Os sonhos são
realizações de desejos ocultos
e são a ferramenta que busca equilíbrio pela
compensação. É o
meio de comunicação do
inconsciente com o
consciente.
(Carl Jung)
Por vezes, as suas
“viagens” trazem
ao de cima implícitas verdades.
(A.
Figueiredo)
UM
SONHO FABULOSO
Como
um alienado, despertei à gargalhada!
O nosso cérebro é muito fértil no que diz
respeito actividade onírica. Vamos a lugares que nunca imaginámos; somos
perseguidos por figuras que nunca nos passaram pela cabeça e tentamos fugir
delas, mas as pernas não se movem; voamos suavemente como ágeis passarinhos ou
caímos desamparadamente por um precipício sem escaqueirar o canastro; se somos
achacados à apneia, sonhamos que estamos a ser estrangulados; tudo isto, para
no fim acordarmos vivos – é óbvio que não se pode acordar morto, não é?
Lembrei-me de escrever sobre os sonhos,
porque esta noite, no silêncio da madrugada, aconteceu-me uma coisa – a sonhar
– que em toda a minha vida não me recordo que houvesse ocorrido. Durante o
sonho estive a falar com um burro. É verdade, a conversar com um burro. Não estou
a brincar; quando acordei fartei-me de rir e até comentei o acontecimento com a
minha esposa que se encontrava a dormitar a meu lado, e despertou comigo a rir
a bandeiras despregadas.
- Que te passou pela cabeça? – perguntou.
- Olha, acabei de estar em diálogo com um
burro; até estou impressionado com o que o asno me disse. Nunca me aconteceu
sonhar com um animal falante!?
Vamos à estória - ao sonho, quer dizer.
Por um motivo qualquer que agora não
recordo, peguei no carro e fui dar uma volta à terra de um amigo meu, que por
acaso até é de Casegas, por sinal uma terra encantadora e de gente
hospitaleira, situada nas fraldas da serra da Estrela. Recordo-me que na jornada,
não sei porquê, – como sucede em todos os sonhos – meti-me por um caminho que
passava por dentro de uma vinha. Aconteceu que, com o carro, parti um rebento
de uma videira, tendo aquele “acidente” despertado a ira dono da vinha, que
parecia ser mau com’ó caraças, e não querendo saber das minhas desculpas,
avançou para mim de enxada em riste, o que me obrigou a acelerar a “chicolateira”
para escapar ao conflito.
Aconteceu que esse trilho também passava
pelo aido da casa dele, onde havia uma espécie de curral. Nessa corte constatei
que havia um burro velho preso a um barrote por umas cordas de sisal e observei
que o burro chorava compulsivamente, o que me despertou alguma pena – e não sou
do PAN, que faria se fosse. Agarrei numa a faca roscofe que tinha na bagageira
do carro e cortei as cordas que o trincafiavam; baixai o banco de trás e
encafuei lá o burro.
Como senti que ele estava triste, tentei
consolá-lo, dizendo-lhe:
-
Olha que partir de hoje, nunca mais vais trabalhar; quero que este teu dono se
f….; ele nunca mais te põe o olho em cima; vou colocar-te num sítio aonde terás
pasto verdinho com fartura, andarás à solta, e arranjar-te-ei um lugar decente
para te acoitares da canícula ou do frio.
Os sonhos por vezes têm viragens estúpidas
que nós não compreendemos.
De repente, - foi isto que me levou a
escrever estas patacoadas – o burro, aninhado no carro, vira-se p’ra mim, com
ar sofredor e tristonho, abre a bocarra e diz:
- Dói-me um dente cá da matraca.
- Deixa lá que eu te levo a um arranca-dentes
p’ra vermos o que se passa – digo eu.
- “Num” quero, - responde ele com aspecto
aflitivo. O meu dono a semana passada levou-me a um e doeu-me muito – arreganha
as beiças novamente e lá tinha um inchaço enrubescido a ladear uns resquícios
de dentolas, que na sua juventude certamente haviam trincado muita palha.
Mas, aliviado pelas minhas palavras e
provavelmente pela minha companhia – lá devia ter que eu era da família – com um ar de agradecimento estampado na carranca, comenta:
- Sabes, também vais ter sorte – aguardou
um pouco - porque eu sou o burro do Primeiro-ministro; fui raptado… e blá, blá,
blá, porque já não me recordo de mais nada, em consequência de repentinamente
ter acordado. À gargalhada, como é óbvio
Se não tivesse acordado, a cavaqueira se
calhar ainda se teria mantido até à hora que escrevo esta engraçada cena de
onirismo.
No entanto não deixo de dizer: se o sonho
fosse realidade, iria ter sorte p´ra burro.
Assim, já sei que continuo a ser lixado
pelo dono do burro.
António Figueiredo e Silva
Coimbra,18/12/2018
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