segunda-feira, 20 de março de 2017

A GUERRA

Apesar de ter sido escrita há muitos anos, ainda hoje, lamentavelmente tem muito de verdade.

Onde há grandes recompensas,
 há homens valentes.
(Sun Tzu)


A GUERRA


Parida pela cobiça, à sombra da protecção flatulente do poder enfermo de forte necrose gananciosa e crónica retinopatia, acalentada pela tecnologia bélica, aparece A GUERRA. Para uns, uma autêntica desgraça, para outros uma verdadeira “cowboyada” e ainda para muitos uma maneira de cultivo da imagem. Mas, seja aquilo que for, foi das coisas mais hediondas que na minha juventude tive oportunidade de conhecer. Ninguém conhece ninguém, e o que toca a cada um é defender a sua pele. É por detrás dela que a pátria se encontra e também os interesses dos senhores da guerra, que na realidade não passam de uns miseráveis mas argutos vendedores de peles humanas.
Repare-se nos acontecimentos ocorridos na invasão ao Iraque e os lamentáveis resultados que daí descambaram escusadamente. Tudo isto não foi mais do que o resultado de uma obstinação doentia, de contornos previamente delineados e com fins dominadores, nos contextos geográfico, lucrativo e experimental.
O que me revolta é o cínico baptismo de “guerra cirúrgica”. Mas que grande cirurgia!... Maldito seja o médico que autorizou o uso tal bisturi.
Ainda há meia dúzia de “acreditados” patêgos que nas suas intervenções noticiosas diárias, com toda a solenidade e cagança que me metem nojo, aplicam o termo teatro de guerra. Até dá a impressão que a guerra é uma representação teatral. Lá dramática é, mas de representação artística nada tem.
Tantas pessoas que ficaram na miséria! Tantas pessoas que ficaram arrumadas para toda a vida! Contudo, felizes daquelas que não sobreviveram para ver os resultados dos aplicativos perversos da mente humana, no seu mais alto de morbidez.
No meio de toda esta cena dantesca, existem tomadas de posição de tal maneira tendenciosas que me causam comichão no coiro cabeludo que, apesar de já ser pouco, por baixo ainda reina um razoável poder analítico. Criam um grande alarido noticioso porque morreram um dúzia de jornalistas, - que eu com pesar lamento - quando cumpriam a sua nobre missão de informar, para a qual voluntariamente se propuseram. Pedem justiça e averiguações, com certeza para castigarem os culpados se a esta hora ainda estiverem vivos. Esquecem-se que as balas e os estilhaços não têm olhos, nem estão imbuídos de filosofia para saber onde estão os justos. No campo de batalha, o nervosismo e a tenção são de dimensões tais, que o menor gesto pode ser mesmo a morte do artista.
Quem está no centro operacional onde ouve o ribombar dos canhões, o som vulcânico das bombas e o pesado costurar das metralhadoras, quase não tem tempo para pensar nos outros. Ele está ali para defender-se e com o pensamento sempre fixo em alguma bala que possa vazar-lhe o peito, num estilhaço perdido que tente rasgar-lhe a carne, não descorando a possibilidade de uma bazucada que o leve para os anjinhos.
Por outro lado, quem está dentro das suas quatro paredes, boas ou más, acha-se sob apreensiva tensão, na expectativa de que, em vez de chuva, lhe entre abusiva e repentinamente pelo teto, uma bomba que acabe de vez com os seus pensamentos.
A guerra é assim. Ninguém fez mal a ninguém e toda a gente mata toda a gente.
Depois da tormenta devia vir a bonança, mas isso não acontece; a seguir vem o saque e a vingança. Não obstante estas situações não passarem ao lado do conhecimento dos senhores da guerra, eles nada fazem para a sua contenção. Preocupam-se em abrir as comportas e não se preparam para estancar a água se necessário for.
A guerra é assim e quase sempre injustificável, por muitas justificações que queiram dar.
No caso do triste acontecimento da invasão ao Iraque, as justificações foram diversas, desde a ajuda ao terrorismo internacional, passando pelas  armas de destruição em massa e culminou na ditadura de Sadam Hussein.
Sentiu-se uma nítida e acentuada obsessão por parte do Tio Bush na invasão ao Iraque e conseguiu-o, ainda que a maior parte do mundo estivesse contra esta tomada de posição; foi como no Far West, a lei do mais forte.
Agora, inchando o seu peito de pardal, o Tio Bush congratula-se com a vitória (petrolífera). Mas que vitória!?
Onde se encontram as armas de destruição em massa? Se calhar evaporaram-se.
Onde está Sadam Hussein e o seu governo? Com certeza juntou-se a Bin Laden – mas que duo.
É a isto que se chama vitória?
Espero que ainda existam consciências condescendentes e capazes de perdoar, não obrigando a América a colher os frutos da sua sementeira.
Não necessito acrescentar mais, uma vez que os factos falam por si e as consciências mais sensatas julgarão o sucedido.


António Figueiredo e Silva
Coimbra, 13/04/2003


      

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