sexta-feira, 8 de maio de 2020

AO MEU AMIGO ZÉ-X


AO MEU AMIGO ZÉ–X
(Carta fabular, aberta)

Zé, meu Imponente e Estimado Amigo. Meu poço sem fundo p’ós meus desafogos. Olha, vou iniciar minha prosa com a frase que se segue, que infelizmente, não é minha pertença:
Só é burro quem se julga inteligente, olha para as evidências e não se assume”.
(Élin Casqueira)

Desculpa-me continuar a aborrecer-te com as minhas bacoradas, porém, como ultimamente me tenho dedicado à vida monástica por causa da actual pandemia, sinto um vazio dentro de mim, do qual já estou cheio, e, se não desabafo, parece que até os miolos me rebentam.
Ei sei que ainda há pouco tempo te escrevi e ainda não obtive qualquer réplica tua; mas, reconhecendo que és um “bandalho” - tu sabe-lo bem – e não suportando o silêncio que me embrulha e abafa, grama lá mais esta e atura-me novamente mais um bocadinho – enquanto puderes e tiveres pachorra p’ra isso.
Claro que não é nenhuma novidade p´ra ti, porque sabes que eu sempre tive uma louquice pelo gado jumental, embora não saiba explicar porquê. Esta alienação, se assim podemos considerar, levou-me a recolher e sustentar umas récuas deles, que agora, lhes deu p’ra fazerem uma algazarra danada, entre zurros e coices, que estão a afectar a minha paz de espírito, que não me deixa dormir. 
Ó Zé, tenho-me sentido imensamente azeviado, com o estardalhaço, que nem queiras saber. Não sei que raio de bicho lhes mordeu; estão irrequietos, zurram por tudo e por nada, não se entendem entre si e desatam aos coices numa explícita batalha burrical, dando-me cabo das casqueiras do hemiciclo que construí pr’ós albergar. Isto não é forma de agradecimento que se tolere, porra!?
É que agora, esta cambada de burros, cismou em não puxarem todos para o mesmo lado, e a “carroça” pode virar-se, acarretando-me sérios entraves e grandes prejuízos. Dizem-se protegidos por essa coisa, essa trêta, ou lá o que é, do PAN - que não faço a mínima ideia do que quer que seja. Mas e1stou com algum receio. Eu queria saber se tens alguma opinião p’ra eu os convencer ao encontro da minha ideia p’ra manter a harmonia entre eles; os sacanas estão firmemente agarrados ao comedouro e não querem saber das minhas palavras p’ra nada. Ah! E nos momentos de paragem, depois da pança empalhada, só sabem zurrar, escoucinhar e mandar uns arrotos mal cheiros pelo traseiro, que por algum erro da Criação, se situa nas suas cabeças. Imagina o que por lá vai. Não estejas p’raí idealizar imagens abortivas, porque não é nada do que estás a pensar, mas p’ra lá caminha; são burros híbridos e eu não sabia. Escolhi mal. São cá de uma de uma cêpa, que agora, venha o Diabo e escolha.
 Eu não consigo impor a segurança na corte. Tu sabes que eu tenho um grande número deles, de raças e cores diferentes; ora esse é um dos principais problemas; até porque no zurrar são diferentes, constitui também um entravo ao entendimento.
Se um burro rouba a palha ao outro e tento castigá-lo, toda a burricada da sua côr se revolta a zurrar, com um levantamento de patas, desprestigiando a minha autoridade, validando a inocência do burro tido como prevaricador, argumentando, contudo, a favor sua “inocência” duvidosa. Naturalmente deve ser do teu conhecimento, porque também lidas com eles, e há muito mais tempo do que eu; os asininos são manhosos! E perigosos.
Já experimentei separar os menos burros dos mais burros – no final são todos burros – para os colocar a submeter toda a récua existente, mas os filhos-da-mãe, quando se apanharam com as arreatas entre as patas, começaram a rilhar os melhores bocados da ração e deixavam uns restritos pr’ós outros - ás vezes nícles.
Uma coisa que tenho observado, é que, mesmo entre os burros, também existem demarcações ideológicas bem vincadas. É p’rali, é p’rali mesmo. Talvez seja por isso que entre nós, humanos, se costuma dizer, “é teimoso como um burro”. Suponho que deve ser por causa disso, não sei!?
Por muito que eu tente por ordem na “estrebaria”, não tenho conseguido, porque, quando pensei – maldita a hora - em decretar uma democracia para todos os burros, a maior parte tem usado e abusado dos princípios estabelecidos, e alguns, declaradamente zurram, que se estão a cagar para os princípios e valores, da liberdade que lhes concedi. Desculpa o vernáculo, mas… puta que pariu, Zé; isto assim não pode continuar.
Depois, sabes, não obstante, pertencerem todos à mesma estirpe, são todos dissemelhantes, mas pela sua asinina maneira de pensar; argumentam que são todos diferentes, mas todos iguais. Já viste este disparate burriqueiro? É que há de tudo; brancos, cinzentos, pretos, trigueiros, amarelos, torrados, malhados ou lisos; imundos, ou mais mundificados; uns felpudos, e outros imberbes. Como é que são todos iguais? Se assim fosse eu nãos os distinguia. É uma cambada, - uma burricada, quero dizer - do caraças; põem o estábulo em estado de sítio, cagam na autoridade, agridem os que querem manter a paz e a segurança da récua. É um inferno.
Havias de cá vir para observares as ocasiões em que os burros mais espertos -  não digo mais inteligentes, porque seria, da minha parte, um burrical atentado inteligência – começam a zurrar, para tentar convencer toda a restante jericada de que palha é erva; muitos, que são menos burros do que aparentam, e não têm antolhos, apercebem-se de que estão a ser logrados e olha… começam os jumentos de cima a insultarem-se entre si, e a coisa vai-se propagando até chegar aos asnos de baixo; é o cabo dos trabalhos; é uma zurraria infernal em que não se entendem; a escoicinhar, zurrar, pintar e a morderem-se uns aos outros, é um inferno.
Quando entram nestas “batalhas campais”, estupidamente escudam e escusam as suas infracções, com recurso a palavras descabidas, como racismo e xenofobia, chulismo e outros zurros terminados em ismo, que não compreendo, mas que são argumentos que nada têm a ver com os crimes cometidos.
Estou tão desorientado, que me sinto na disposição de transaccionar todos eles.
Como a tua herdade é de grandes dimensões e sei sabes lidar melhor do que eu com essa animalada, queres comprar-me a récua toda para juntar à tua? Faço-te um preço porreiro.
Se não estiveres interessado vê se conheces alguém e manda vir ter comigo. Vendo a jumentada toda. Os arreios são oferta mai’la palha que na altura estiver em reserva.
Zé, despeço-me com um fraternal abraço para ti.
Eu e por cá me fico a aturar as burricadas; mas, se me vejo liberto deles, nem vou acreditar.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 08/05/2020
Zé:
Não uso o AO90, mas p’ra ti não faz mal, pois não?



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