segunda-feira, 9 de maio de 2016

O MATA-BORRÃO

O MATA-BORRÃO


Lembram-se?... Aquele papel reles e absorvente servia para secar a caligrafia evitando que ela esborratasse quando a escrita era feita com uma pena rasca? Que chupava também as nódoas (borrões) de tinta, quando esta, pelo seu excesso no aparo era coagida pela força da gravidade e caía no papel com a tendência sacana em borrar a alvura e a estética do documento? A esse papel chamava-se papel mata-borrão (alguns intitulavam de papel mata-murrão). Com o funeral da tecnologia obsoleta esse problema acabou, mas continua a existir sobre outras formas e não tem os mesmos fins que os simples e desusados mata-borrões do antigamente, que muitos não conheceram mas certamente já têm ouvido falar.
Se olhardes à vossa volta numa apreciação calma e concisa, ireis encontrar muitas “nódoas” e “borrões” para as quais o antigo papel mata-borrão, ainda que hoje existisse, não teria qualquer préstimo.
O “mata-borrão” moderno, é um “mata-borrão” de colarinho branco e sapato engraxado, não exceptuando também que os há de calças de ganga e botas cheias de porcaria muito semelhante com a que normalmente lhes sai boca, segregada pela opacidade das suas ideias, mas não absorvem as nódoas erradicando-as cerce; apanham-nas em vez de as chuparem, protegem-nas e serve-se delas para, de cambalacho, chupar os outros ou vergá-los à sua vil maneira de ser.
Como se pode ver, os tempos mudaram mas o “mata-borrão” tem-nos acompanhado sempre numa perseguição cerrada, invariavelmente acompanhado pelas nódoas negras, não para nos facilitar a vida mas para no-la infernizar.
Sou a favor de que quando se apanha um mata-borrão, com ou com ou sem borrão unido, é destruí-lo e mandá-lo para a reciclagem, tantas vezes quantas forem necessárias, até que saia transformado numa utilidade pública mais prestimosa que não a de nos sacanear; ou então promover o seu desaparecimento por completo.
Uma maneira eficaz de destruir completamente um “mata-borrão” com ou sem nódoas, ou reciclá-lo, por muito avantajada que seja a sua estrutura, é isolá-lo, ignorando-o em absoluto. É enquistá-lo socialmente, causando-lhe uma espécie de fibrose no seu ego e ele, de uma maneira ou de outra, acabará por capitular. Se o fizermos, ele degradar-se-á por si próprio, caindo de maduro. O isolamento silencioso e pleno gerado por toda uma comunidade dar-lhe-á poucas hipóteses de sobreviver. O desprezo silente como punição é de todas as armas a mais poderosa de que tenho conhecimento. Convenientemente aplicada ao “mata-borrão”, ele muda a maneira de ser e torna-se dócil e sociável, ainda que a contra gosto, ou então enlouquece e suicida-se.
O ignorar-se um elemento por todos os restantes em forte coesão, possui um poder de destruição incalculável. Por vezes torna-se difícil, mas o silêncio danifica muito as qualidades do “mata-borrão”.
Por isso, para higienização do meio em que vivemos, é de primordial importância “destruir” esse comedor ou protector de borrões, que no final não passa de um verdadeiro limpa sarranhos,  para que a salubridade se possa embrenhar na nossa vivência, em franca, aberta e fraterna comunidade.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 17/07/2007
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