Quem pensa que a distância faz esquecer,
esquece que a saudade faz lembrar.
AO
MEU AMIGO ZÉ – IX
(Carta
aberta)
Há
quanto tempo Zé!!!
Olha, vou
começar com uma frase de Platão, que
é possível que aí na aldeia nunca tenhas ouvido falar, mas eu explico depressa:
foi um filósofo grego que morreu aos 40 anos, em Atenas (capital da Grécia), no
ano 347 aC (antes de Cristo). Já foi há um tempão, não foi? Mas a frase que
ficou célebre, entre outras, é esta: “Não deixes crescer a erva no caminho da
amizade”.
Eia! Zé!
Há
uns anitos que não te dizia nada, caramba! Espero que ainda estejas vivinho
da
silva para me aturares e te divertires, a soletrar as minhas apasquinadas
baboseiras, que a muitos bandalhos não cheiram bem.
Olha, já sei que tens tido alguma deficuldade
cu a leitura das minhas cartas, por isso bou fazer o possíbele por ‘screver de jeito
que percebas sem te aborreceres munto, porque a idade já não permite lérias e
tu és munto mais belho do qu’eu.
Sabes, num é por me ter ‘squecido de ti,
mas na berdade – aldrabando um bocado – beijo-me óbrigado a dezer-te que tem
sido desmazêlo da minha parte, e num só; tu tàmém te tens incurralado cômo uma
mula manhosa, despois de receberes as minhas missibas, num é?!
Agora, como é do teu conhecimento, anda
p´raí um malfarrico dum vírus à’temorizar todo o mundo, como no nosso tempo o
faziam as côcas, bruxas, sarroncos, tardos e lobisomes. Mas este, atormenta mesmo
todo o Mundo, ahm! O raio do macambúzio parece que gadanha mesmo a sério. Por
isso eu tanho ‘stado de quarentena, às quinzenas - num sei se me faço intender;
nem eu intendo - o que me tem óbrigado a uma bida de monge, da qual posso dedicar-te
uns momentos alargados p’ra saber da tua saúde – s’inda num fizestes alborque
com o cangalheiro – e ao mesmo tempo, dezer-te meia dúzia de aparvalhadas pilhérias,
cômo é meu questume, já sabes.
Olha lá, cômo a infalacção tem andado aos
pinotes, como a tua bélha burra, aumentou a carestia de bida, num é? Agora
pregunto: já te aumentaro a pensão da reforma, ou cuntinua a ser a mesma? Bai
daí, são capazes de ter-ta aumentado uns cinquenta cêntimos. Olha cus gobernantes,
p´ra eles num fizeram isso!? Upa, upa!
Ás tantas inda num comprastes as chancas nobas
que tanto crias e cuntinuas cu as mesmas d´há uns anitos, qu’inté já tinha o
pau bastante infraquecido – segundo dissestes. S’inda fôr as mesmas, manda
dezer qu’eu imbio-te arame p’ra mercares umas novas, aí no Ti João tamanqueiro,
qu’inda debe ser bibo. Há uns anos, era um home de couro-cru.
Bem, bamos ó qu’intressa.
Sabes qu’isto está cada bez pior; tudo tem
andado por a hora da morte; é tudo a roubar. De ribá’baixo, todos se tem
urientado e ninguém lhe dá umas sobreiradas. Até às leis eles consegue desbiar
a congosta. Como se diz aí no lugar, o dinheiro é cumó azeite; por aonde passa
unta – e de que maneira!? De modos que, este nosso Portugal está todo untado e
o miserábele mantém-se sem untadura; é o último a ratonear porque já num existe
unto (nem sebo p´rás chancas), se não tamém o fazeria. Cada um só olha p´ró seu
imbigo e os outros que se amanhe.
Eu cá sou da ideia, de que quem roubou,
seija obrigado a repôr tudinho, até ao último pataco. Até ficar em ceroulas, qu’é
pr’áprender
É qu’eles ando p’raí todos à solta e a
rir-se nas nossas focinheiras. Mais, se lhe chamarmos, camelos, salteadores,
incompetentes ou outras palabras menos airosas, estamos habelitados a cuncurrer
pr’rá sobrelotação dos chelindrós, que estão a arrabentar por as custuras –
agora já vai haver mais largueza porque vão ser sôltos uns quantos, uma vez que
a sociedade anda sossegada demais e precisa duma zangalhadela p’rácordar e dar
mais balor às forças de segurança.
Num sei, Prezado Amigo Zé, cômo é cu
Goberno, com professionais da política dispostos em alxaima, como um
acampamento mourisco, bai arromendar esta crise. Se os bires aí na tua tebelisão,
que penso qu’inda seija a prêto e branco, há-des ólhar que por lá pululam muntos
rapazotes que num sabe o que diz e num tem ‘spriência nenhuma da bida. São os rascunhos
bibos duma “nobreza” rafeira, que contribuem para esta sociadade fracassada. Só
fazem o papel de papagaios, e às bezes mal feito. É uma das causas disto ‘star
assim desconchavado. Atão tu num bês? É berdade o que te digo.
Outra rezão é andar a impatar o tempo nos alvazis,
com troca de juízes, recursos atrás de recursos e recrimentos de sultura prós presumidos
prevaricadores, que lebaro esta nossa Pátria, (porque também é minha), à
condição miserábele em que nos encontremos. Ubserva só; entr’eles, com contas pr’ácertar
cu Sinédrio, bê a sua culidade: ‘stão banqueiros, juízes, deputados, directores
de calquer coisa, presidentes de autarquias e d’outras instituições de gobernação,
“sérios” e filhos-da-mãe, e bais ber todos fizero cozinhados à rebelia da lei,
para se gobernar a eles próprios. Isto é qu’é uma sacanagem.
Tudo ‘stá minado por uma cambada do caraças,
Meu Estimado Amigo, e imparam-se uns aos outros. É o que te digo.
Dou conta da esistência dum buraco moral entre
nós e eles; sinto que a récua, apesar de tudo, se presume no caminho correto,
(pr’a mim, dubidoso) e nós somos, tão só, um sabicho de merda inferior.
Olha Zé, isto é mesmo uma merda, sabes?! Cando
matuto nestas coisas fico aborrecido e cum munta mágua, mas chiguei à cunclusão
de que que os asininos sêmos nós.
Escoita só; semos quase 3,6 milhões de “restaurados”
– a cuntar comigo, claro; então se nos uníssemos, pelo menos os que na sua
cabaça ainda existe um lampejo lembrança, não poderíamos dar a volta a isto? É ibidente
que sim, Porra! Sejam eles pernêtas, zarôlhos, manêtas, paralíticos, com ou sem
dentes (agora com a crise mesmo que tenha só um, qualquer dia não tem trabalho
p’ra le dar), carecas ou com meia dúzia de melenas dependuradas a meter nojo aos
piôlhos, todos servem; ninguém pode esquecer que cada papel metido na grêta
representa um número, que se traduzirá numa precentaige. Agora bê lá o que
fazes!?
Só num mudêmos esta ‘strumeira de
portunistas se num quisermos. A força inda existe no nosso canastro calijado e nas
nossas mioleiras sobrecarregadas de arquivos, contudo, inda pensantes; nas manápulas
de pele encarquilhada da infeciosa “Peste Grisalha”.
Depois de toda esta trabalheira à rebelia
do “famoso” e contestado AO90 e de calquer outra conbenção ortográfica, espero
que me tenhas cumprendido.
Matuta bem no que acabastes de ler, mas
sem ficar búzio da cornêta, ‘stá bem?
Cum isto bou terminar, embiando-te o meu
grande Abraço e desejando-te uma Boa Páscoa.
Do teu Amigo do peito.
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 09/04/2020
Nota:
Não
usei o AO90, nem nenhum.
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