A
cultura é o melhor conforto para a velhice.
A VELHICE
Li
esta frase em algum lado: “A
idade não depende dos anos, mas sim do temperamento e da saúde; umas pessoas já
nascem velhas, outras jamais envelhecem” (desconheço o seu
autor).
Como sofisma, como metáfora, e, até com
certa piada, é verdade; como realidade nua e crua, é mentira. Esta “endromina”
deve ter brotado de alguém, com o velho encéfalo cansado, lunático e “floreado”
com algumas células já moribundas, num “último” alento à vontade de viver; esta
“patrnha” foi aceite por todos, mesmo com o conhecimento nítido, da intrujice
que enclausura.
É uma forma “fraudulenta” que não passa de
uma fantasia, com bases revitalizantes de um facto naturalmente consumado; a
velhice.
Esta composição frásica é utilizada como uma
forma de convencer os outros. numa tentativa frustrada se convencer a si
próprio, de uma “realidade” aparente, que nada tem a ver com a veracidade,
porque esta, é certificada pela própria Natureza; a velhice.
Quando o pingalim, nem com recurso flauta
indiana, teima em entrar greve e se recusa a trabalhar, os encaixes rotulares começam a divulgar o seu
desgaste, a estrutura física a querer desconjuntar-se, o sol da vitalidade a
querer enfiar-se no poente, as cataratas a assaltar a visão, os ouvidos,
contaminados pela mouquice, a recusarem-se a ouvir parvoíces, a “lembradura” por vezes a ausentar-se por
alguns instantes ou a entrar em quarentena por tempo incerto, os componentes do
tinca-palha, outrora campeões de mastigação, a escapulirem um a um, o cocuruto
da cachimónia transformado num heliporto e a dicção, outrora vibrante, límpida,
rápida e concisa, agora titubiante, lenta e quiçá um pouco arrastada e
desconexa, é o atingir o podium da
velhice. Mas, apesar das mazelas inerentes à duração, que podem atacar ou
outro, “naquele caco velho”, ainda pode viver um cérebro que pensa e sente,
mesmo na impossibilidade de o poder expressar foneticamente. Estas são algumas
das mazelas indicadoras de que a “juventude” está a ceder o seu lugar à velhice
e não o contrário. Ser velho, é ser velho, e ponto final.
Para quem entende, escusado será dizer que
não quero universalizar a antiguidade no seu extremo, porque existem fenómenos,
(de velhice), para os quais nenhuma explicação existe, conquanto não deixe de o
ser. Ser velho é um facto e não uma miragem.
VELHOS, há, e ainda bem. Há os que
realmente são, os que são e julgam que não são e os que são e afirmam,
(mentindo), que não são, argumentando que não se sentem como tal. Enfim, prodígios
da Natureza, que temos de compreender. Faz parte da história d’A RAPOSA E AS
UVAS” - se ainda se recordam.
Há pessoas que já nascem velhas e
cansadas. É verdade. É uma versão
diferente de “velhice”, que mesmo novinhas em fôlha, são subsidiadas pelos
proventos sugados à comunidade. Chamam-se mandriões. Mas isso é outro estilo de
velhice. É outra história.
Temos de aceitar a velhice como realmente
é, e contentarmo-nos com as qualidades benévolas ou pérfidas que ela nos põe à
disposição. Eu, não me envergonho por ser velho e reconheço que o sou. Ao dizer
isto, não quero de forma alguma, considerar-me o protótipo da vetustez e que
todos tenham de pensar da mesma forma. Não, este é o meu modo de pensar; o que
não invalida, claramente, a existência de pensamentos diferentes.
Bom temperamento e óptima saúde, para a
velhice, é uma visão lunática e algo hipócrita; é como querer tocar com um dêdo
na lua, quando ela está cheia.
Uma verdade é evidente; uma estrutura toda
desconchavada, um sistema vascular todo esclerosado, uma bomba hidráulica com
arritmias persistentes, uns filtros urinários em vias de entupimento, além de
outras mazelas; mesmo com uma memória um bocado flácida e abananada, ainda consegue
armazenar ensinamentos para transmitir aos novos.
Chegar a velho é um presente da Natureza;
é o fim de uma aventura; aceitar sê-lo é um acto que autentica uma consciência
normal e com muito traquejo de vivência.
Ser velho, é ser depositário de um amplo
arquivo de erudição, que funciona como rejuvenescedor espiritual e pode agir
como lenitivo para diminuir a “solidão” ou o “amargor” da vetustez.
O velho, ainda tem muito para ensinar,
porém, nunca o caminho para não ser velho. A velhice, mais não é mais do que o
resultado final da hermenêutica da vida.
Para aqueles que não compreenderem, que lá
cheguem e depois compreenderão. A jornada pode ser longa e árdua, mas entesoura
vantagens; o conhecimento, a compreensão e a condescendência.
Porque, na verdade, a idade é contada em
tempo e não em temperamento ou em saúde. Que ninguém tenha ilusões disso.
E agora, para findar, vou usar uma frase
que não é minha, mas de Jean-Baptiste
Alphonse Karr, dirigida ao enorme galinheiro de gabirus, (porque existem),
e que de uma maneira ou de outra, escarnecem, depreciam e menosprezam a
velhice:
“Não
honrar a velhice, é demolir de manhã, a casa onde vamos dormir à noite”.
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 22/05/2020
Nota:
Não
uso o AO90
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