sexta-feira, 22 de maio de 2020

A VELHICE


A cultura é o melhor conforto para a velhice.

A VELHICE
Li esta frase em algum lado: “A idade não depende dos anos, mas sim do temperamento e da saúde; umas pessoas já nascem velhas, outras jamais envelhecem” (desconheço o seu autor).
Como sofisma, como metáfora, e, até com certa piada, é verdade; como realidade nua e crua, é mentira. Esta “endromina” deve ter brotado de alguém, com o velho encéfalo cansado, lunático e “floreado” com algumas células já moribundas, num “último” alento à vontade de viver; esta “patrnha” foi aceite por todos, mesmo com o conhecimento nítido, da intrujice que enclausura.
É uma forma “fraudulenta” que não passa de uma fantasia, com bases revitalizantes de um facto naturalmente consumado; a velhice.
 Esta composição frásica é utilizada como uma forma de convencer os outros. numa tentativa frustrada se convencer a si próprio, de uma “realidade” aparente, que nada tem a ver com a veracidade, porque esta, é certificada pela própria Natureza; a velhice.
Quando o pingalim, nem com recurso flauta indiana, teima em entrar greve e se recusa a trabalhar,  os encaixes rotulares começam a divulgar o seu desgaste, a estrutura física a querer desconjuntar-se, o sol da vitalidade a querer enfiar-se no poente, as cataratas a assaltar a visão, os ouvidos, contaminados pela mouquice, a recusarem-se a ouvir parvoíces, a “lembradura” por vezes a ausentar-se por alguns instantes ou a entrar em quarentena por tempo incerto, os componentes do tinca-palha, outrora campeões de mastigação, a escapulirem um a um, o cocuruto da cachimónia transformado num heliporto e a dicção, outrora vibrante, límpida, rápida e concisa, agora titubiante, lenta e quiçá um pouco arrastada e desconexa, é o atingir o podium da velhice. Mas, apesar das mazelas inerentes à duração, que podem atacar ou outro, “naquele caco velho”, ainda pode viver um cérebro que pensa e sente, mesmo na impossibilidade de o poder expressar foneticamente. Estas são algumas das mazelas indicadoras de que a “juventude” está a ceder o seu lugar à velhice e não o contrário. Ser velho, é ser velho, e ponto final.
Para quem entende, escusado será dizer que não quero universalizar a antiguidade no seu extremo, porque existem fenómenos, (de velhice), para os quais nenhuma explicação existe, conquanto não deixe de o ser. Ser velho é um facto e não uma miragem.
VELHOS, há, e ainda bem. Há os que realmente são, os que são e julgam que não são e os que são e afirmam, (mentindo), que não são, argumentando que não se sentem como tal. Enfim, prodígios da Natureza, que temos de compreender. Faz parte da história d’A RAPOSA E AS UVAS” - se ainda se recordam.
Há pessoas que já nascem velhas e cansadas. É verdade.  É uma versão diferente de “velhice”, que mesmo novinhas em fôlha, são subsidiadas pelos proventos sugados à comunidade. Chamam-se mandriões. Mas isso é outro estilo de velhice. É outra história.
Temos de aceitar a velhice como realmente é, e contentarmo-nos com as qualidades benévolas ou pérfidas que ela nos põe à disposição. Eu, não me envergonho por ser velho e reconheço que o sou. Ao dizer isto, não quero de forma alguma, considerar-me o protótipo da vetustez e que todos tenham de pensar da mesma forma. Não, este é o meu modo de pensar; o que não invalida, claramente, a existência de pensamentos diferentes.
Bom temperamento e óptima saúde, para a velhice, é uma visão lunática e algo hipócrita; é como querer tocar com um dêdo na lua, quando ela está cheia.
Uma verdade é evidente; uma estrutura toda desconchavada, um sistema vascular todo esclerosado, uma bomba hidráulica com arritmias persistentes, uns filtros urinários em vias de entupimento, além de outras mazelas; mesmo com uma memória um bocado flácida e abananada, ainda consegue armazenar ensinamentos para transmitir aos novos.
Chegar a velho é um presente da Natureza; é o fim de uma aventura; aceitar sê-lo é um acto que autentica uma consciência normal e com muito traquejo de vivência.
Ser velho, é ser depositário de um amplo arquivo de erudição, que funciona como rejuvenescedor espiritual e pode agir como lenitivo para diminuir a “solidão” ou o “amargor” da vetustez.
O velho, ainda tem muito para ensinar, porém, nunca o caminho para não ser velho. A velhice, mais não é mais do que o resultado final da hermenêutica da vida.
Para aqueles que não compreenderem, que lá cheguem e depois compreenderão. A jornada pode ser longa e árdua, mas entesoura vantagens; o conhecimento, a compreensão e a condescendência.
Porque, na verdade, a idade é contada em tempo e não em temperamento ou em saúde. Que ninguém tenha ilusões disso.
E agora, para findar, vou usar uma frase que não é minha, mas de Jean-Baptiste Alphonse Karr, dirigida ao enorme galinheiro de gabirus, (porque existem), e que de uma maneira ou de outra, escarnecem, depreciam e menosprezam a velhice:
 “Não honrar a velhice, é demolir de manhã, a casa onde vamos dormir à noite”.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 22/05/2020


Nota:
Não uso o AO90










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