segunda-feira, 24 de abril de 2017

ANIMAIS (O CÃO)

Recolha um cão de rua, dê-lhe de comer
 e ele não o morderá; eis a diferença
 entre o cão e o homem.
(Mark Twain)

ANIMAIS
(O cão)

É o ser mais dócil, mais tolerante e mais grato, que em toda a minha vida conheci. Apesar de não falar consegue transmitir o seu estado de espírito através da expressão “facial”, vincando aquilo que sente, à laia de napolitano, com as diversas posições do rabo. Contudo, mesmo rosnando ou ladrando, que é a coisa mais natural que sabe fazer, é muito mais fácil compreendê-lo do que ao homem, seu incontestável rival.
Diversas vezes o cão é abandonado, desprezado, mal tratado e, perdoando, continua a lamber as botas ao seu dono ou a quem ele pense que o é. Tenho pensado vezes sem conta, que talvez o homem sinta inveja da maneira de ser do cão, e por isso o despreze tanto. Se quando Deus criou o homem lhe tivesse incutido o senso do cão, de certeza que o mundo se apresentaria de maneira diferente!... Talvez mais humano em vez de mais canino. E digo canino, porque se na boca do homem fossem semeados dentes de cão, andaríamos todos mordidos ou até mesmo mutilados. Ele só não é mais cão porque não pode; a sua construção física não dá para isso, mas a psicológica é suficiente para muito mais.
O homem não respeita o seu semelhante, os seus chefes, as suas leis, na forma de direitos e deveres; é pior do que o cão, porque até nem a ele mesmo se respeita. O cão sabe qual a sua posição na hierarquia da matilha, conhece o seu semelhante, respeita-o e obedece-lhe e até faz o favor de gostar do seu dono, quando o tem, independentemente da fartura ou da miséria em que ele esteja metido.
Muito admiro este animal. O cão mostra ao homem que tem mais de humano, do que homem tem de cão.
O homem, numa posição mesmo que baixa, é traiçoeiro e procura não lamber as botas a ninguém; antes pelo contrário, tenta morder-lhas. E se as lambe já não é homem, mas um ser servil, que o situa num universo muito abaixo do cão.
Com o seu olhar dócil e o rabo a meia haste, abanando a cauda e saltando ou com o seu olhar esbugalhado, orelhas erectas, rabo no ar, pêlo crispado e dentes à vista ou ainda caminhando de cabeça baixa com o rabo entre as pernas, podemos contar que naquele momento ele está presente sem fingimentos, pronto para o que der e vier, de bem ou de mal.
Nada disto se passa com o homem!? Quantas vezes ele vem de “rabo” entre as pernas, submisso, solícito, simpático, com cara de sofredor e traz uma “faca no bolso”!... Quantas vezes ele sorri até fazer doer os músculos das orelhas – quem tem só orelhas – e no seu interior é só veneno, insensatez, inveja e velhaquice?
O cão não é assim; faz tudo para agradar ao homem, se bem que este não faça nada para agradar ao cão, nem ao menos imitar a sua maneira de ser.
Se eu mandasse faria uma inversão de dons. Poria o homem a ladrar e o cão a falar. Acreditem que ele tinha muito para dizer, deixando o homem despido de toda a sua imbecilidade.
Muito mais teria para dizer sobre as virtudes desse nobre animal, mas penso correr o risco de ser mordido pelo homem. Mesmo assim, quero aqui prestar a minha sincera homenagem ao cão, sem distinção de raças, porque ele conhece melhor o homem do que o homem conhece o cão.
Só por isto, o cão merece.


António Figueiredo e Silva
Coimbra, 03/08/2003


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