PORQUE ESCREVO


Eu não escrevo em português.
Escrevo eu mesmo.
(Fernando Pessoa)


PORQUE ESCREVO
(Destilada com o perfume aromático de uma cachimbada)

Além de outras, a escrita sempre foi uma das minhas inclinações prediletas, cuja particularidade já deve ter vindo engastada na essência da minha construção natural.
Sinto que, redigir é palmilhar os caminhos da minha imaginação, no que concerne a momentos vividos desde que principiei a ter o conceito da minha existência como ser pensante; relembrar o passado até onde a memória alcança, viver o presente e preconizar o futuro, servindo-me para este último, das experiências e sensações fossilizadas no meu íntimo que, por muito profundas que se encontrem, com algum esforço consigo fazê-las germinar, e por factos constatados no espaço contemporâneo, que podem ser de rir, chorar ou naturalmente, deplorar.
É com o conjunto destes “materiais” que dou azo à construção do adobe, com o qual dou corpo ao meu pensamento, transformando-o numa realidade sensível aos sentidos, para que os elementos da comunidade que leem as minhas patranhas, possam tecer os seus comentários; estes podem ir desde os maiores aplausos, às mais desmedidas críticas, com justa razão de causa, ou por mera insuficiência de entendimento. Não exceptuo outras, que são elaboradas por esmerada parvoíce, consequência de um vincado ou vinculado, secatarismo doutrinal que, como endemia que é, lhes afecta o caco e turva a visão, em consequência da adulteração das reacções químicas inerentes às substâncias que estão na origem do seu discernimento desrazoável. Paciência!?         
Porém, nunca foram nem serão estas “coisecas” que farão com que eu deixe de escrever com causticidade ou louvor, conforme o assunto assim o requeira.
Concebo-o a meu modo e à minha dimensão, não como um “douto” letrado (?), mas com a simplicidade do meu parco e modesto saber, e com a rigorosa intenção de descarregar o que de benévolo ou de malicioso me circula no âmago, criado no momento ou em consequência de enfartado acumular.
É verdade que quando disserto, não o faço com a intensão de que todos os elementos da sociedade obsequiem os meus ditames, mas para que estes que despontem possibilidades de se poderem polir pareceres através do debate dialogante, ameno e não agressivo, sem haver necessidade de recorrer a palavras menos comestíveis ou insultuosas, como algumas cavalgaduras da nossa “urbe aristocrática” e não só, costumam, escoicinhando, relinchar.
A minha forma de escrevedura, dizem os entendidos na matéria, que não eu, tem uma marca exclusiva, que nem eu próprio percebo. Há em mim uma coisa que sei e faço questão de asseverar: para bem ou para mal, escrevo com a alma. Procuro reproduzir com a máxima sinceridade o meu estado de espírito, quer na paz quer revolta. Há muitos anos que o faço, e não será aos setenta e cinco que vou parar, a menos que por infortúnio me dê alguma camoeca e me arrume de vez ou me coloque numa situação vegetativa.
Apesar de tudo, sou incapaz der ser socialmente soez nas minhas dissertações; uma coisa é certa, a abrasividade provocada pelo sarcasmo que nelas se reflete, - quando necessário - é uma verdade; mas também não deixa de ser uma realidade, que, no meio daqueles que aprovam, há sempre alguém que não gosta de as “ouvir”, porque a verdade fere a insensatez, e esta, por sua vez, aumenta a secreção biliar em determinados bichos deste matagal, que os coloca numa situação de idiotice indigesta e os empurra para a tecelagem comentários de feira onde a picardia é uma constante. Tudo isto acontece, independentemente da posição social de cada um, como é perceptível. Enfim, há de tudo, mas com isso posso eu bem.
Posso dizer que tanto gosto dos que antagonizam as minhas ideias como daqueles que as enaltecem, tendo, como é lógico, algum cuidado com os que não dizem nada, que são em maior frequência; o que abomino com radicalismo são aqueles que, pseudo-cultivados ou por natureza mal lavrados, têm tendência para “borrar o sentido da escrita”, com a sua falta de civismo – mas destes, outra coisa não é de esperar, mas ainda tenho “palha” suficiente para eles.
Continuarei a ser daqueles que, se entender que devo enaltecer, também não me esquivo a esse propósito e tento fazê-lo, aplicando para isso e com empenho, o proveito das minhas cogitações e sentimentos.
Não é que eu ambicione “endireitar” mundo, porque reconheço que sou bastante imperfeito para o fazer, mas pelo menos, conciliá-lo em torno dos valores da ética e do bom entendimento; fundamentalmente, na razão.
Quem não gostar, que promova uma greve, recorrendo para isso a um fastio racional.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 29/03/2109

Nota: não estou em concordância
com o Novo Acordo Ortográfico.
  

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