na alma e não os abandona, nem quando vão à cagadeira.

A vaidade, é a maneira mais imbecil de se exibirem as criaturas de mentalidade reduzida, ou mesmo, tapada, pois estão convencidas de que “o hábito faz o monge” – um erro. Mal abrem a bocarra para a regurgitação da sua tacanha verborreia, estragam toda a farpela que as embeleza, por mais lentejoulas que ela possa conter.

É evidente que não devemos impedir as pessoas de serem presunçosas, mesmo que se sintam emocionalmente depauperadas para o fazer, mas devemos procurar distanciarmo-nos delas, porque dali só pode borbulhar crueldade e fingimento encapotados, unificados por cordões de egoísmo, na sua mais clara essência. Sendo que, a meu ver, a pessoa doentiamente vaidosa, não é mais do que uma alcova claramente destinada à prostituição da modéstia.

Aqueles que imprimem exagerada presunção e importância na maneira como que se apresentam – ou tentam apresentar-se – encarnam a distorção real do reflexo do seu estado emocional depauperado por agrestes recalcamentos, os quais tentam esconder do sentimento crítico e implacável da comunidade. É uma forma de defesa própria débil, porém, perceptível, mas não deixa de ser também, um meio de protecção genuíno e extensivo a qualquer ser humano cuja alma se encontre doente.

A combinação da presunção com a inveja e a parvoíce, torna as criaturas intragáveis, inconvenientes e mesquinhas, que alguns elementos mais indulgentes da sociedade vão aceitando, devido a uma flexibilidade hipócrita nata, porém curiosa, que lhes permite coscuvilhar, mantendo uma determinada “estabilidade” comunitária, isto é, de boa vizinhança, sem criar grandes confusões – que mais tarde ou mais cedo, acabam por surgir. Depois de “recolhido o “vómito”, à margem do conhecimento das pessoas rústicas, imbecilizadas e presunçosas, começa a descasca. Esta feita por outras de igual quilate, fiéis e tradicionais conservadoras dos viveiros de maldizer, aos quais beatificamente se consagram de coração e alma. As bocas-de-alpargata desoprimem-se das suas depreciações em “solenes” conversas-de-tasca, feitas em venenosa surdina nos cafés, nos salões de beleza - enquanto limpam o sarro cascos ou desenriçam a guedelha - em tanques para lavagem de roupa suja (hoje quase extintos), ou em qualquer esquina mais recatada (mesmo que cheire a mijo), aumentando sempre um ponto à “fábula”, só para espicaçar. Métodos estes, “jornalisticamente” conhecidos   na nossa gíria linguística vernacular, pela pomposa frase de, “cortar-na-casaca”.

Tudo isto é prova de que a vaidade desmesurada, é sempre a indiscutível garimpeira da pobreza; se não é penúria material é miséria espiritual – ou ambas, se o “Sapiens” houver sido baptizado pelo infortúnio. Azar dele!?

Por este andar, tudo me leva a crer que estamos a caminho de atingir novamente o limiar da pedra lascada. É o recomeço do ciclo existencial!?

A concluir:

- Abençoados aqueles que nasceram sob o manto da temperança e da modéstia, porque alguma paz universal que ainda existe, a eles é devida.

BEM-HAJAM.  

 

António Figueiredo e Silva

Coimbra, 05/02/2021

http://antoniofsilva.blogspot.com/

 

*Como era conhecido o outro “Sapiens” da caverna contígua,

por sempre se fazer acompanhar, além da moca, de um grande

galho sêco na outra mão, que usava para defesa ou ataque.

 

Nota:

Faço por não usar o AO90

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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