Não é intenção minha ao escrever
esta narrativa, subverter ou ferir o admirável valor dos emigrantes portugueses,
mas sim reportar o que para muitos foi uma história de vida, cheia de
sacrifícios, aventuras e desaires, perante os quais muitos capitularam face às
evidências que não conseguiram ultrapassar, não obstando contudo, que eu não os
considere com o mesmo apreço, respeito e admiração, e lhes atribua o devido
valor de corajosos heróis, a quem a sorte não protegeu ou a flacidez natural
lhes minou a força de vontade.
(A.Figueiredo)
OS QUE
SAÍRAM…
…OS
QUE FICARAM E OS QUE REVIERAM
Esta
história da emigração tem muito que se lhe diga. Na mente dos que outrora
zarparam, levavam um objectivo profundamente determinado, que normalmente não
consistia em melhorar a sua situação de vida, contudo a ilusão de enriquecer
com facilidade; isto acontece com menos frequência nos dias de hoje, porque a
maioria já tem os olhos mais abertos e está mais bem informada, não excluindo como
é natural, algumas excepções. Bons, medianos ou mais ou menos, já são depositários
de alguma especialidade que lhes permite um melhor nível de vida nas terras
adoptivas que propuseram trilhar.
É certo que sacrificam os seus valores
afectivos e outros, por um horizonte que, apesar de muitas vezes lhes parecer
ter sido devidamente calculado, quando imergem dentro de outro meio onde cultura,
a língua, as regras, as exigências e o ambiente social são diferentes, é humano
que possam sentir sempre calafrios que durante algum tempo lhes fazem, não digo
gelar, mas esfriar o ânimo por longos períodos, até que a adaptação se
pronuncie, sem nunca ser absoluta.
Actualmente as condições são outras e
graças ao avanço da tecnologia o Mundo encolheu; hoje almoça-se aqui e passadas
umas horas merenda-se ou janta-se acolá, a uns “insignificantes” milhares de
quilómetros de distância. Matar a imortal saudade tornou-se fácil e a preços
acessíveis.
E aqui há sessenta, setenta, oitenta
anos? O emigrar era uma coisa do outro mundo, se bem que, situado neste. Para
atravessar o Cabo da Boa Esperança ou outro cabo qualquer, o mais penoso era o
cabo dos trabalhos.
Por algumas “pinturas” corriqueiras muitos
se enganaram; ao notarem que outros – poucos - apareciam lá pelas suas terras,
enfarpelados com uma fatiota branca ou azul-céu e panamá rasca a cobrir a caspa
misturada com brilhantina sobre o couro cabeludo - que por certo cobria um
crânio cheio de vazio intelecto - escarrapachados em riba de uma mota, que não
estava ao alcance da maioria, e com alguns trocados nos bolsos, com o objectivo
de engatarem a miúda mais “rica” e mais bonita lá da parvónia – por vezes mais
“rica” do que bonita – pintando o engate com aperolados e brejeiros termos,
ajuntando a estes um propositado timbre estrangeirês
a impingir um fraco arremêdo à nossa fonética da nossa língua, que os cegos e grosseiros
admiradores até achavam piada e pensavam imediatamente no sonhado reino da árvore
das patacas.
Muitos, imbuídos nas histórias
mirabolantes contadas por aqueles que aparentavam ter uma vida faustosa, –
alguns de facto tiveram-na - mediante uma tutelada carta de chamada cuja
protecção era muitas vezes duvidosa, lá embarcaram ao Deus dará, deixando a
família em doloroso pranto; pais, irmãos, mulher e filhos, para se dedicarem ao
garimpo do enriquecimento fácil, mas que a muitos ficou bastante custoso.
Acabadinhos de sair da lavoura, sem uma
profissão definida, apenas com o abecedário mal decorado no alforge cerebral, enleados
por natureza no espírito e no corpo, lá iam zarpando para as américas do Sul e
do Norte, e para as terras de Simão Bolívar; outros com posses mais frágeis,
ficavam-se pela Europa e, a “salto”, depois de muito calcorrear e passarem por
diversas situações, desde as mais deprimentes às mais caricatas, amortalhados
pela sorte de não serem apanhados e recambiados, lá chegavam a França e a
outros países da Europa, onde eram explorados até à medula óssea. Apesar das
agruras e outros contratempos sofridos, alguns conseguiram singrar porque a
esperteza forçada conseguiu galgar o embrutecimento rústico.
Mesmo assim, aqueles que mais tarde voltaram,
na sua maioria trouxeram a tola mais afanada do que de cá levaram; principalmente
aqueles que, para aforrarem algum pecúlio, nunca se serviram da inteligência mas
sim, dos factores tempo/trabalho e alimentação condicionada.
Ainda hoje podemos observar nesses
vetustos “mercenários”, com algumas excepções claro, que quando abrem a matraca
é para dizerem nada; apenas palratório de deitar fora, mas altamente
convencidos duma sapiência fora do comum, porque estiveram no estrangeiro; o
seu tempo de labuta não permitiu que o seu espírito se abrisse e as suas mentes
ficaram fechadas ao conhecimento.
Muitos por lá ficaram, constituíram família
e adaptaram-se ao meio – que remédio! Entre todos, uns ficaram bem, outros
remediadamente e outros na miséria, acabando por lá deixarem a sua estrutura
óssea sem fazerem uma peregrinação à santa terrinha onde ao sair do útero
materno deram o seu primeiro grito de glória que a vida através do tempo acabou
por esmorecer e acabaram por finar levando como fortuna apenas o sonho!
Mesmo assim houve também aqueles que
chegaram ao torrão natal e construíram a sua casinha - um dos mais ambiciosos
sonhos do ser humano – sem contudo se esquecerem da construção de uns anexos,
para prenderem o rafeiro, criarem umas galinhas e passarem a fazer a sua
vivência diária, mantendo o resto isento de moscas, teias de aranha e côdeas
pelo chão, só para inglês ver. E lá viveram – alguns ainda devem viver -
tristemente usando a falsa consideração social marcada pela hipocrisia, porque
quando saíram das suas aldeias eram, o Jaquim, o Manel, Zé, o Toino, e quando
voltaram deu-se uma imbecilizada e aparente inversão no seu estatuto social e
passaram a ser conhecidos pelo Videira, o Sr. Silva, o Sr. Ramalho, o Sr. Ventoínha
etc, cuja mutação apenas se deve a uma simulada relevância e consideração.
O Mundo é mesmo reles, não é?
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 12/05/2016
ou:
www.antoniofigueiredo.pt.vu
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