terça-feira, 26 de março de 2013

AS LUVAS




                                                  AS LUVAS

São os componentes de agasalho com maior versatilidade que conheço. Actualmente o seu uso tem sido abusivamente solicitado e não tardará muito que, para nos cumprimentarmos, não poderemos prescindir da sua acção protectora. O seu enraizamento na cultura humana é tão massivo, que quando é intenção de alguém urdir uma trama ao parceiro, invariavelmente usa luvas, para que as palavras saiam com uma macieza mais algodoada e consigam vazar a indecisão e instalar em seu lugar a concretização, antes onírica, de uma pretensão que vai metamorfosear-se em certeza.
Toda a gente usa luvas; uns porque têm mesmo necessidade da sua protecção, outros, por pura vaidade. Os emproados e os que realmente labutam, não aborrecem ninguém e cada um usa-as à feição para os fins de que mais necessita. Alguma figuras, cuja razão desconheço porque as usam, são os mordomos e os porteiros dos hotéis; não passam esquecidos também, os guarda-portas dos bordéis mais requintados, onde a “ralé” de alto gabarito faz o seu tratamento etílico e em sigilosa privacidade roça o seu toucinho. Porém, desde o pedreiro ao carpinteiro, não fugindo ao trolha, passando pelo ferreiro, ferrador, engenheiro e engenheireco, atendendo também ao alveitar, médico e veterinário, enfermeira, parteira, etc. por todas aquelas mãos passam guantes.
As luvas não servem só para proteger o ser humano perante a agressividade das condições climáticas ou do trabalho; são como o bacalhau, existe mil e umas maneiras para a sua conveniente utilização, em função dos fins a que se destinam.
Até aqui não há nada de relevante a comentar ou a lamentar; a grande questão, quiçá discutível a respeito das luvas, é quando elas entram e acalentam o universo político, governativo e institucional de qualquer país. Quando bem calçadas em mãos comandadas por consciências inexistentes, das quais Portugal está francamente bem servido, podem promover a corrupção e infectar os mais diversos elementos que agregam todos sistemas de uma cadeia administrativa, levando-os desta forma a um inevitável apodrecimento de difícil travagem, cujas consequências serão desastrosas. As luvas conseguem degolar todas as regras, por muita rigidez que seja criada para evitar a sua “injunção”. As luvas, como os nomes, entram em tudo, e principalmente são o unto lubrificador da ilegalidade onde as regras escorregam e a investigação patina; são os óculos laterais em couro, que embargam a visão periférica fazendo a “vista grossa”, permitindo que tudo o que passe ao lado, intencionalmente não seja entendido.
A compra de submarinos, viaturas de alta cilindrada para chefões, blindados para forças de segurança, contractos de parcerias público-privadas e similares, concessões para construção dos mais diversos edifícios, aglutinando também parques de estacionamento, estádios, latrinas públicas e até míseros muros de protecção etc., são quase sempre “legalmente” executados sob a acção protectora de guantes, que podem ser substituídos por outros interesses subjacentes. 
As luvas, dependendo das mãos de quem as recebe, desemperram as mais diversas engrenagens burocráticas  que por vezes não têm préstimo algum, mas que funcionam como uma pedra no sapato do cidadão comum. Podem ser também manhosamente utilizadas em sectores, tais como o judicial, segurança, fiscalização, saúde… e a propósito de saúde vejamos isto: então as luvas não foram usadas pelo nosso governo e por aquele triunvirato manhoso, a soldo de um sistema especulativo e escandaloso, para fazerem o toque rectal à nossa economia, e, concomitantemente a todos os portugueses, cujas “dores” ainda agora continuam a causticar-nos a pele?
Por tudo isto, as luvas, principalmente aquelas que serpenteiam no campo fraudulento do secretismo onde é criada a mineração do embuste para escamotear interesses próprios, são dignas deste caricato mas real quadro.
Dixit.

António Figueiredo e Silva
Coimbra 24/03/2013
www.antoniofigueiredo.pt.vu




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