terça-feira, 13 de janeiro de 2015

MEGALOMANIA



Esta crónica, lá por ter
uns anitos, inda arrebunha!


 MEGALOMANIA

Se as mãos se apresentarem gretadas, cheias de calosidades, com a pele cor de bronze e as unhas aureoladas de esterco, para a maioria dos portugueses o trabalho que elas executam é nojento e degradante. Já é um trabalho que não tem dignidade alguma, ainda que esteja a ser feito por uma alma nobre e bem-aventurada. Está sempre sujeito a um criticismo estúpido, empurrado pelas vagas da vaidade daqueles que não se pautam por dar o corpo ao manifesto e muitas vezes não têm onde cair mortos, ou por aqueles em cuja cabeça o Criador se esqueceu de retirar o barro em excesso e em seu lugar ter colocado um cérebro normal. Não é qualquer trabalho que serve à maioria do público português e é por isso que estamos atascados intelectual, económica e politicamente, como se pode ver, uma vez que a produtividade é defeituosa para os que fazem alguma coisa e nula para os parasitas comedores das migalhas que não sobram, mas que vão sendo constantemente mendigadas ao estrangeiro, por rechonchudos pedintes de colarinho branco, sem qualquer ponta de vergonha tabuleta, que, para o efeito vão revezando entre si o lugar à manjedoura.

Enterramo-nos por sermos parvos e imbecis. Porque olhamos demasiado para o espelho sem sequer termos o discernimento para nos lembrarmos de que a sua última prestação ainda não foi paga, nem reparamos na triste figura que ele nos reflecte. Sei que estas são palavras duras e cínicas, porém, devo acrescentar que se mais o não são, é porque as não encontro mais aguçadas para o efeito, e não porque a vontade de aguilhoar me haja abandonado. Sempre primei por ser irreverente – não mal-educado - e, para descanso da minha consciência, incomodar a de muita gente que anda com ela pesada e oprimida, por querer pensar ser aquilo que sobejamente sabe que não é. 
- Olha aquele é limpa-chaminés! – Dizem em tom irónico e depreciativo. Mal sabe quem o diz, que a mancha negra que lhe tapa a visão, é mais escura do aquela que cobre o corpo daquele humilde trabalhador. Esquecem-se que a ignorância está latente em todas as cabeças, desde o mais ilustre Pedreiro até ao mais pequeno Dr.. Como condição natural, todos somos ignorantes em alguma coisa e mais cegos são aqueles que o não reconhecem.
Quanto ao conceito de trabalho e sua filosofia no nosso meio social, este tem que ser “limpo”, se não, não é trabalho mas sim javardice; por outro lado, é da nossa miserável compreensão que ele só deve ser executado por quem precisa, ou ignobilmente se supõe que assim seja; o que por si nos coloca numa situação de normal igualdade - anormal e nada inteligente
É muito vulgar ouvir-se de bocarras mais linguareiras e menos esclarecidas ética e culturalmente, em palavras de sarcástico tom, “bocê trabalha porquê? Já não precisa!?”, dando-nos a nítida impressão de sabem de cor e salteado a nossa conta bancária – e não só - e até a nossa maneira de gerirmos o tempo enquanto por cá andamos a “empeçar”.
“Eu não faria aquilo que ele faz. Que porcaria de serviço”! Também se ouve disto.
 E para ajudar a manter a mentalidade dos portugueses nesta linha de pensamento, dizem muitos dos nossos políticos, que, como todos sabemos, não deixam de ser trabalhadores a sério, “necessitamos de imigração”.
Eu pergunto. Para o quê? Para fazerem os serviços que nós, por endémica mania, não queremos fazer?
Não vejo que no nosso país o trabalho tenha mérito algum. É preferível e mais cómodo, deixar que ele azede e continuarmos com a mania das grandezas.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 20/05/2005
www.antoniofigueiredo.pt.vu












Sem comentários:

Enviar um comentário