domingo, 13 de dezembro de 2015

CARTA DE UMA TOUPEIRA

Exmo/s Sr/s
Como estamos em tempo húmido e a comida é mais abundante, se bem que seja necessário cavar muito para que não falte. Hoje, resolvi empregar um pouco do tempo que tenho disponível para endereçar-lhes esta carta, em nome de toda a família toupeiral onde faço questão de exteriorizar o nosso gozo, em sabermos que o/s Sr/s não percebem patavina do assunto, mas estão apostados em enfiar o barrete até às orelhas aos patinhos e aos incautos da V. raça, que fervilham de raiva, dominados por férrea vontade em promover a nossa exterminação; para isso, têm recorrido às mais variadas mezinhas, remédios, fumos, objectos cortantes, armadilhas e ultimamente, até vêem esquadrinhando e aplicando sofisticados sistemas electrónicos que emitem um som cavo de flauta de cana rachada, ao qual, depois de nos habituarmos ao seu compasso, até dançamos e descontraidamente adormecemos; toda essa azáfama para quê? Sois uns pobres diabos! Ainda não verificastes que essas charlatanices não têm sucesso?
Também desconhecemos qual é o motivo do vosso azedume contra nós!? Arejamos os vossos terrenos, tornando-os mais produtivos; damos cabo dos inimigos das vossas culturas, trucidando escaravelhos, roscas, lesmas, caracóis e até algumas minhocas. Não vemos motivo para tanto ódio. Reconhecemos no entanto, que as nossas cavernosas vias de comunicação através das quais transitamos e comunicamos entre nós e que fazem parte da nossa sobrevivência, muitas por vezes retiram o alimento às raízes de algumas das vossas plantas mais tenras, tornando-as débeis e supliciando-as à secura; mas por isto não vos deveríeis zangar, pois ainda vos sobra muito para vos alimentardes  se não fordes austeros, para aparvalhadamente investirdes no desperdício; por isso não deveis ter mais olhos que barriga.
Os indivíduos da nossa família dão à luz na escuridão, entre 2 a 8 crias, isto duas vezes por ano. Nós não usamos preservativos, pílulas do dia seguinte, nem fazemos condenáveis abortos; todos os que vierem aumentar a prol são sempre bem-vindos, tratados e acarinhados com denodado afecto.
Somos tantas famílias que vós, humanos, nunca conseguireis exterminar a nossa raça; deixem-se de pensar sobre o fim do nosso género porque isso não passará de um sonho; que queirais aldrabar os vossos clientes e vender todo o sistema de artimanhas, isso já é outro assunto; porém, não podemos descorar que os “canudos”, velha invenção vossa, que têm sido muito perigosos, tendo condenado muitos dos nossos ao encarceramento e a uma morte supliciante à fome, à sede, ao tórrido calor solar no estio ou enregelamento invernoso. Quanto àqueles electrónicos, que são postos a apanhar banhos de sol na cabeça para terem força musical, vendam muito; dão-nos música nas horas amargas e ajudam-nos a pegar no joão-pestana, para além de acalmarem os nossos bebés quando estão mais rabugentos. Esses não nos assustam!
Mas o melhor seria não serem parvos e deixarem-nos em paz.


                                                               A TOUPEIRA-MOR


António Figueiredo e Silva
Coimbra, 22/04/2015
www.antoniofsilva.blogspot.com


      

Sem comentários:

Enviar um comentário