AO
MEU “AMIGO” ANDRÉ
(Epístola)
Estimado
Amigo.
Não seria bem principiar este “tecloescrito”, sem te manifestar o meu
desejo de que te encontres em aberta e boa disposição, a gozar de uma saúde de
ferro, porque a vida são dois dias.
André, toda a gente sabe que eu tenho um
amigo chamado Zé, a quem de quando em vez escrevo uma cartita; mas a malta
nunca pensou que eu tivesse também um amigalhaço chamado André, que és tu – é
certo que também não obrigados conhecer todos os meus amigos. Isto é normal,
porque nunca te escrevi qualquer carta, por mais curta que fosse. Olha, pá, também
nunca senti necessidade disso; não leves a mal, mas tenho desabafado com o Zé,
que por ser um bocadinho mais velho do que eu, tem melhor poder de encaixe para
aturar os meus aparolados disparates.
Olha, tem lá um bocado de paciência, mas
hoje calhou a ti, por causa de umas coizitas pouco abonatórias que tenho ouvido
a teu respeito, que me causam acentuada apreensão e que eu gostaria de
deslindar.
Olha lá rapaz; visto que és mais novo do
que eu, pois sou abonado de uma velhice que até poderia ser teu pai, espero que
não te vás assanhar por tratar-te com este à vontade, do tu cá, tu lá.
Afinal, o que é que se passa contigo, que
andam p’raí uns zunzuns depreciativos a teu respeito? Sei que sempre gostaste
de ser obectivo, sardónico e dilacerante, na defesa acérrima dos teus
princípios ideológicos. Será por isso que não te gramam? Será, que és um
empecilho para alguém aí do burgo? Ó André, vê lá se dizes algumas baboseiras
que não sejam verdades, porque afigura-se-me andam p’raí uns marmanjos,
arvorados em carrascos, com vontade de te botar abaixo da burra e guilhotinar-te!?
Vê lá rapaz, tem cuidado. Olha que p´rá arranjares inimigos, - estou como
disse, Matin Luther King - não precisas de declarar guerra; basta
dizeres o que pensas”; e então, se não for
certo, é um caraças. Vê bem no que te andas a meter. Dá-me a impressão de que
andam pr’aí uns peditórios algo estranhos, na freguesia, e desconfio que não
são para os festejos em honra do mártir S. “Sabastião”.
Vê lá, vê lá!?
Bem, como teu amigo, apesar de me pareceres
fiel ao teu pensamento - não é ao meu - e seres um lutador aguerrido na sua
defesa, também te reconheço alguns defeitos, que, como amigo, não tos vou enunciar,
como é óbvio – se os quiseres saber, pergunta aos teus inimigos; mas há um, que
já matutei muito sobre ele, e não vou deixar passar em branco, sem te dar a
conhecer. Tens de ter a calma de diplomata e a sagacidade de raposa, quando sobes
ao palanque da aldeia e em desenfreado êxtase, entras em oratória; discursas
atabalhoadamente; pareces uma metralhadora a disparar; olha que a velocidade e
quantidade das balas podem diminuir o efeito por ti desejado e provocarem só
raspões!? A meu ver, André, isso é um defeito que parece não abonar muito a teu
favor, e assim podes não chegar sequer, a regedor. Tens de ter em mente, - às
tantas já o sabes – que aí na aldeia a porcaria é tanta, que há sempre muita
roupa suja p´ra lavar e existem sempre “lavadeiras” prontas a executar essa
faina. Olha Pá, se te metes muito com elas, juntamente com a roupa suja, também
vais tu arrastado para a barrela. Tem cuidado com elas, que são uma bocas
negras e umas intriguistas levadas da breca.
Meu Amigo, mete na cabeça que não são as
regras que originam o poder, mas é o poder que cria as leis. Quero com isto
dizer-te que o que hoje é constitucional, amanhã poderá não o ser. A própria
lei é uma armadilha de areia movediça; portanto, a lógica estructural que a suporta,
pode ser desarticulada e modificada, ao capricho dos “arquitectos” que a ela
deram origem. Tem cuidado, “meu filho”!?
Parece que andas p’raí a dizer umas verdades
que azedam o caldo a muita gente; olha que esse aziúme, habilidosamente, tem propensão
para se transformar em rancor. Se calhar é isso, não sei!?
A ser verdade o que me tem chegado aos
ouvidos, hipoteticamente proveniente de línguas-de-trapo, só tenho a
aconselhar-te, põe-te a pau, se não estás feito ao bife.
Lembra-te de que a raiva e a inveja, são gémeas
dizigóticas; têm a mesma idade, apoiando-se mutuamente partilham carreiros, e,
quando surgem as circunstâncias favoráveis para o seu desenvolvimento, fundem-se, e, são um perigo.
André, olha por ti, que eu já estou velho
e senil.
Arrecada um grande abraço deste teu amigo
lavrador.
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 18/05/2020
Obs:
Faço
por não usar o AO90
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