O HABEIS COPUS
O HABEIS COPUS
(Fantasia)

Como ainda era portador de uns euros no
fundo dos bolsos - um restito da sua parca reforma – e não era cego nem surdo,
tinha os sectores timpânicos um pouco desafinados com a pinga, mas os olhos
vivos como vidro e com bom alcance; esgazeado e cambaleante, perscrutava com a
calma pachorrenta de um ébrio de boa catadura, o próximo ramo de loureiro que à
luz pálida dos candeeiros da ruela lhe luzisse; procurava a tasca do Salvador
Torcato Junqueiro, mais conhecido por STJ, onde quase sempre recorria ao último
copito no fim da costumeira via-sacra diária. Mas hoje foi demais!
De vez em quando, zizagueava de um lado
para o outro da estreita viela, como um barco maluco a navegar no mar revolto;
do chão pedregoso de antiga calçada portuguesa, fartamente atapetado de beatas
e escarraduras, sobressaia um acidulado cheiro a mijo, que o hábito, na sua
lenta mas persistente teimosia, há muito tempo lhe havia suprimido das narinas.
Anda mais uns metros e percebe-se de um
cacofónico burburinho; ao aproximar-se ouve umas palavras quaisquer vindas de
alguém conhecido, que fazia parte do monte da velha-guarda, que lhe soaram como Habeis Copus.
Olhou para o lado e para cima e lá
estava um bocado desfocado – a borracheira não dava p´ra mais - o ramo de
loureiro com as folhas já um pouco desbotadas que, num convidativo aceno
pecador o aliciava a mais um púcaro, para acabar de atestar o bandulho até ao
gargalo. Era a taberna do STJ que este explora mai’la mulher.
Um pouco desequilibrado encostou-se às
portas e, vencendo a teimosia da força das molas, entrou de rompante e
agarrou-se à primeira mesa em que tropeçou, para não cair.
Com calma santa e voz arrastada, apenas pergunta
ao casal que toma conta da chafarica.
Habeis Copus? – Ouvem-se risadas de
chacota.
Não! – Responde o STJ com voz dura, ao
ver o estado deprimente daquele desgraçado, outrora bem fincado na vida.
Agora não há pão p’ra malucos. Bai p’ra casa e num seijas casmurro.
Desalentado com a resposta de STJ e sem
nada retorquir, já muito encharcado pela zurrapa que havia ingerido, deu meia
volta, virou costas e, cobreante, rumou
para o seu pardieiro “edificado” ao fundo do quelho, procurar curar a de hoje,
para recomeçar a de amanhã.
Lá o esperava uma “velha” enxerga para
dar descanso ao corpo e ao espírito já muito causticados pela crise que ele
próprio arranjou e que agora tentava afogar na buída.
Sabia que não iria dormir descansado por
causa das companhias e dos pensamentos que lhe moíam a mioleira! Lá era também,
o domicílio de umas dezenas ou talvez centenas de pulgas, sedentas de sangue
quente e ansiosas por lhe picarem as artérias bem avinhadas das panturrilhas.
È uma pena! Mas ao que constava foi ele
é que traçou o seu acidentado trilho.
Por causa desta cena, os amigos até o
baptizaram de “ O HABEIS COPUS”.
António Figueiredo e Silva
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