quarta-feira, 8 de março de 2017

A IGNORÂNCIA

Nada se pode esclarecer se o
outro embirra em não alcançar.
(A.   Figueiredo)


A IGNORÂNCIA

Por mais paradoxal que possa parecer, não me sinto nada perturbado em reconhecer a imensidão da minha ignorância, face ao obscurantismo que me separa do conhecimento absoluto, mesmo sabendo que a ignorância é a mais cómoda forma de estar na vida, porém, socialmente considerada depreciativa, por aqueles que pensam que sabem tudo; para mim, os verdadeiros ignorantes.
Por muitos momentos da minha vida que tenha dedicado à análise do saber, ainda não cheguei à conclusão de quem sabe o quê, porque todos sabem tudo. Ninguém ousa render-se à evidência da ignorância, se bem que eu a considere como uma outra forma de ver e de saber, porque pode ser-se ignorante, mas não se ser “cego”. Se se enxerga algo, já o absolutismo insapiente da ignorância fica decepado, chegando à conclusão de que entre o saber tudo, que ninguém sabe, e o ignorar o absoluto, que ninguém ignora, a diferença é ténue ou nenhuma.
Penso que para os sensatos, a ignorância foi sua companheira por toda a vida e finaram resignados, porém insatisfeitos, por reconhecerem que muito de ignorância deixaram para trás. Tanto vasculharam, tanto investigaram, tanto remexeram e equacionaram, para finalmente concluírem que a ignorância que os acompanhou durante a sua vivência, e lhes serviu de força impulsionadora para aguçar a curiosidade endógena do querer saber, os levou ao conhecimento socrático de que morreram sem nada saberem! O reconhecimento da forma mais pura da ignorância, como sendo o fim limitativo do conhecimento próprio, mas que encerra uma fonte inesgotável de saber.
Perante vastidão infinita do universo e a sua incomensurável grandeza, onde tudo se renova e se modifica a cada momento, numa luta titânica constante para estabelecer o equilíbrio, por enorme e invulgar que seja o conhecimento humano, este não passa de uma centelha de ignorância e por isso há que reconhecê-lo. Esta é certamente uma propriedade que caminha num paralelismo equivalente ao do saber e com características análogas, distinguindo-se apenas por uma diversidade de pontos de relação em que a análise pode estar errada, porque só a subjectividade a sustenta, tanto mais, que as leis e os conceitos mudam!
Interrogo-me vezes sem fim sobre o que é a ignorância. A ausência de saber absoluto não é. Mas também defendo que ninguém é detentor do saber absoluto. De uma realidade eu estou certo: todos sabem tudo ou alguma coisa. Por isso, se todos sabem tudo ou alguma coisa, ninguém ou todos são ignorantes.
Não discordo contudo, da existência da ignorância em matérias e pontos de vista diversos, mas não como um absoluto onde nada mais existe para além de um simples bípede, completamente acéfalo e amorfo onde todos os sentidos se colapsaram. Somente nesta relação a ignorância é um facto, mas que pode ser debelado através da sede do conhecimento, não deixando porém, de dar novamente lugar à ignorância no patamar seguinte. Analogicamente o saber e a ignorância são como o olhar na escuridão: quanto mais se olha menos se vê.
Como disse Cícero, “a ignorância é a maior enfermidade do género humano”. É verdade!... Porém, actualmente há muito por onde debelar essa enfermidade que, como a Fénix, nunca deixa de existir a todos os níveis e em todas as camadas sociais. Os livros não são herméticos, mas sim exotéricos, como tal, o saber não é pertença exclusiva de determinados círculos chamados elitistas, mas está ao alcance de todo o género humano. Mesmo sem livros, até o mais simples aborígene possui o seu saber baseado na experiência que é de facto a mãe da ciência.
Penso que todos devem reconhecer e tentar medir a sua ignorância antes de a medirem ao seu semelhante, que por certo tem sempre algo de novo para lhes ensinar. Um verdadeiro intelectual ou cientista, nunca sabe quando uma pedra de ignorância está entalada na sua cúpula de saber! E ao reconhecê-lo, é sempre um indivíduo simples, afável, educado e sem presunção, aquela doença, que atinge os limites de parvoíce.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 06/06/2007




  

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