sexta-feira, 14 de abril de 2017

BEIJOCAR


 Banalidades excessivas derrotam
 a importância das mesmas.
 (A. Figueiredo)

BEIJOCAR

O acto de beijar, quando reclamado por vontade expressa do nosso íntimo e feito com recato, até nos trás algum gozo etéreo, por vezes de tais proporções que até as unhas dos dedos dos pés, embirram em furar o calçado com que as protegem. O beijar é sempre um acto de afecto; seja ele maternal, paternal ou fraternal. Pode ser também o prato de entrada para uma sessão libidinosa, como preparação para a fusão de dois corpos que se entrelaçam até ao êxtase – aqui excluo o beijo da morte, que era dado pelos padrinhos da máfia àqueles a quem eles próprios haviam condenado à pena capital.
É certo que na maior parte da cultura humana, o beijo serve também como função catalisadora que consiste em conferir determinada importância na selagem de uma amizade espontânea e sentida. A meu ver, tudo o que for para além disso, eu já chamo de beijocar; que não é mais do que um triste e “pernicioso” arremedo ao beijo, pela vulgaridade com que é dado, retirando dele todas as sensações seráficas ou amistosas que o condimentam.
Quando no gesto de beijar - acto de tão sublime importância - sobressaem outras vantagens ou propósitos, cujos objectivos possam demonstrar interesses comerciais ou políticos - que no final vão dar ao mesmo – apresenta-se então o ridículo beijocar como uma moeda de troca com valor interesseiro, porém destituído da sua função principal; o valor afectivo.
Esta brincadeira de beijocar, pelo menos cá em Portugal, é apanágio dos políticos; beijocam por tudo e por nada, fazendo a varredura de todas as trombas que lhes aparecem pela frente a solicitar a sua beijoca em troca de um suposto votozito.
Beijocam todas as caras e carantonhas à vontade e não fazem questão de qualidade; com os dentes todos, só com um dente, lavadas ou repletas de fuligem, tudo o que vier à rede é peixe, ou, tudo o que vier às minhas trombas é voto   
Neste caso, penso que é um bom investimento, porque a falta de carácter compensa a falta de inteligência e a sua subserviência é efémera - é como a bebedeira, com o tempo passa – e quando eles atingem o patamar desejado, já não há beijocas para ninguém e se quiserem falar com eles, têm que meter um requerimento e por vezes aguardarem pela permissão, até que as aranhas vos confundam com uma inerte estátua e dêem início a sua artística e intricada tecelagem para caçar moscas, enquanto esperais.
O beijocar tornou-se em Portugal uma verdadeira enfermidade no universo politicóide. Desde o político mais “rasca” – o que todos são, salvo parcas excepções – até ao mais proeminente, todos optam pela beijoca.
Não quero excluir, como é óbvio, um virtuoso infectado por esta maleita, que é o nosso Presidente da República. 
Penso que se me tivesse esquecido de tão ilustre figura, Sua Exa. poderia até ficar melindrado, e longe de mim querer molestá-lo.
E esta, que tal?!

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 14/04/2017
www.antoniofsilva.blogspot.com

  


  







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