quinta-feira, 20 de abril de 2017

ILUSÕES (?) (Anseios de mentes humanistas)

Uma sociedade só é democrática quando ninguém
for tão rico que possa comprar alguém e ninguém
seja tão pobre que tenha a que se vender a alguém.
(Jean-Jacques Rousseau)
 

ILUSÕES (?)
(Anseios de mentes humanistas)

Foi meu companheiro na Força Aérea Portuguesa; comungámos de muitas dificuldades durante a crise então instalada, decorrente da guerra em Moçambique e da desorganização que campeava nas forças armadas, que nessa altura era um verdadeiro cozido-á-portuguesa, até serem criadas as condições mais ou menos sustentáveis para a nossa “pequena” estadia no norte daquela terra situada no fim do Mundo.
Conversávamos bastante nos momentos de lazer à sombra da bananeira”, em que ele, mercê do seu pensamento filosófico – que ainda hoje mantém – com um onirismo bem enraizado e indestrutível, atirava cá para fora, como actualmente faz, em palavras marginadas de beatífica convicção, realidades cuja concretização, à sua nascença, se afundam no espaço da impossibilidade absoluta.
Interiorizou no centro do seu campo cognitivo, que o mundo tem tendência a mudar para melhor, atribuindo esta mutação a uma consciencialização global a nível dos governantes e dos grandes poderosos, onde o dinheiro vai deixar de existir e será retomado o sistema de permuta e entreajuda em todas as necessidades, acabando deste modo com a ambição materialista, a causa primária de toda a desordem instalada na Comunidade Humana Global.
- O dinheiro não é preciso – diz.
Lá vai a minha interrogação enfática e concisa, lógica, e pertinente:
- Então para que queres tu, o dinheiro?
- Tenho de o ter, porque mo pedem, se não, não teria necessidade dele para nada!?
Argumenta ainda, que o Homem erra por ignorância congénita, porém, à medida que se vai apercebendo dos erros que faz, vai naturalmente clivando a sua maneira de ser, de ver as coisas de maneira diferente e certamente não irá cair nos mesmos erros, uma vez que conclui que estes são funestos.
Bem, eu já não penso da mesma maneira, mas reconheço a nobreza de espírito deste meu amigo, que deixa transparecer um manancial de boas intenções, das quais está repleto mundo, não sendo porém, estas usadas na prática.
Por esta linha de ideias, está severamente convencido de que, já não no tempo da sua (nossa) vivência, porém num futuro próximo, essa consciencialização colectiva – intitula ele - emergirá do espírito selvagem que até agora pisoteia a sociedade e dará origem a um paraíso na terra, em que todos possamos viver em tranquilidade e exultação.
Argumenta ele, que o Mundo em que vivemos, em si, já é um paraíso, se bem que nós não tenhamos disso perfeito entendimento, resultando daí a incapacidade de podermos usufruir dessas dádivas que muito naturalmente estão ao nosso alcance.
Qual é o motivo que pode legitimar porque é que no meio de tanta abundância, existe tanta miséria? Inquire. Somente porque é do interesse dos poderosos e dos governantes, aleitar a fome e a miséria, resultando daqui a necessidade de sobrevivência – argumenta; daí, brotam os monstros da desgraça: a instabilidade social e a guerra.
Com uma consciencialização purificada isto daria para todos e sobrava para muitos. A boa vivência está garantida por natureza; o que busca cada ser humano é viver bem e em paz; por isso o que tem promovido a guerra? Como podemos ver, unicamente a parte material o tem legitimado. É a ambição pelo dinheiro que tem abafado a possibilidade da harmonia paradisíaca entre a Comunidade Humana.
Esta ambição materialista tem partido sempre dos grandes e dos poderosos, que têm sido um mau exemplo para os seres “rastejantes” que eles comandam com pulso de ferro, apesar de muitos deles se abrigarem sob uma democracia e igualdade de direito fraudulentas, onde a paridade não existe, - arremata.
Ele pensa assim.
Eu, o que hei-de cogitar?
Oxalá que seja realizado este presságio, que eu, com acentuado cepticismo questiono!?
No entanto, não deixo de não dar razão à reflexão de *Jean-Jacques Rousseau, “É na desproporção entre os nossos desejos e as nossas faculdades que consiste a nossa miséria. Um ser sensível cujas faculdades igualassem os desejos, seria um ser absolutamente feliz”, e, naturalmente, às concepções do meu amigo Alberto Baptista.


António Figueiredo e Silva
Coimbra, 13/04/2017

*Nasceu em Geneve, Suíça, em 1712.
Foi um importante filósofo, teórico político, escritor e
compositor autodidacta; é considerado um dos principais
 filósofos do iluminismo.
O estado da Natureza, concepção sua, está descrito no
seu livro, Discurso sobre a Origem e os Fundamentos
da Desigualdade entre os Homens.






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