“A imprudência e a
negligência têm gerado
a conta mais marga que o ser humano tem
pago ao longo da sua história”.
(Carlos
Alberto Hang)
PENSAMENTOS
DE UM MORCÊGO
Мысли о летучей мыши
THOUGHTS
OF A BAT
蝙蝠的思想
Mesmo
de cabeça para baixo, eu medito como qualquer outro ser vivo. Sei que ninguém
acredita, mas a mim pouco me interessa. Tenho a noção de que sou feio, dizem
meto asco, que com a minha merda infecto tudo por onde passo e consideram-me
perigoso. Tudo isso é falso. Os meus filhinhos são bonitos; dizem que sou
repugnante, mas há muitos que me comem – até me esfolam vivo se for preciso; a
merda que defeco nas minhas acrobáticas passagens ou na escuridão sossegada do
meu lar, ajeitado a um canto de numa húmida, escura e insalubre gruta,
apanham-na às pasadas e ensacam-na, uma vez que é rica em nitrato, um bom
fertilizante para as plantações, quem o transformam produtos comestíveis que
vão garantir a sobrevivência dos humanos, meus perseguidores - muitos,
devoradores insaciáveis de morcêgos.
Não faço mal a ninguém. Talvez sintam que
dou mau augúrio, porque só saio noite para trabalhar, e deste modo poder
aleitar a minha prole que é numerosa e está sempre impaciente e faminta, de
boca pronta a abrir-se à espera de abocanhar a minhas têtas, para sentirem a
vitalidade macia do leite entrar-lhes pelas goelas abaixo. O meu alimento, que
já sou adulto, não passa de mosquitos
e traças. Sei que existem outros da minha raça, que gostam do néctar de flores,
frutos, sementes, pólen, pequenos vertebrados e peixes.; não ignoro outros
parentes, que são hematófagos, e normalmente chupam o sangue de animais, quando
estes relaxam durante a noite; contudo, isso não lhes causa a morte. Esses meus
semelhantes, no fundo, até são inofensivos e boa rapaziada.
É provável que a minha raça seja
transportadora de doenças perigosas – como já ouvi dizer - mas o ser humano é
capaz de ter mais quinquilharia infecciosa do que a minha parentela. Ele é que,
com a sua parvoíce e as suas invenções tolas e descabidas, tem degredado toda a
existência de vida na terra. Não foi a minha estirpe, não!?
Saio ao anoitecer porque é o período do
dia em que a carência do sol se manifesta e essa bicharada minúscula de que me
alimento, voa desorientada na escuridão, por falta da luz ultravioleta emanada
pelo astro-rei, a sua bússola orientadora.
Os humanos ficam perplexos pela ligeireza
com executo que minhas manobras na escuridão, sem recurso a qualquer lampião ou
outra espécie de luzência; é verdade. A Natureza ofereceu-me um sofisticado
sistema de “radar”, com o qual emito ondas ultrassónicas de alta frequência, em
forma de silvo, que só eu consigo escutar, e que, ao colidirem com um
obstáculo, por muito pequenino que seja, o seu “eco” faz ricochete e volta aos
meus ouvidos, dando-me a sua direcção e distância. É este o segredo de eu não
carecer de luminárias, lamparinas nem lanternas chinesas (?...) para voar na
escuridão cerrada sem embater nos obstáculos e fazer os “safaris” destinados à
colheita dos nutrientes, para a minha subsistência e dos meus. Quero frisar,
que nas minhas rápidas caçadas, quando se trata de seres vivos, sou diferente
dos humanos; trucido apenas o suficiente para me alimentar, enquanto que os
humanos matam e exterminam por prazer patológico.
Posso afirmar que sou inofensivo, apesar
da minha aparência, que dizem ser agressiva, medonha e arrepiante.
Tenho pena, mas não posso fazer nada; a
Natureza assim me criou e assim tenho que viver. Mas vivo contente com
compleição que tenho. Apesar haver diferentes espécies na minha raça, observo
que todos são unidos; sei que o seu número de elementos é elevado, contudo,
qualquer cantinho para descanso é repartido com imparcialidade por toda a
comunidade morcegal.
É uma lição que os humanos deviam
aprender.
Agora, os humanos, vítimas de uma
imprudência sua, querem culpar-me de ter sido eu portador de um ácido maligno
qualquer, que os está a liquidar letalmente; chamam-lhe, qualquer coisa como
Corona Vírus, COVID-19, ou qualquer coisa parecida. O seu desleixo deve ter
sido de tal magnitude, que vendou os olhos à sua compreensão, fazendo-o perder
o controlo à propagação da mixordice que fabricou.
Por
causa disso, eu e fui eleito para saldar o atrevimento do ser humano em
petiscar-me ou/e “sugar-me” algum ácido para transverter numa arma química
estratégica destinada a fazer uma depuração demográfica na sua raça, por razões
até agora não provadas, porém que se integram dentro de uma lógica que não sei
bem expor.
Eu não tenho culpa dessa catástrofe; deve
ser um “arranjinho” levianamente propositado e mixordado nos seus cubículos de
alquimia e que deu mau resultado, ou mais do que o resultado pretendido,
escapando assim ao seu domínio.
Agora, confinados a uma vida monástica,
arrebunham a mioleira, e, sem saberem o que fazer, resolveram atirar as culpas
para cima de mim, que não tenho culpa nenhuma.
Deixem-me continuar a abrir as minhas
membranas alares, a fazer as minhas acrobacias noctívagas e a dar o meu modesto
contributo para o equilíbrio da vida neste planêta azul, que navega, não com
que destino, pela imensidão espaço cósmico.
Os HUMANOS que tenham juízo.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,28/03/2020
Nota:
Não uso o AO90
Sem comentários:
Enviar um comentário