A “PEREGRINAÇÃO”
A
“fé”, ainda que o fingimento
por conveniência possa fazer parte de uma das características que eventualmente
contribuam para o seu suporte, pode de facto mudar as opiniões de muitos mais
mal formados ou deficientemente informados, e conseguir deste modo, fazer
rodopiar o mundo em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, com
consequências, quiçá desastrosas. É evidente que só a demonstração de uma
fidúcia onde a própria confiança é dúbia, não chega para inverter o rumo das
circunstâncias, quando estas também carecem de fiabilidade, havendo no entanto
quem acredite nessa possibilidade, sabendo de antemão quão longínquo está a
consumação do seu desejo.
A
“caminhada” não é feita por atalhos árduos, ao vento, à chuva, ao frio ou pela canícula;
não ao é sabor das condições climáticas, mas em luxuosos autocarros que
beneficiam da melhor tecnologia para conforto dos devotos ” peregrinos”;
possuem até, um pequeno espaço para uma mija rapidinha, cuja insistência
fisiológica, se não for atendida em devido tempo, pode encharcar as calças e
com alguma sorte, ensopar as meias e os sapatos de ácido úrico.
É
neste ambiente nada austero mas faustoso, que os peregrinos se podem dirigir à
capelinha onde o santo se deve encontrar, provavelmente há muitas noites sem
dormir, por estar em meditação profunda, na fisga de mudar a moral deste mundo
canino e “ingrato” que, sem misericórdia e com asseverada raiva, lhe rilha os
calcanhares.
Em
grande peregrinação, os devotos (?), salmodiando vocábulos, alinhando-os e
sobrepondo-os com filosóficos tijolos de astúcia, procuram edificar uma
colossal aparência de indignação que não se irá manter erguida por muito tempo,
ou colapsará antes de atingir o cume, por falta de solidez nas bases de
sustentação que os “blasfemos”, por falta de fé, estão apostados em destruir. Contudo,
lá se dirigem para Évora, onde existe uma capelinha, a suposta morada do grande
santo milagreiro.
É
mais um sítio no nosso país onde, ao que parece, é exalada grande força anímica
nos tempos modernos – para os crentes que comungam os mesmos ideais – que
auxilia a vencer as realidades negativas da nossa consciência.
Pode
sentir-se que esta energia espiritual não terá a mesma intensidade que a de
outros locais de culto, sendo talvez por esta a razão que as romagens, tenham
até agora, sido feitas só por “meia dúzia de crentes” e alguns seguidores de
favor.
Creio
que é numa ermida, situada naquela cidade alentejana, agora badalada em todo o
mundo, que se encontra, a meu ver, o anacoreta mais mediático que conheço; é o
primeiro de que há memória, a ser “canonizado” em vida; não por um milagre de
multiplicação de pães, que muitos portugueses infelizmente até estão a
necessitar, mas pelo fenómeno (milagre) da multiplicação dos €uros, que esses
mesmos infelizes andam, de gravata de sisal ao pescoço, cinto apertado e calças
na mão a pagar, sem verem o saldo liquidado.
É
em Évora, que sem botas de cano alto, apenas agasalhado por uma manta cinzenta,
no despido, frio, e “insalubre” isolamento da sua ermida, se encontra o venerável
“santo” que a todo o momento, com indubitável preocupação e misericórdia, ora pro
nobis!
Merecedor
pois, das mais “dignificantes e sacrificiais peregrinações” – de quem crê, como
é óbvio.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
24/01/2015
www.antoniofigueiredo.pt.vu
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