sábado, 24 de janeiro de 2015

A "PEREGRINAÇÃO"



A “PEREGRINAÇÃO”

A “fé”, ainda que o fingimento por conveniência possa fazer parte de uma das características que eventualmente contribuam para o seu suporte, pode de facto mudar as opiniões de muitos mais mal formados ou deficientemente informados, e conseguir deste modo, fazer rodopiar o mundo em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, com consequências, quiçá desastrosas. É evidente que só a demonstração de uma fidúcia onde a própria confiança é dúbia, não chega para inverter o rumo das circunstâncias, quando estas também carecem de fiabilidade, havendo no entanto quem acredite nessa possibilidade, sabendo de antemão quão longínquo está a consumação do seu desejo.
A “caminhada” não é feita por atalhos árduos, ao vento, à chuva, ao frio ou pela canícula; não ao é sabor das condições climáticas, mas em luxuosos autocarros que beneficiam da melhor tecnologia para conforto dos devotos ” peregrinos”; possuem até, um pequeno espaço para uma mija rapidinha, cuja insistência fisiológica, se não for atendida em devido tempo, pode encharcar as calças e com alguma sorte, ensopar as meias e os sapatos de ácido úrico.
É neste ambiente nada austero mas faustoso, que os peregrinos se podem dirigir à capelinha onde o santo se deve encontrar, provavelmente há muitas noites sem dormir, por estar em meditação profunda, na fisga de mudar a moral deste mundo canino e “ingrato” que, sem misericórdia e com asseverada raiva, lhe rilha os calcanhares.
Em grande peregrinação, os devotos (?), salmodiando vocábulos, alinhando-os e sobrepondo-os com filosóficos tijolos de astúcia, procuram edificar uma colossal aparência de indignação que não se irá manter erguida por muito tempo, ou colapsará antes de atingir o cume, por falta de solidez nas bases de sustentação que os “blasfemos”, por falta de fé, estão apostados em destruir. Contudo, lá se dirigem para Évora, onde existe uma capelinha, a suposta morada do grande santo milagreiro.
É mais um sítio no nosso país onde, ao que parece, é exalada grande força anímica nos tempos modernos – para os crentes que comungam os mesmos ideais – que auxilia a vencer as realidades negativas da nossa consciência.
Pode sentir-se que esta energia espiritual não terá a mesma intensidade que a de outros locais de culto, sendo talvez por esta a razão que as romagens, tenham até agora, sido feitas só por “meia dúzia de crentes” e alguns seguidores de favor.
Creio que é numa ermida, situada naquela cidade alentejana, agora badalada em todo o mundo, que se encontra, a meu ver, o anacoreta mais mediático que conheço; é o primeiro de que há memória, a ser “canonizado” em vida; não por um milagre de multiplicação de pães, que muitos portugueses infelizmente até estão a necessitar, mas pelo fenómeno (milagre) da multiplicação dos €uros, que esses mesmos infelizes andam, de gravata de sisal ao pescoço, cinto apertado e calças na mão a pagar, sem verem o saldo liquidado.
É em Évora, que sem botas de cano alto, apenas agasalhado por uma manta cinzenta, no despido, frio, e “insalubre” isolamento da sua ermida, se encontra o venerável “santo” que a todo o momento, com indubitável preocupação e misericórdia, ora pro nobis!
Merecedor pois, das mais “dignificantes e sacrificiais peregrinações” – de quem crê, como é óbvio.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 24/01/2015
www.antoniofigueiredo.pt.vu



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