sábado, 11 de novembro de 2017

O "CHOURIÇO"


  

O “CHOURIÇO”

(A “letra de lei”)

 O cassetete, outrora símbolo da autodefesa e catalisador da ordem, hoje não passa de um quase imperceptível e miserável monumento, pendurado à cintura, como baluarte de um chouriço sem acção, não obstante o seu luzidio polimento.
Aqueles que deviam ter, já não têm medo dele e olham-no de soslaio, com um sorriso de meia boca encharcado de gozo, denunciando o seu pensamento: “sei muito bem onde devias meter isso, meu”!...
Era aquele bocado de chouriço negro, hirto e tumefacto, que, bem manobrado, acalmava os ânimos mais arruaceiros e refilões, actuando na hora própria e com rapidez – como a aspirina.
A aplicação actualmente considerada ortodoxa desse “falo”, contribuiu em muito para a não existência do vergonhoso congestionamento de processos em tribunal e o não menos deprimente aumento da população prisional, uma vez que os assuntos eram resolvidos em campo ou nas esquadras no momento preciso, com a distribuição das suas doses directamente proporcionais -às vezes falhavam a proporcionalidade por excesso, mas errar é humano - ao “bem” perpetrado pelo receptor. Graças ao cassetete, ele saía de lá ou abandonava o local um pouco combalido e macambúzio, mas sem vontade de novo tratamento. Ele abria a memória inculcava na massa cinzenta os direitos e deveres cívicos.
E era com massagens lombares gratuitas – hoje pagam-se, e bem- que o “filantropo” ou o “moralista” saíam de lá “catequizados” e a maior parte das vezes não voltavam a cometer “benfeitorias” que os pudessem levar às sessões deste tratamento fisioterápico, pois o que não dói, da memória se varre.
Sempre existiu e existe – ainda bem - um género de pessoas que devido ao seu íntimo moral, sabem dar-se ao respeito e respeitam quem com eles convive. Porém, outros há que se esquecem completamente da existência do seu próximo e erradamente pensam que só eles existem, fazendo de mal aquilo que lhes dá na venêta caçoando no fim os objectivos dos seus actos tresloucados.
Para este género de pessoas não conheci até hoje, método algum que lhes impusesse o respeito pelos outros, a não ser o adorável cassetete ,hoje arrumado a um canto, agonizando à espera que alguém o revitalize, ou hibernando até que apareçam as condições “climatéricas” propícias para a sua actuação, que me parecem tardar.
O cassetete, que durante muitos anos foi o condicionador da violência, apesar de também a ter distribuído; hoje não é mais do que um mero adorno, um chouriço sem acção, que no seu suporte vai definhando à medida que a criminalidade aumenta.
Por isso, eu sou um de entre milhões, que reza para que o cassetete volte a ter as suas funções primitivas levando os seus “adoradores” a baixarem a cabeça quando o virem, num acto de submissão à lei e simultaneamente ordem, para que todos possamos viver com mais sossego.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 23/08/2004
www.antoniofsilva.blogspot.pt













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