CARTA DE UMA TOUPEIRA
Exmo/s
Sr/s
Como
estamos em tempo húmido e a comida é mais abundante, se bem que seja necessário
cavar muito para que não falte. Hoje, resolvi empregar um pouco do tempo que
tenho disponível para endereçar-lhes esta carta, em nome de toda a família
toupeiral onde faço questão de exteriorizar o nosso gozo, em sabermos que o/s
Sr/s não percebem patavina do assunto, mas estão apostados em enfiar o barrete
até às orelhas aos patinhos e aos incautos da V. raça, que fervilham de raiva,
dominados por férrea vontade em promover a nossa exterminação; para isso, têm
recorrido às mais variadas mezinhas, remédios, fumos, objectos cortantes, armadilhas
e ultimamente, até vêem esquadrinhando e aplicando sofisticados sistemas
electrónicos que emitem um som cavo de flauta de cana rachada, ao qual, depois
de nos habituarmos ao seu compasso, até dançamos e descontraidamente
adormecemos; toda essa azáfama para quê? Sois uns pobres diabos! Ainda não
verificastes que essas charlatanices não têm sucesso?
Também
desconhecemos qual é o motivo do vosso azedume contra nós!? Arejamos os vossos
terrenos, tornando-os mais produtivos; damos cabo dos inimigos das vossas
culturas, trucidando escaravelhos, roscas, lesmas, caracóis e até algumas
minhocas. Não vemos motivo para tanto ódio. Reconhecemos no entanto, que as
nossas cavernosas vias de comunicação através das quais transitamos e
comunicamos entre nós e que fazem parte da nossa sobrevivência, muitas por
vezes retiram o alimento às raízes de algumas das vossas plantas mais tenras,
tornando-as débeis e supliciando-as à secura; mas por isto não vos deveríeis
zangar, pois ainda vos sobra muito para vos alimentardes se não fordes austeros, para aparvalhadamente
investirdes no desperdício; por isso não deveis ter mais olhos que barriga.
Os
indivíduos da nossa família dão à luz na escuridão, entre 2 a 8 crias, isto
duas vezes por ano. Nós não usamos preservativos, pílulas do dia seguinte, nem
fazemos condenáveis abortos; todos os que vierem aumentar a prol são sempre
bem-vindos, tratados e acarinhados com denodado afecto.
Somos
tantas famílias que vós, humanos, nunca conseguireis exterminar a nossa raça;
deixem-se de pensar sobre o fim do nosso género porque isso não passará de um
sonho; que queirais aldrabar os vossos clientes e vender todo o sistema de artimanhas,
isso já é outro assunto; porém, não podemos descorar que os “canudos”, velha
invenção vossa, que têm sido muito perigosos, tendo condenado muitos dos nossos
ao encarceramento e a uma morte supliciante à fome, à sede, ao tórrido calor
solar no estio ou enregelamento invernoso. Quanto àqueles electrónicos, que são
postos a apanhar banhos de sol na cabeça para terem força musical, vendam
muito; dão-nos música nas horas amargas e ajudam-nos a pegar no joão-pestana,
para além de acalmarem os nossos bebés quando estão mais rabugentos. Esses não
nos assustam!
Mas
o melhor seria não serem parvos e deixarem-nos em paz.
A TOUPEIRA-MOR
António Figueiredo e Silva
Coimbra, 22/04/2015
www.antoniofsilva.blogspot.com
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