quarta-feira, 4 de março de 2020

VOU MORRER, EU SEI!?


Deve-se temer a velhice, porque ela nunca vem só.
Bengalas são provas de idade e não de prudência.
(Platão)


VOU MORRER, EU SEI!?

A causa do meu falecimento vai ser decorrente de uma enfermidade incurável que resiste à sabedoria do melhor médico, à erudição do mais exímio veterinário, à sagacidade do mais reputado feiticeiro e às manipulações do mais desembaraçado “taralhólogo” (cartomante). Essa maleita, que resiste a todas as intempéries, atenta em ceifar-me a vida, com natural, porém, fria implacabilidade.
Sei que muitos, quiçá por desventura do destino, não conseguiram ser contaminados pelo vírus temporal, disseminador desta moléstia - se bem que bastantes bateram a bota com esse desejo atravessado no seu ser. Disso, não me restam dúvidas.
É certo que a presença desta doença tem preocupado e continua a inquietar o ser humano na generalidade, “libertando” somente aqueles que por credos fundamentalistas, mercê de lavagens encefálicas ministradas por “notáveis” oradores, asseveram a si próprios (e a quem faz o favor de os ouvir), que depois de vassourados por esta maleita que a ciência não amputa, ainda representam algum préstimo após a sua funesta partida.
Nos diversos encontros que faço comigo próprio, construo sempre um coliseu onde disponho dois adversários vigorosos numa renhida luta de gladiadores; coloco a razão, com todos os alicerces que a amparam, em acesa controvérsia com o absurdo, protegido pelo seu exército de utopias. Eu próprio reconheço que isto é de tolo, mas é destas pelejas que por vezes germinam conclusões que podem ser tidas como atoleimadas, mas a meu ver, são imunes a oposições, porque a razão - vencedora como sempre – assim o determina.
Pois foi num conflito destes que descobri, sem subsistirem dúvidas, a real doença que vai dar cabo de mim sem apelo nem agravo. É uma verdadeira pandemia da qual ninguém escapa, mesmo rogando ao Todo Poderoso ou investindo todos os seus bens materiais na ânsia de dar continuidade a sua existência. É um mal, que no seu impercetível andamento através do tempo nos vai corroendo o físico e a alma, não deixando, no entanto, de não edificar, um alfobre de oportunidades para muitos sem escrúpulos, cuja ambição materialista lhes degrada a deontologia, que é – devia ser- o factor de equilíbrio dos valores da moral e da ética, por causa da obtenção rápida e insaciável de proventos descaradamente inflacionados, cobrados pelo exercício de funções adulteradas por uma vaidade própria, que na sua cabeça pobre de sensatez, consideram fazer parte de uma certificada aura científica – por vezes volátil. Uma moléstia que poucos valorizam, mas, quando se apercebem da sua sinistra presença já pouco ou nada lhes resta para gozar da sua “curta” existência, apesar dos grandes rendimentos que tenham amealhado; esqueceram-se de que a vida não é mais do que uma longa-metragem côr-de-rosa, que acaba sempre numa curta-metragem a preto e branco.
A maleita que “descobri”, mata mais do que todas as gripes, bacilos de Loch, pancreatites, raivas e até mesmo do que todos os carcinomas mais perigosos, porque para estes, por vezes ainda existe uma linha de fuga, - realidade que para a doença que “patenteei”, nada existe. Por norma, ela arrasta atrás de si, tudo o que de pior possa existir no mercado do tempo, que sirva para a ajudar a legitimar a letalidade do seu acto natural de “vingança”. Por isso sei que vou morrer – como todos. Mas teimo em não capitular enquanto não divulgar a doença em causa, que, apesar de não perdoar, ilude-nos com grande profundidade no conhecimento, e, no final, ceifa-nos sem sabermos nada.  
A VELHICE.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 03/03/2020


Obs.:
Não quero fazer uso do AO90.  


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