Esta é uma história real,
que sucedeu comigo.
A “CRISE”
(de juízo)
Por imposição relativa,
para evitar que a força da gravidade pudesse vir a derribar uma parede
construída em granito bruto, empilhado na ausência de cimento há mais de
trezentos anos, tive necessidade de contactar com artistas que se diziam acertados
na matéria, a fim de reforçar a “fóssil”, porém venerável estrutura de uma casa
transmontana, minha pertença.
Traçada a
estratégia e firmada a convenção dos trabalhos a efectuar e o seu custo, eles
(dois) lá apareceram às oito da manhã do dia combinado, munidos de duas
marretas mal encavadas, dois cinzéis, já rombos pelo uso e pelo desleixo, uma
fita métrica cujo aspecto denunciava grande débito ao brio e à estimação, cheia
de borbulhas de cimento, uma colher de pedreiro e o toco de um cigarro cativo
ao canto de uns beiços desidratados e amarelecidos pela nicotina.
Ao ver todo
aquele aparato de “engenharia” com que se faziam acompanhar, pensei logo, temos
gente! Fraquinha, mas temos gente! Vamos lá a ver o que isto vai dar – maquinei
logo numa caldeirada de pensamentos entre a apreensão e a incerteza.
Bem, entre
marretadas e cinzeladas, por azar sem nenhuma acertar nos dedos, lá deram
início à labuta com tão aguerrida vontade, que me deixaram atónito. Afinal
estes flinstones quer-me parecer que
são mesmo bons no pica-pedra.
Pensei ter
constatado que realmente a crise tinha batido à porta daqueles fulanos, ao ver
o modo acelerado como trabalhavam e o que arrazoavam, justificando tudo com
argumentos e actos, para que a sua jorna não fosse carpida, e certamente para
que a faina nunca lhes faltasse - não fosse eu veicular uma má propaganda na
aldeia, que em poucas horas se espalharia pelos arredores.
É a crise -
pensei eu - face às evidências aterradoras que incansavelmente e sem pejo
fulminam o pachorrento povo português.
Todos os dias,
durante três dias consecutivos, a partir das oito horas da manhã começava a
peleja castigadora e vingativa contra as paredes de granito, que se prolongava
até às cinco da tarde, com uma hora de intervalo para o almoço, como regula a
lei, e dez minutos alargados para uma cerveja a acompanhar a bucha da
tarde; é que os nossos trabalhadores não
passam sem a cervejita ou vinhito no trabalho – água corrói as osteo-articulações
e não “enseba” a mente.
Segunda, terça,
quarta… Quinta-feira não apareceram os trabalhadores que eu acreditava estarem
afectados pela crise, em face da acentuada lamúria, que com muito talento e
“competência” vinham transmitindo.
Realmente e com
algum espanto, vim a saber que estavam afectados por uma crise que, visionada
de outro aspecto não foi mais do que uma crise de cachimónia, que eles não
conseguiam debelar; era dia de caça! Foi por isso um dos dias da semana em que
eles religiosamente trocavam o trabalho por uma passeata entre carqueja,
touregas e carrascos, levando embutida na mente uma chumbada certeira no casaco
felpudo de algum coelho mais distraído ou assolado por forte caganeira, que
pela frente lhes passasse.
No dia seguinte
ao saber que o acontecimento, apenas tinha sido decidido entre ambos sem
qualquer aviso prévio com a entidade patronal que lhes proporcionava trabalho
durante o ano, fiquei boquiaberto e comentei para comigo:
- Então é esta
a crise de que tanto gemem?
Afinal estes não
tinham uma crise de trabalho, nem uma crise financeira, mas sim, uma crise de
juízo. E como estes há muitos.
Final da
história:
O patrão não aprovou e passados uns dias
entraram mesmo em crise – talvez temporária, porque há sempre gente de boa-fé
que vai caindo no engôdo.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra, 23/01/2015
www.antoniofigueiredo.pt.vu
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