quinta-feira, 12 de maio de 2016

OS QUE SAÍRAM...

Não é intenção minha ao escrever esta narrativa, subverter ou ferir o admirável valor dos emigrantes portugueses, mas sim reportar o que para muitos foi uma história de vida, cheia de sacrifícios, aventuras e desaires, perante os quais muitos capitularam face às evidências que não conseguiram ultrapassar, não obstando contudo, que eu não os considere com o mesmo apreço, respeito e admiração, e lhes atribua o devido valor de corajosos heróis, a quem a sorte não protegeu ou a flacidez natural lhes minou a força de vontade.
                                                                        (A.Figueiredo)


  OS QUE SAÍRAM…
…OS QUE FICARAM E OS QUE REVIERAM


Esta história da emigração tem muito que se lhe diga. Na mente dos que outrora zarparam, levavam um objectivo profundamente determinado, que normalmente não consistia em melhorar a sua situação de vida, contudo a ilusão de enriquecer com facilidade; isto acontece com menos frequência nos dias de hoje, porque a maioria já tem os olhos mais abertos e está mais bem informada, não excluindo como é natural, algumas excepções. Bons, medianos ou mais ou menos, já são depositários de alguma especialidade que lhes permite um melhor nível de vida nas terras adoptivas que propuseram trilhar.
É certo que sacrificam os seus valores afectivos e outros, por um horizonte que, apesar de muitas vezes lhes parecer ter sido devidamente calculado, quando imergem dentro de outro meio onde cultura, a língua, as regras, as exigências e o ambiente social são diferentes, é humano que possam sentir sempre calafrios que durante algum tempo lhes fazem, não digo gelar, mas esfriar o ânimo por longos períodos, até que a adaptação se pronuncie, sem nunca ser absoluta.
Actualmente as condições são outras e graças ao avanço da tecnologia o Mundo encolheu; hoje almoça-se aqui e passadas umas horas merenda-se ou janta-se acolá, a uns “insignificantes” milhares de quilómetros de distância. Matar a imortal saudade tornou-se fácil e a preços acessíveis.
E aqui há sessenta, setenta, oitenta anos? O emigrar era uma coisa do outro mundo, se bem que, situado neste. Para atravessar o Cabo da Boa Esperança ou outro cabo qualquer, o mais penoso era o cabo dos trabalhos.
Por algumas “pinturas” corriqueiras muitos se enganaram; ao notarem que outros – poucos - apareciam lá pelas suas terras, enfarpelados com uma fatiota branca ou azul-céu e panamá rasca a cobrir a caspa misturada com brilhantina sobre o couro cabeludo - que por certo cobria um crânio cheio de vazio intelecto - escarrapachados em riba de uma mota, que não estava ao alcance da maioria, e com alguns trocados nos bolsos, com o objectivo de engatarem a miúda mais “rica” e mais bonita lá da parvónia – por vezes mais “rica” do que bonita – pintando o engate com aperolados e brejeiros termos, ajuntando a estes um propositado timbre estrangeirês a impingir um fraco arremêdo à nossa fonética da nossa língua, que os cegos e grosseiros admiradores até achavam piada e pensavam imediatamente no sonhado reino da árvore das patacas.
Muitos, imbuídos nas histórias mirabolantes contadas por aqueles que aparentavam ter uma vida faustosa, – alguns de facto tiveram-na - mediante uma tutelada carta de chamada cuja protecção era muitas vezes duvidosa, lá embarcaram ao Deus dará, deixando a família em doloroso pranto; pais, irmãos, mulher e filhos, para se dedicarem ao garimpo do enriquecimento fácil, mas que a muitos ficou bastante custoso.
Acabadinhos de sair da lavoura, sem uma profissão definida, apenas com o abecedário mal decorado no alforge cerebral, enleados por natureza no espírito e no corpo, lá iam zarpando para as américas do Sul e do Norte, e para as terras de Simão Bolívar; outros com posses mais frágeis, ficavam-se pela Europa e, a “salto”, depois de muito calcorrear e passarem por diversas situações, desde as mais deprimentes às mais caricatas, amortalhados pela sorte de não serem apanhados e recambiados, lá chegavam a França e a outros países da Europa, onde eram explorados até à medula óssea. Apesar das agruras e outros contratempos sofridos, alguns conseguiram singrar porque a esperteza forçada conseguiu galgar o embrutecimento rústico.
Mesmo assim, aqueles que mais tarde voltaram, na sua maioria trouxeram a tola mais afanada do que de cá levaram; principalmente aqueles que, para aforrarem algum pecúlio, nunca se serviram da inteligência mas sim, dos factores tempo/trabalho e alimentação condicionada.
Ainda hoje podemos observar nesses vetustos “mercenários”, com algumas excepções claro, que quando abrem a matraca é para dizerem nada; apenas palratório de deitar fora, mas altamente convencidos duma sapiência fora do comum, porque estiveram no estrangeiro; o seu tempo de labuta não permitiu que o seu espírito se abrisse e as suas mentes ficaram fechadas ao conhecimento.
Muitos por lá ficaram, constituíram família e adaptaram-se ao meio – que remédio! Entre todos, uns ficaram bem, outros remediadamente e outros na miséria, acabando por lá deixarem a sua estrutura óssea sem fazerem uma peregrinação à santa terrinha onde ao sair do útero materno deram o seu primeiro grito de glória que a vida através do tempo acabou por esmorecer e acabaram por finar levando como fortuna apenas o sonho!
Mesmo assim houve também aqueles que chegaram ao torrão natal e construíram a sua casinha - um dos mais ambiciosos sonhos do ser humano – sem contudo se esquecerem da construção de uns anexos, para prenderem o rafeiro, criarem umas galinhas e passarem a fazer a sua vivência diária, mantendo o resto isento de moscas, teias de aranha e côdeas pelo chão, só para inglês ver. E lá viveram – alguns ainda devem viver - tristemente usando a falsa consideração social marcada pela hipocrisia, porque quando saíram das suas aldeias eram, o Jaquim, o Manel, Zé, o Toino, e quando voltaram deu-se uma imbecilizada e aparente inversão no seu estatuto social e passaram a ser conhecidos pelo Videira, o Sr. Silva, o Sr. Ramalho, o Sr. Ventoínha etc, cuja mutação apenas se deve a uma simulada relevância e consideração.
O Mundo é mesmo reles, não é?

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 12/05/2016
ou:
www.antoniofigueiredo.pt.vu   

  

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