sábado, 3 de junho de 2017

A CRENÇA


Eu preferia ter uma mente aberta pelo mistério,
 do que fechada pela crença.
(Gerry Spence)


A CRENÇA

Não sou dos que crêem na existência da descrença como um dado absoluto. Basta que nos queiramos convencer de que para nós a crença não existe, para estarmos crentes nesse desacreditar, o que, assim sendo, não deixa de não ser crença. Aliás, de todo em todo, a incredulidade não existe, o que subsiste é o cepticismo. Da crença apenas existe o vocábulo cuja grandeza é repleta de vazio; no entanto, reconheço que o credo tem de existir para suprimir ou tentar tapar os buracos das interrogações que nos vão sendo apresentadas por todo o universo que nos rodeia e às quais nós não sabemos responder.
Esta dissertação não tem como objectivo afectar, interferir, minimizar ou desrespeitar quaisquer credos ou ideologias, sejam quais forem as suas espécies ou fundamentos; tem única e simplesmente a ver com a crença em si, na sua mais pura singularidade.
O crer é, por assim dizer, uma necessidade não espontânea, porém criada e alimentada pelo ser Humano como forma de aprovar ou reprovar o incrível, - sendo por isso fé, acreditar no incrível – como forma de alívio para as suas dúvidas e incertezas, para os seus temores ou alegrias. É a maneira mais fácil que encontra para justificar tudo o que lhe possa acontecer no seu decurso de vida, mas que humana ou cientificamente, à luz do conhecimento objectivo não seja explicável.
Nisso, o Criatura Humana é especialista; crê e seguidamente arquitecta toda uma complexa estrutura para assentamento da sua fé, fazendo dela um campo de batalha filosófico e teológico que por diversas vezes descamba mesmo para uma batalha de destruição em massa e de palpáveis porém degradantes consequências que alastram e destroem o sossego da comunidade global. Pelo menos é isto que tenho presenciado ao longo da minha curta existência e daquilo que das narrações históricas tem vindo a ser transportado até aos nossos dias.
É que, o problema não reside em crer, se à luz da boa sanidade mental, onde é imperativa a existência do civismo, não é condenável; contudo, a questão reside em deixar-se dominar cegamente pelas visões imanadas da sua certeza fenomenal e incerta, fazendo delas um exemplo a seguir e tentar impô-las ao seu semelhante observando o caminho da força física e/ou da persistência doutrinária; isto que é reprovável.
A cada ser deve ser conferido o livre direito de compreender as convicções que o minam, desde que se sinta feliz com essa compreensão e que estas sejam em consciência, refreadas de fanatismo e ponderadas sobre o predicado das ocorrências sujeitas a afectar a estabilidade da condição comunitária.
Porque há-de um crente, cegamente dedicado ao seu modo de raciocinar, preocupar-se com aquele que se nega a aceitar as linhas que regem as suas concepções? Entendo que aqui existe a acção de um puro acto de dominação psicológica combalida, que pretende sufragar interesses escondidos de ordem espiritual ou material. Sim… porque muitos se servem da crença extremista para, de todas as maneiras tentarem encastrá-la nas mentes menos iluminadas, para manterem uma existência abastada e sem agruras financeiras, à custa do beatífico e incondicional servilismo, que a isso se presta, ou incitar as massas a desordens evitáveis cujas consequências são óbitos e destruição.
A crença é sempre necessária pois confere-nos uma sensação de alívio aureolado por um alo de protecção e de perseverança, fundamentadas em algo que se acredita, mas, a crença em excesso, pode ser considerada uma doença, condicionar a vivência do “doente” e este, na sua cegueira psicológica, alterar intensamente o comportamento social dos seres que o rodeiam.   

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 03/06/2017












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