Viver é lutar
contra os demónios do coração e do cérebro.
Escrever, é pronunciar sobre si o último
julgamento.
PORQUE
ESCREVO
É
a única via que tenho de alar o meu pensamento e deixá-lo voejar até aos
confins da tela do fantástico e ilimitado universo da ficção, onde posso
divagar abertamente sobre a realidade pura e colher o benefício de poder pintá-la
com as mais distintas cores da fantasia, que podem deleitar ou desgostar, a quem
tem capacidade para compreender o sentido do seu efeito cromático.
Isto é estimulante, porque alcanço chegar
aonde quero, com a subtileza e a suavidade de uma pomba ou a destreza de uma
águia, de garras afiadas e certeiras, consoante o objectivo que me proponho
alcançar.
É através da escrituração que se consegue
universalizar o pensamento, catequizando-o, transfigurando-o e direcionando-o,
para o bem ou para o mal.
A grafia, quando bem conduzida – é certo
nem toda a gente está apta para ser cocheiro – pode fazer do Homem um pequeno
ser divino, ou um infernal Diabo. Infelizmente, ele escusava de configurar o
último critério; porém, é de todos notório, que a mentalidade humana engloba no
seu todo, uma fracção indomesticada, onde a inconsciência é soberana; e quando
essa leviandade assoma às ameias da torre do conhecimento mórbido, a tolerância
esvai-se, ao toque sinistro das campanas do batalhão dos interesses mais
nefastos espalhados por vários elementos da raça humana, cujas causas são
sempre, sofreguidão de domínio e lazeira incontrolável de dinheiro. E o Homem
sofre.
Gostaria eu, que a dissertação escrita,
unicamente reportasse saberes do bem, embora reconheça que isso é fantasioso. É
imaginário, na medida em que seria impossível o reconhecimento de um sem a existência
do outro. A título de analogia; sabemos que existe o branco, perante a presença
do preto.
Reconheço que talvez nem eu consiga executar
com mestria, a proeza de saber escrevinhar, porque sou um producto imperfeito
da Criação. A Natureza assim me concebeu com essa condição, mas bafejou-me com o
sopro da resignação. Gosto de mim, tal como sou. É a lei da compensação
natural. Eu compreendo, tudo fixe.
Neste meu mundo redactivo, em que a intimidade
é ajustada por mim, o que mais bole comigo é ter sempre algo sobre o qual
discorrer. É um espaço praticamente em constante ebulição neurológica, porém,
com átimos de plena calmaria! Bestial! A serotonina descansa – e o meu ego, também!
Escrever é abissalmente diferente de
dictar; as “palavras - como é usual
dizer-se – leva-as o vento”, mas a
escrita é sempre uma baliza de valor intemporal, porém, que cunha uma época
determinada, independentemente do assunto em causa e reflecte o estado de
meditação de quem, naquele momento redigiu.
O poder da escrita é imensamente grande! Pode
aproximar ou estremar criaturas ou grupos, ser criminoso ou admissível, gerar
ódios ou paixões, promover separações ou catalisar uniões, incitar a conflitos
ou apaziguar ânimos exaltados, instigar à rebeldia ou convidar à obediência,
transformar desavença em condescendência, fazer emergir a vida ou prover o
finamento; a energia da sua possança não queda por aqui; a capacidade da
escrita é de uma fortaleza tal, que pode dividir nações, juntá-las ou destruí-las.
Porém, é como tudo; para se chegar a algum
lado, é definido começar-se pelo princípio. Existe quem não consiga fazê-lo,
porque no espaço da escrita, “o seu início começa por baixo” e muitos, foram e
continuam, “assolados por infernais dores nas cruzes”, outros, por razões
várias, infelizmente, não foram bafejados pela oportunidade e outros não se
deram ao trabalho de a procurar – este, o caminho mais curto para a atingir cegueira
intelectual.
Com a minha expressão de que “o seu início
começa por baixo”, pretendo referir-me a: alfabetização, leitura, compreensão e
redacção. Seguidamente, é como a música, cada um dispõe os vocábulos como
entende, para materializar a harmonia ou a discórdia que ambiciona – ou que não
deseja!? – derivando daí, os vários estilos que podemos conhecer.
Subsiste, contudo, uma pequenina pedrinha
de sal de ínfima dimensão, sem a qual a escrevinhança não tem sabor e muito
menos, algum sucesso; a essa pedrinha de colorêto de sódio, chama-se dom. Sem
este legado, berimbau!? Aqui, a questão fundamental, é que essa herança é
genética e não pode ser comprada. É passível de ser facetada, polida e
aprimorada, mas tem de o ser, antes de existir -
um errante com as pernas cortadas, não pode caminhar; com elas poderá vir a ser
um grande atleta.
Para concluir, este paradoxo: o Mundo
material, por necessidade, criou o Mundo da escrita; por sua vez, a evolução
desta, constrangeu o Mundo material, à semelhança de um satélite, a fazer o seu
giro elíptico e a fluir em torno do Mundo da escrita, e não o inverso. O seu
fundo, sem dimensão, é extraordinariamente aliciante e misterioso, pelo segredo
que o circunda; desvendá-lo e transferir as cogitações para fora desse Universo
místico, é privilégio de quem escreve. A escrita pode ser de cariz objectivo ou
disfarçado. Este “disfarçado”, é para quem gosta e possui a capacidade de saber
ler nas entrelinhas, onde está protegido o refúgio da realidade; a verdadeira
essência da intocável implicitude da escrita. É a característica que dá origem
às mais variadas interpretações, aos mais diversos conceitos, e, além de tudo,
muitíssimas vezes determina a colocação da inocência no lugar da penalidade,
quando alguma questão mais azeda, ranhosa e salmourada, é conduzida aos Sinédrios,
que, apesar de muitas vezes uma escrevedura não explicitar uma verdade, porque
ela está apenas implícita, esta, não deixa de o ser, aos olhos dos Doutores da
Lei; porém, a força de prova fica de tal modo fragmentada, que e essa implicitude
conquista o, “in dubio pro reo”. É
frequente, não é?
Ora bem, como o sol já se pôs, só quero
escrever mais “duas ou três” palavras: não é minha pretensão afirmar que o saiba
fazer, contudo, a matéria que até aqui, por mim foi argumentada, sobejamente
justifica a razão primeira, PORQUE ESCREVO.
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 20/05/2020
Obs:
Não
uso o AO90
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