terça-feira, 1 de janeiro de 2019

SORRIR PARA A OBJECTIVA, OU…


Sou rico? Sim! Rico de talento e quem
 for pobre de espírito, só lamento.
(Lucas Ferreira - poeta)

SORRIR PARA A OBJECTIVA, OU…

Retratar a paparoca colorida – que irá comer, ou não!? – exposta em grandes travessas ou em pratos de loiça rústica – agora é fino – é característica protocolar que condimenta a maneira de ser de quase todo o mundo, porém, esta obliquidade tem salientado carrego na projecção da real essência dos portugueses que, com sorrisos constrangidos, biquinhos e línguas de fora, dedos polegar e indicador na posição de OK, fazem questão em manifestar o ridículo da sua grandeza pessoal e paz individual, numa tentativa frustrada de esconderem o lado mais sombrio da realidade, que consiste num cadinho dilemas onde as meditações negativas se   acumulam e proliferam, com grandes possibilidades do seu encéfalo atingir o colapso neuronal.  
Ainda não percebi bem porquê, mas fotografam tudo: a comida do cão ou do gato, quando estes já são parte integrante do aglomerado familiar - que o PAN não me censure - pratos de couves com bacalhau, sapateira de viveiro mais ameijoas importadas do Vietname, sardinhas vindas de Espanha – cá não se podem pescar – com pimentos, panelas com papas de sarrabulho, fatias de presunto com broa, os tachos, o penico, os tomates, o burro do vizinho - a rivalizar com a sua fisionomia etc.
Muitas vezes em casa, outras em “grandes” restaurantes ou em pequenas tascas, ou ainda sentados no capim onde há minutos alguns cães mijaram, acocorados à beira de um caminho junto ao carimbo português devidamente empalhado com cinco litros de “tinta”; tudo serve para o efeito pretendido, que se resume apenas em sorrir para uma objectiva optométrica, a esboçar um sorriso muitas vezes ridículo, que inicia numa orelha e finaliza na outra, atravessando vezes sem fim uma fisionomia aparvalhada e demente, sem que o seu dono disso dê conta, dando a impressão de aquele rosto manifesta uma felicidade extrema, onde a tristeza não tem guarida e os dificuldades não existem.
Toda esta montagem para quê? Para espelhar nas redes sociais uma imagem toldada por um desmedido astigmatismo, em que a maior parte da felicidade esboçada certamente que não corresponde à realidade, não passando, portanto, de uma mera falácia, que até a elas próprias engana – olha como fiquei bonita/o – esperando obter muitos “gostos”.
É engraçado, não é?  
É a exibição mais ténue de mostrar para toda agente que a vida é bela quando por vezes o não é, que tudo corre bem, mesmo quando o vento não está a favor, que os sapatos da existência não apertam os calos, quando eles até dificultam o andar e atanazam o canastro e o ânimo.
Quanta melancolia e quanta amargura não se empilham por trás daqueles sorrisos forçados que fielmente as objetivas captam? Quantas frustrações não saltitam no espírito daqueles rostos, com os músculos faciais forçados, os cínicos cúmplices do sorriso amarelo, “convidados” compulsivamente a colaborar naquelas encenações momentâneas para a “lápide” da memória futura?
Aparentemente está tudo bem, tudo fixe, tudo numa boa!
Não sei, mas por tudo o que tenho constatado, toda a gente vive bem e está em paz consigo própria cá neste nosso cantinho, o alvalade onde somos enganados, espoliados, e sodomizados sob a anestesia do autoritarismo regulamentar, cuja equidade é falseada aos nossos olhos. É uma alegria!
Se assim é, não têm nada de que se queixarem, ou então, o que exteriorizam é uma aldrabice pura.
Sorria sempre, nunca revele o que motivou a depressão e continue a sorrir.


António Figueiredo e Silva
Coimbra, 01/01/2019

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