segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

NÃO É ILUSÃO


Esta transmontana rija, que faleceu
aos 97 anos com os cinco sentidos
 bem aferidos, costumava assim dizer:
 “Morre o pobre e morre o rico;
um e outro, cá deixam o pote e o penico”.







NÃO É ILUSÃO.

E é por causa da usual frase desta Sra., que muito bem conheci, - paz à sua alma - que escrevo este texto.
Há argumentos que muito me custam a compreender. Existem pessoas que dizem em tom lamurioso, estarem arrependidas de terem nascido, como se tal possibilidade pudesse existir. Porém nunca ouvi ninguém dizer que se tinha arrependido de ter morrido.
As primeiras, mesmo arqueadas sob rigorosas espondiloses, bicos-de-papagaio, calos, joanetes, artroses, tendinites, esporões no calcâneo, sistema vascular praticamente obstruído, labirinto auditivo com cofose, visão astigmática, verrugas por todo o lado, caspa e um sem número de mazelas, arranjam sempre alento e algum “gravêto” para depositar nos médicos, fisioterapeutas, bruxos e adivinhos, cartomantes e medicinas alternativas, na intenção de viverem mais uns tempitos neste mundo de canídeos, sobre o qual afirmam estarem fartos até à raiz dos cabelos. Fartos, acredito, mas obstinam em continuar.
Acho isto paradoxal. Porque há aqui uma contradição de pensamentos, uma incoerência, para o mesmo conceito, que é: continuar a viver, mesmo depois de ter-se arrependido de ter nascido - mesmo sentindo que o corpo e o espírito se encontram todos lascados. Existe qualquer coisa que fortalece essa vontade de viver, mesmo condicionados ao mais atroz sofrimento. Paradoxal!
Eu sinto é que, com paradoxo ou sem ele, cheguei à conclusão de que ninguém morre no tempo devido, mas sempre antes do tempo ajuizadamente programado – quando a mioleira está em boas condições de funcionamento. Engraçado, não é?
 Tenha a idade que tiver, todos choram a pessoa, porque entendem que ainda não era tempo de ela ter usado o fatal bilhete de embarque para o desconhecido; isto independentemente da faixa etária. São sempre novos para o fim.
No entrançado desta baralhada onde a esperança – quem a alimenta - é o último factor a morrer, em que todos ambicionam viver mais um tempito, aparece uma passarada, que fomenta essa expectativa cobrando o máximo que pode ao desventurado, sem, contudo, garantirem a vitória na luta contra a Natureza. Esmifram o que podem, sem nunca se lembrarem de que irão percorrer o mesmo caminho, onde o dinheiro nada pode comprar.
Depois da renhida contenda, uns por uma fusão da ganância com a subsistência - ambição materialista – outros pela continuação da sua existência, - amor à vida simplesmente - ambos embarcam no mesmo bote.
Porém, o mais espirituoso, é que aos entendidos na matéria nunca lhes passou pela cabeça saberem realmente qual é a principal causa da morte, apesar deste “mistério” se encontrar à frente dos olhos de toda as criaturas. Nunca se lembraram de matutar sobre o assunto, mas eu dei-me a essa “árdua “tarefa e vou divulgar o resultado: a causa primeira da morte, é o nascimento; só após ser-se contaminado por essa doença é que se morre.     
Mas a vida é assim.
Quanto aos segundos, nem pio. De lá não sente vivalma, não se ouve um queixume. O silêncio é absoluto. Assim sendo, sobre isso nada se posso argumentar.
Sei apenas que é um mistério para desvendar, - duvido que algum dia o seja - que transcende a capacidade de entendimento Humano, por mais inteligente que ele possa considerar-se.
E tudo o que acabei de dissertar, não é ilusão.
Por isso digo: “Se queres morrer, nasce primeiro” – mas tem juízo na tinêta, porque não ficas cá p’ra semente.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 02/12/2019
www.antoniofsilva.blogspot.com


 

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